Boa Midia

40 Anos – Alta Floresta a cidade de Ariosto da Riva

Alta Floresta

Com a divisão territorial Mato Grosso voltou seu olhar para o vazio demográfico na Amazônia, faixa de fronteira, Chapadão do Parecis e o Vale do Araguaia. Cidades surgiram da noite para o dia no cerrado e na mata. Alta Floresta, na calha do rio Teles Pires,  é bom exemplo da colonização na região conhecida por Nortão; aquela importante cidade nasceu da ousadia e da visão de Ariosto da Riva, que também fundou Apiacás e Paranaíta.

Ler sobre Alta Floresta é descortinar uma das belas páginas da colonização mato-grossense.

Para sempre no solo independentemente que o céu seja não de brigadeiro. Não voa mais! O bimotor que prestou grande serviço ao Nortão aterrissou para sempre em Alta Floresta, que tanto ajudou a crescer. Agora, o bom Douglas DC-3 em sua versão cargueiro C-47 de prefixo PT-KVA é patrimônio cultural sobre um pedestal para encher de beleza os olhos dos turistas e marejar o olhar de seus passageiros nos tempos da loucura do garimpo de ouro no Nortão.

Os gêmeos Wilson Clever Lima e William José Lima, seus donos e seus comandantes, que na proeza de seus pousos e decolagens em situações climáticas muitas vezes adversas em arremedos de improvisadas pistas ganharam o apelido de Irmãos Metralha, tiraram as mãos do manche e guardaram seus brevês. Nos anos 1980 cruzando os céus do município sobre o rio Teles Pires e suas matas o imponente C-47 carregou muito ouro, mas seu transporte mais precioso sempre foi o povo de Alta Floresta.

Os Irmãos Metralha doaram a famosa aeronave ao povo de Alta Floresta e agora ela atesta a magia do ciclo do ouro, quando praticamente não havia estradas na região e o transporte aéreo era o pulmão que bombeava ar ao coração econômico e social da cidade, nas famosas pistas de garimpo e por onde mais se possa imaginar.

William agora não mais vê do alto a cidade. Reconhecido por muitos, caminha pelas ruas entre os moradores do município, onde presidiu o Sindicato Rural; é um entre seus 5,48 habitantes por quilômetro quadrado. Seu irmão Wilson parou de voar na segunda-feira 28 de abril de 2014 quando em Araçatuba (SP) fechou os olhos para sempre, vítima das sequelas de um aneurisma. Naquela data o comandante Wilson Metralha decolou para o céu, de onde namora Alta Floresta – uma de suas grandes paixões. À noite, se transforma na mais brilhante estrela sobre a cidade que Ariosto da Riva colonizou com sua empresa Integração, Desenvolvimento e Colonização (Indeco), façanha essa que lhe rendeu o reconhecimento do jornalista, escritor e compositor David Nasser que o chamou de “O Último Bandeirante”.

 

Conga, Conga, Conga na madrugada

 

Cabeça, o homem do garimpo
Cabeça, o homem do garimpo

Mais de 20 mil garimpeiros extraíram grande quantidade de ouro na Pista do Cabeça entre 1982 e 85. Quem controlava aquela área de 19 mil hectares era o paraibano Eliézio Lopes de Carvalho, o Cabeça, que recebeu uma grande quantidade do metal como pagamento de sua parte no garimpo e por remédios, gasolina, bebidas, mulheres, alimentos que fornecia aos garimpeiros, além do transporte aéreo que fazia com seus aviões. Cabeça jura que por seus bolsos passaram 12 toneladas.

Os donos das pistas de garimpo no Nortão e Pará faziam chover e acontecer. Cabeça foi um deles e estavam no seu poder a segurança, a saúde, as regras sociais e a economia dos milhares de garimpeiros de todos os cantos do Brasil que viviam a aventura do ouro na sua pista localizada na calha do rio Teles Pires, na Alta Floresta que agora tem 8.976,309 km². À época havia vácuo de segurança e de instituições do Estado, mas isso mudou. O município é sede de comarca de terceira entrância, de uma Vara do Trabalho, da 24ª Zona Eleitoral, comando regional da Polícia Militar, de Delegacia Regional de Polícia Civil, de Perícia Oficial (Politec) e de uma unidade do Corpo de Bombeiros Militar.

A agora desativada Pista do Cabeça ficava a 75 quilômetros de Alta Floresta. À época não havia estrada e o meio de acesso era o avião. Hoje a cidade conta com ligações rodoviárias pavimentadas com Cuiabá e cidades ao Norte; o Aeroporto Piloto Osvaldo Marques Dias tem a maior pista de Mato Grosso. Transporte aéreo e rodoviário são coisas que não faltam, mas uma das demandas da região é a Hidrovia Teles Pires-Tapajós, que enfrenta cadeado judicial; esse meio de transporte é permanente bandeira do médico e empresário Mário Nishikawa e de tantos outros sonhadores.

