Boa Midia

O Japão é aqui

Os primeiros japoneses no Brasil, em 18 de junho de 1908 – portanto há 112 anos – , no porto de Santos, onde atracou o navio Kasato Maru, que os trouxe. Atentos a tudo, 781 pares de olhinhos puxados se encheram com as belezas do país que os acolhia e os faria filhos. Palmo a palmo eles foram se espalhando país afora. Na década de 1950 descobriram o rincão mato-grossense, com o qual se identificaram a tal ponto, que sobre Mato Grosso se pode dizer sem medo de errar: O Japão é aqui!

 

Tóquio a capital japonesa

Tóquio fica a 20.800 quilômetros de Santarém, que é a melhor opção para a exportação de commodities do Nortão ao continente asiático. Aquela cidade paraense dista 1.770 quilômetros de Cuiabá. Independentemente da distância, não se engana quem diz: o Japão é aqui, referindo-se a Mato Grosso. Os japoneses formam a maior colônia  na Terra de Rondon. Em sua composição, fundadores de cidades, técnicos, políticos, esportistas, magistrados e outras figuras plenamente identificadas com o região onde habitam.

O Japão é um dos grandes importadores mato-grossenses, mas a questão comercial não é o principal elo entre Tóquio e Cuiabá. O grande traço entre os dois povos é a identificação que os une.

 

Povos irmãos

 

CUIABÁ 2008 – Meninas da colônia japonesa disputam título de Miss Centenário da Imigração

Mato Grosso e Japão mantêm estreitos laços desde 1953. Os japoneses e seus descendentes se espalham por todos os municípios e participam ativamente da vida econômica, social, esportiva e política mato-grossense. Não há números oficiais, mas independentemente deles, ninguém duvida que se trata da nossa maior colônia de imigrantes.

A contribuição da colônia nipo-brasileira ao processo de desenvolvimento econômico, social, cultural, esportivo e político em Mato Grosso é imensurável. Alguns integrantes desse núcleo populacional são personagens deste material.

Em Rondonópolis, cidade com forte presença da colônia nipo-brasileira, um monumento reverencia o centenário da imigração

Em 2008, nas comemorações do centenário da colonização japonesa no Brasil, a colônia nipo-brasileira promoveu eventos em Cuiabá e outros municípios. Entre os pontos altos, na capital foi realizado o concurso pelo cetro da beleza Miss Centenário e a eleita foi Regina Nishitani, de Cuiabá, e a Assembleia Legislativa realizou sessão solene alusiva à data.

Em Rondonópolis, um marco memorial registra o centenário da imigração. A cidade tem muita identidade com a colônia nipo-brasileira.

No Brasil os japoneses chegaram em 1908. Depois de 52 dias navegando o navio Kasato Maru chegou ao porto de Santos em 18 de junho de 1908 – portanto quase 112 anos – com 165 famílias a a bordo.

Esse grupo, com 781 integrantes, embarcou no porto de Kobe e foi a primeira leva japonesa que veio para o Brasil, principalmente para trabalhar em cafezais paulistas e paranaenses.

Em Mato Grosso não há registro dessa presença àquela época, mas o marco zero da imigração é 1953, ano em que o empresário Yassutaro Matsubara iniciou a colonização da Gleba Rio Ferro, com 250 mil hectares, na área onde mais tarde surgiriam as cidades de Feliz Natal e Nova Ubiratã, no Nortão. Yassutaro era ligado ao presidente Getúlio Vargas, que lhe deu a propriedade para transformá-la num polo de produção de pimenta-do-reino e cultivar outras lavouras.