Cabeça promoveu 36 shows nacionais para animar as noitadas dos garimpeiros. Amado Batista, Waldick Soriano, Walter Basso, Reginaldo Rossi, Nelson Ned, Donizete e Suzamar foram algumas dessas atrações. Dona Maria Odete Brito de Miranda fez show por lá e na madrugada rebolou Conga, Conga, Conga para o anfitrião. Essa senhora é Gretchen, a rainha da preferência nacional. O município passou por grande transformação e seu maior evento popular é a exposição agropecuária e industrial Expoalta.

Cabeça não está mais entre nós desde 13 de julho deste ano de 2017. Vítima de um tumor no abdômen fechou os olhos para sempre, aos 72 anos. Acostumado aos grandes shows, programou seu adeus para uma quinta-feira, para chegar ao céu no dia seguinte e assim participar das grandes apresentações celestiais de seus antigos contratados Waldich Soriano, Reginaldo Rossi, Nelson Ned e outros.

A economia do ciclo do ouro não mais existe; diversificou-se muito. Alta Floresta é polo regional distribuidor aos municípios em seu entorno, produz café conillon, cacau e soja. Isto mesmo: a leguminosa chinesa que é o pilar econômico de Mato Grosso chegou por lá em 2013 espalhando-se por modestos 5.550 hectares. Acontece que essa tal soja não tem limites e fechou 2016 com uma área três vezes maior. Se o boi não ficar esperto, em breve ela engole suas invernadas. A piscicultura se faz presente; e o garimpo de ouro permanece, porém em quantidade bem menor.

O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 1.040.126.000. O rebanho bovino de mamando a caducando é de 741.808 cabeças. Ao lado da cidade um frigorífico abate e reforça a balança comercial; a extração da madeira continua gerando renda. Em 2016 o município exportou US$ 19.250.420 (FOB) em madeira, carne e ouro bruto para os Estados Unidos, Kong Kong, Egito e outros 34 países. No período importou US$ 42.238 (FOB) em equipamentos para frigoríficos e velas de transmissão produzidos na Espanha e Alemanha. Com essa movimentação seu superávit no ano foi de US$ 19.208.182.

Um dos mais belos cartões-postais de Mato Grosso é o rio Cristalino em Alta Floresta, numa área preservada do parque estadual que leva seu nome. Sobre o parque leia o tópico Preservação, no segundo capítulo.

 

Uma escolha democrática

 

Neuza Lucy escolheu o nome da cidade
Neuza Lucy Asvolinsque escolheu o nome da cidade

Em Cuiabá uma jovem professora se sentiu instigada a participar de um inusitado concurso, não por sua modesta premiação, mas porque o vencedor ou vencedora entraria para a história. Foi assim que nasceu o nome Alta Floresta.

Professora de Matemática no Colégio Sagrado Coração de Jesus, Nelza Luci Asvolinsque Faria leu um anúncio no Diário de Cuiabá sobre a realização de um concurso para escolha do nome de uma cidade que o colonizador Ariosto da Riva implantava na Amazônia Mato-grossense. Nelza prestou atenção ao indicativo da localização do projeto, bem no alto do mapa em meio à mata densa. Sem pensar duas vezes, foi à Rádio A Voz D’Oeste, em Cuiabá, e depositou numa urna sua sugestão. Dai para frente caberia aos ouvintes aprovarem ou não o nome.

Nelza sugeriu Alta Floresta e venceu o concurso idealizado pelo coronel José Meirelles, ex-comandante do 9º Batalhão de Engenharia e Construção (9º BEC), que depois de se aposentar foi contratado por Ariosto para concluir a abertura de uma estrada ligando a BR-163 ao seu projeto. Meirelles topou o desafio e o cumpriu. Além disso, bolou o concurso vencido por Nelza, que posteriormente tornou-se cartorária no Cartório do 7º Ofício de Cuiabá.

A abertura da estrada demorou três anos. Meirelles foi encarregado da travessia do rio Teles Pires e do trajeto até o local definido para a cidade. O avanço do projeto dependia de tratores pesados. Ao invés de balsa convencional, Meirelles lançou mão de balsas de portada – empregadas na engenharia militar – e com elas botou os equipamentos na margem esquerda do rio. Certa vez Meireles contou-me sobre a dificuldade que enfrentou, porque a área de vazante na margem direita do Teles Pires é muito larga.

Sem acesso por rodovia, a alternativa era o transporte aéreo, que consagrou grandes nomes da aviação, dentre eles Dpemty Bandeira Fiúza, o comandante Fiúza, que em 2 de junho de 2016, aos 85 anos, decolou para seu último voo sem necessidade de avião – a máquina que tão bem pilotava.

Juntamente com Meirelles, seu braço direito na BR-163, o topógrafo Antônio Nunes Severo Gomes também trabalhou para Ariosto. Severo foi topógrafo nos projetos urbanos de Alta Floresta, Paranaíta e Apiacás.