Paulo Japonês, pioneiro em Mato Grosso

Yassutaro não enfrentou os desafios de cultivar na Amazônia Mato-grossense, mas botou o empreendimento nas mãos de seu filho Iosihua Matsubara que foi aportuguesado para Paulo Japonês. Japoneses, nisseis e sanseis de São Paulo e Paraná trocaram seus endereços pelo sonho de vencer na vida numa região distante 400 quilômetros de Cuiabá e com dificuldade de acesso. O projeto se arrastou por quase duas décadas, até que se esvaziou. O fracasso pode ser debitado à malária e à pobreza do solo, que inviabilizava qualquer tipo de lavoura. A febre foi praticamente banida da região, que se tornou importante polo agrícola após a adoção do calcário na correção da acidez nas áreas agricultáveis. Vale ressaltar que Mato Grosso tem grandes reservas de calcário em Nobres, distante 400 quilômetros de Rio Ferro.

Os participantes da colonização de Rio Ferro deixaram o projeto, mas em sua maioria permaneceram em Mato Grosso. Mudaram-se para Cuiabá, Várzea Grande, Cáceres, Barra do Garças, Rondonópolis e Diamantino, onde incorporaram os sobrenomes Okada, Nomura, Sano, Mizobe, Ueda, Utida, Otiai, Kanashiro, Yanai, Ninomiya e outros ao cotidiano dessas cidades.

A formação do núcleo urbano de Pedra Preta começou em 1956, por iniciativa do imigrante japonês Noda Guenko, que residia em Rondonópolis, município ao qual a região pertencia. O primeiro nome foi Vale do Jurigue, posteriormente mudado para Alto Jurigue.

O encarregado por Guenko da colonização da gleba de 3.872 hectares onde mais tarde surgiria a cidade de Pedra Preta foi Jinya Konno, nascido em Kurukawa, no Japão.

PEDRA PRETA 2001: Casal Konno

Acompanhado pela esposa sansei Tokiko Konno, nascida em Marília (SP), Jinya Konno chegou ao Jurigue em 1956, procedente de Guaraci, no interior paulista.

As dificuldades enfrentadas na abertura do povoado trocaram de lugar com o conforto de agora. Konno gostou da região e desde que botou os pés ali nunca mais a deixou. Dona Tokiko também nunca se afastou da cidade que fundou e seu corpo ali está sepultado.

A vila (Gleba) Paixão, que mais tarde se transformaria na cidade de Araputanga, nasceu em 23 de maio de 1963 por iniciativa de Shigeyoshi Sato (o João Sato), na Gleba Paixão.

Em Cuiabá, o imponente Palácio das Artes Marciais Iusso Sinohara, reverencia a memória de um ilustre membro da colônia  japonesa.

Também na capital, o Parque Massairo Okamura pertetua o nome de um grande empresário.

Em Rondonópolis, Hiroshi Kawatoko denomina uma rua no Parque Real.

 

Médico pioneiro em Sinop

 

Jorge Yanai chegou em 1979 à recém-fundada SinopNa bagagem, sonhos e um canudo de médico expedido pela Universidade Federal do Paraná.

Dr. Jorge Yanai é médico pioneiro em Sinop

Paranaense de Bandeirantes, o médico e empresário Jorge Yoshiaki Yanai personificou bem o nome de sua cidade ao participar do desbravamento do Nortão, região da qual Sinop é o polo urbano.

Além de médico Jorge Yanai é diretor do Hospital Dois Pinheiros, em Sinop.

Todos os dias Jorge Yanai exerceu a medicina enquanto cirurgião e ginecologista: é o médico há mais tempo em atividade no polo de Sinop, mas mesmo assim sempre encontra tempo para a política – tanto é verdade que em 1990 conquistou uma cadeira de deputado estadual.

Em 2002, o senador e candidato a reeleição Jonas Pinheiro o convidou para segundo suplente em sua chapa, que foi vencedora. Vítima de complicações do diabetes, Jonas Pinheiro morreu em 19 de fevereiro de 2009 e o primeiro suplente Gilberto Goellner o substituiu.

De 06 de maio de 2010 a 09 de setembro daquele ano, Jorge Yanai ocupou a cadeira de Goellner no Senado. Foi o primeiro e até agora único senador brasileiro de origem japonesa.

 

 

O reverso da medalha

 

O caminho inverso ao desse navio

A moeda forte e os bons salários no Japão despertaram interesse em sua colônia em Mato Grosso. Há quase três décadas nisseis, sanseis, yonseis, gosseis e schichisseis e até mesmo os isseis – imigrantes japoneses – fazem o caminho inverso ao do navio Hasato Maru em busca do sonho do emprego seguro e bem remunerado. Parte volta, mas outros se adaptam ou readaptam por lá.

O trabalhador nascido no exterior e que vai ao Japão em busca de emprego é chamado de dekassegui. Mato Grosso tornou-se exportador de mão de obra para a Terra do Sol Nascente. Moradores de Cuiabá, Rondonópolis, Barra do Garças e outras cidades, que descendem de japoneses ou são casados com integrantes da colônia nipo-brasileira têm facilidade em obter visto para a emigração. Parte do dinheiro que ganham em Tóquio, Hiroshima, Nagoia, Narita, Suzuka e outras localidades é investida em suas cidades de origem.

 

Presença na Transpantaneira

 

A colônia japonesa participou da criação do pioneiro multimodal de transporte mato-grossense. No primeiro passo o multimodal com suas matrizes de transporte utilizaria a ferrovia, de São Paulo a Corumbá (agora Mato Grosso do Sul); a pantaneira Hidrovia Cuiabá-Paraguai, de Corumbá a Porto Jofre, no município de Poconé; e a Rodovia Transpantaneira, de Poconé a Porto Jofre. Num segundo passo a ligação rodoviária se estenderia de Corumbá a Poconé sendo alternativa ao transporte fluvial no trajeto.O primeiro multimodal de transporte brasileiro para a integração do trem com balsa e rodovia foi planejado no começo dos anos 1970 para interligar São Paulo e Mato Grosso, com trecho na área ora pertencente a Mato Grosso do Sul. Esse projeto fazia parte do Plano de Integração Nacional criado pelos militares que governavam o Brasil, dentro da política nacionalista de “Integrar para não Entregar”. Dele nasceu a Rodovia Transpantaneira.

A Transpantaneira avançou 140 quilômetros pelo município de Poconé, da cidade à margem direita do rio Cuiabá. A rodovia é uma grande reta em maior parte do trajeto suspensa por aterro com 124 pontes pequenas e médias sobre corixos, o que mostra o grau de dificuldade que foi sua construção. A obra foi cumprida na parte que mais tarde seria o remanescente mato-grossense após a divisão territorial para a criação de Mato Grosso do Sul, mas não foi executada no trecho da área seccionada.

Transpantaneira é a MT-060. Ela é Estrada-Parque e recebeu a denominação de Rodovia José Vicente Dorileo – Zelito Dorileo, por uma lei de autoria do deputado estadual Paulo Moura sancionada em 21 de janeiro de 1999 pelo governador Dante de Oliveira. Zelito foi pecuarista em Poconé e dirigente sindical patronal rural.

O engenheiro Ninomiya Miguel

A construção da Transpantaneira começou em 5 de setembro de 1972 quando Mato Grosso era governado por José Manuel Fontanillas Fragelli. A obra foi executada pela Companhia de Desenvolvimento de Mato Grosso (Codemat), sob responsabilidade técnica dos engenheiros Kikuo Ninomiya Miguel, Enzo Perri, Hilton Campos (foi deputado estadual e prefeito de Juína) e outros.

Em 1974, o governo federal inaugurou a ligação asfáltica de Cuiabá com Campo Grande (BR-163) e Goiânia (BR-364) via Rondonópolis. Paralelamente a isso a Transpantaneira foi concluída, mas perdeu importância pela natural opção pelo transporte rodoviário nas rodovias federais recém-construídas. Diante dessa realidade a obra não avançou além de Porto Jofre, rumo sul, na área agora de Mato Grosso do Sul.

Ninomiya foi deputado estadual. Da colônia japonesa também exerceram mandatos na Assembleia Legislativa os deputados Kazuo Sano e Jorge Yanai. Maçao Tadano e Itsuo Takayama foram deputados federais.