 

A data da vitória de Ariosto

 

Calha

Colonizador Ariosto da Riva
Colonizador Ariosto da Riva

do rio Teles Pires, município de Aripuanã, quarta-feira 19 de maio de 1976. Ao contrário do Brasil que está em ebulição pelas eleições municipais em novembro, naquele local o assunto era um só: a inauguração de Alta Floresta. Pela manhã Ariosto era a imagem do contentamento acompanhando os tratores arrancando as derradeiras raízes das ruas sem casas, escolas e lojas laterais. À tarde o colonizador estava ainda mais feliz entregando ao Brasil e às gerações futuras um projeto que transformava o vazio amazônico no embrião de uma cidade sonhada para ser moderna. Digo mais: para ser a imagem de seu construtor.

O dia da fundação é a data oficial de Alta Floresta, mas seu distrito foi criado em 19 de setembro de 1977 pelo governador Garcia Neto e a emancipação aconteceu em 18 de dezembro de 1979 com a sanção pelo governador Frederico Campos da lei que criou o município.

As ruas desertas quando da inauguração da cidade mais tarde viveram o boom populacional com o garimpo. Em 1995, quando a atividade entrou em declínio, havia 79.591 moradores. Transcorridos 23 anos, esse número caiu para 50.189, registrando queda de 37,08% no período. Esse enxugamento humano somente não é maior porque o êxodo foi estancado e nos últimos anos houve a retomada do crescimento. Dois indicadores sociais mostram que as sequelas com o fim do garimpo estão cicatrizando: o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) numa escala de zero a um é de 0,714 e a renda per capita alcança R$ 20.853,81.

Tratamento de esgoto contribui para a melhoria da qualidade de vida e Alta Floresta está atenta a isso. Por meio de concessão, a cidade coleta e faz tratamento de parte do esgoto. Fé e trabalho nunca faltaram a Alta Floresta; é nesse binômio que se retoma o crescimento. Dentre os líderes religiosos que elevaram e elevam as mãos aos céus pela cidade, o pastor baiano Agenor José dos Santos, que aos 77 anos, em 2 de junho de 2016 se juntou ao coro do justos que ora nos céus.

No auge do garimpo havia um frenesi de pequenos aviões no aeroporto da cidade e, na Boate Saramandaia, mais de 300 mulheres faziam a alegria dos garimpeiros noite adentro sem hora para o sexo e a bebedeira acabar. O pagamento quase sempre era feito em pepitas; dinheiro era raro naquela casa, onde a verdadeira moeda circulante atendia pelo nome de ouro. Sobre isso leia o capítulo dedicado a Peixoto de Azevedo.

As ruas desertas e sem escola não existem mais. A Educação ajudou a povoá-las com suas crianças e quem primeiro ensinou o bê-á-bá na terra de Ariosto foi o professor Benjamin Paula. O desenvolvimento levou para Alta Floresta um campus da Universidade do Estado (Unemat) e outro do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFMT), com extensão em Paranaíta, e faculdades particulares com ensino presencial e a distância. A cidade ganhou hospitais e inclusive o Hospital Regional. Mulheres e homens povoaram essas ruas e lá não se segrega gênero. Por dois mandatos consecutivos a economiária Maria Izaura Dias Alfonso foi sua prefeita. Mais: a cidade não é adepta da máxima de que santo de casa não faz milagre, tanto assim que em 1990 elegeu seu morador mineiro João Batista Teixeira dos Santos primeiro deputado federal do Nortão.

ARIOSTO – Melhor escola, impossível! Ariosto da Riva aprendeu a construir cidades com o maior colonizador do Paraná, Geremia Lunardelli. Do Paraná para Mato Grosso – antes de sua divisão – onde criou Naviraí (agora MS). Depois chegou ao Teles Pires em 1974. Fundou Alta Floresta, Apiacás e Paranaíta. Nasceu de família pobre em Agudos (SP). Sua têmpera esculpida pelo trabalho incessante ao longo de 77 anos abriu caminhos ao desenvolvimento de Mato Grosso e ao sonho de milhares que buscavam no Nortão as oportunidades que não tinham em seus lugares de origem. Em 25 de julho de 1992 fechou os olhos, mas não deixou sua Alta Floresta onde seu corpo foi sepultado. Entrou para a galeria dos que construíram o Brasil. Virou lenda.

As gerações de seus sucessores ganham mais e mais componentes. Em 5 de maio de 2015 nasceram seus primeiros tetranetos: Laura e Arthur. Seu filho Vicente da Riva foi prefeito do município.

No cenário de conquistas e vitórias, Ariosto experimentou uma dor sem fim pela perda de seu filho Ludovico da Riva – seu braço direito na colonização – que morreu num acidente aéreo em 1990, quando disputava o governo.

Ariosto e Ludovico emprestam seus nomes ao principal corredor da cidade, que é separado por um amplo canteiro central com construções de frente para as duas pistas, uma a Avenida Ariosto da Riva e outra a Avenida Ludovico da Riva.

Eduardo Gomes/blogdoeduardogomes

Fotos 1 e 2 Marcos Cardial

3 – Geraldo Tavares

4 – Dinalte Miranda

5 – Arquivo

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