Dario, o pai da Soja Inox

 

O pesquisador Dario

Pesquisador reconhecido internacionalmente, Dario Minoru Hiromoto é o pai da Soja Inox.

Engenheiro agrônomo formado em 1985 pela USP/Esalq e doutor em Agronomia pela mesma instituição, Dario sempre trabalhou em linha de pesquisa de Melhoramento Genético.

Dario nasceu em Bela Vista do Paraíso (PR) em 1963. Em 1990, começou a trabalhar como melhorista de soja da Embrapa-Soja, em Rondonópolis, onde permaneceu até 2000.

Juntamente com um grupo de 23 produtores rurais Dario idealizou e criou em Rondonópolis a Fundação de Apoio à Pesquisa Agropecuária de Mato Grosso (Fundação MT), da qual foi diretor-superintendente.

À frente de equipes de pesquisadores Dario desenvolveu vários experimentos que resultaram em mais produtividade e resistência de variedades de soja cultivadas no Brasil. Porém, seu maior feito foi o desenvolvimento da Soja Inox – cultivar resistência à ferrugem asiática causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi

A Soja Inox tem as impressões digitais de Dario. Com ela a agricultura mundial supera um dos maiores entraves da cultura dessa leguminosa de origem asiática e que é base da ração animal em todos os cantos do planeta.

Vítima de afogamento Dario morreu na tarde de 22 de outubro de 2009, quando fazia passeio náutico no lago da hidrelétrica de Manso, no município de Chapada dos Guimarães, distante 100 quilômetros de Cuiabá. Seu corpo foi sepultado em 26 daquele mês no Cemitério de Vila Aurora, em Rondonópolis, onde morava e exercia a função de superintendente da Fundação MT, sediada naquela cidade.

HOMENAGENS – Em 23 de agosto de 2000, a Assembleia Legislativa outorgou o Título de Cidadão Mato-grossense a Dario. O autor da proposta foi o deputado Moacir Pires.

A sede da Fundação MT em Rondonópolis ganhou o nome de Dario. Em seu jardim a entidade rende outra homenagem à sua memória, com uma estátua sua medindo 1,76 m (sua altura), esculpida em resina. A obra é do escultor Mario Pitanguy, que é membro da Sociedade Brasileira de Belas Artes e da Sociedade dos Escultores das Américas.

Um hibakusha entre nós

 

 

Japão, 09 de agosto de 1945. Um cogumelo subiu ao céu. Deixou 39 mil mortos. Nagasaki virou escombros.Masanobu Kazurayama não entendia o que acontecia. Era criança.

Continuava a brincar na estrada perto da cidade que a ignomínia da guerra acabara de destruir até que alguém o levou para uma vala no quintal de sua casa onde a vizinhança se escondia dos bombardeios.

O menino Kazurayama escapou ileso, mas passou a infância testemunhando a dor física dos atingidos pelo ataque, e o sofrimento dos que perderam parentes, amigos e conhecidos para o poder avassalador da terrível arma utilizada pelos Estados Unidos contra a população japonesa.

Kazurayama virou hibakusha, como são conhecidos no Japão os sobreviventes das bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki no final da Segunda Guerra Mundial.

O hibakusha Kazurayama cresceu sonhando com o paraíso ensolarado chamado Brasil. Em 1961, zarpou num navio realizando seu sonho. Chegou ao Paraná. Três anos depois estava em Mato Grosso, onde venceu na área empresarial. Construiu uma casa na barranca do rio Cuiabá, perto da capital. Vive em paz com a família. Divide o tempo entre a piscicultura e o hobby da pintura.

Nas discretas reuniões da colônia nipo-brasileira em Mato Grosso, Kazurayama prega a cultura da paz com a credibilidade de quem sobreviveu ao horror atômico. Seus ensinamentos repercutem entre os conterrâneos e seus descendentes nascidos brasileiros e que há décadas contribuem para o desenvolvimento mato-grossense.

O nosso hibakusha Kazurayama é um rosto a mais na numerosa colônia japonesa, que tem papel importante em Mato Grosso. Seu patrício Noda Guenko fundou a cidade de Pedra Preta. Filhos da Terra do Sol Nascente e seus descendentes ocupam lugar na comunidade científica e intelectual, participam ativamente da vida política e social, transmitem tradições e cultura e miscigenam a população que a cada dia é mais cosmopolita nesta terra abençoada por Deus e cercada de América do Sul por todos os lados.

PS – Texto extraído do livro “Dois dedos de prosa em silêncio – pra rir, arguir e refletir” publicado em 2015 pelo jornalista Eduardo Gomes de Andrade com ilustração de Generino, sem apoio das leis de incentivos culturais.

 

O pai da soja abaixo do Paralelo 13

 

Matsubara, o homem que desafiou o cerrado

cerrado e a mata de transição no Nortão viraram cenário econômico e ganharam função social com o cultivo da soja e da rotação de cultura com o milho safrinha e o algodão. Até 1978 ambos os biomas deixavam com o pé atrás os produtores de soja interessados na região, pois até então não havia nenhum indicativo de que a leguminosa se adaptaria bem naquela área abaixo do Paralelo 13.

Em Mato Grosso, abaixo do Paralelo 13, o arroz de sequeiro era a única cultura em escala. Em meio às dúvidas e incertezas o sonhador nissei Munefumi Matsubara botava a mão na massa – e no bolso – amansando o solo para a chegada da soja, que hoje é o carro chefe da economia mato-grossense.

Pioneiro no cultivo de soja abaixo do Paralelo 13 em Mato Grosso, Matsubara acreditou na viabilidade desse projeto na região. Na fazenda Progresso, de 10 mil hectares, no município de Sorriso e perto de Lucas do Rio Verde, Matsubara desenvolveu pesquisas que lhe deram uma facada de US$ 1 milhão entre 1972 e a safra 77/78, quando cultivou a leguminosa em campos experimentais e em lavouras sendo a maior de 3.600 ha com a cultivar UFV-1 da qual colheu 15 sacas/ha.

O dinheiro que saiu do bolso de Matsubara resultou na pesquisa que abriu a porteira para a soja no eixo de influência da rodovia BR-163 no Nortão. Paulista de Vera Cruz e ex-morador no Paraná, Matsubara agora é residente em Sinop, onde milita nos meios empresariais.

Discreto, Matsubara não se preocupava em alardear seu feito e até desconversa sobre ele. Sua obra fala mais alto sobre a soja do que todas as vozes. Vítima de um câncer, aos 81 anos Matsubara fechou os olhos para sempre em 7 de setembro do ano passado, em Sinop.

 

 

Deusa das quadras

 

Ana Tiemi: Mato Grosso veste a amarelinha

Dona Tila fazia das tripas coração para manter a casa limpa, mas a poeira vermelha não dava trégua naquele vilarejo num canto perdido do município de Diamantino, à beira da quase deserta Rodovia Cuiabá-Santarém, onde a malária era companhia constante, em meados dos anos 1980.

O lugar onde dona Tila vivia não tinha nenhuma estrutura, mas seus moradores sonhavam com o amanhã coletivo melhor. Uns cultivavam, outros abriam estabelecimentos comerciais, outros prestavam serviço. Cada um se virava como podia. Transcorridos mais de 20 anos, a vila cedeu lugar a uma linda cidade sede de um dos principais municípios agrícolas do Brasil, Nova Mutum.

O sonho coletivo em Mutum não tinha espaço para o esporte, principalmente para o vôlei, que exige quadra, treinamento diferenciado e até mesmo altura compatível com os atletas. No entanto, foi na área esportiva que a antiga vila conseguiu seu maior feito.

De sua seleção feminina de vôlei, Mutum mandou para o mundo a genialidade da levantadora Ana Tiemi, filha de dona Tila e orgulho da cidade.

Ana Tiemi Takagui é a cara de Nova Mutum. Nova, ousada, bonita, vencedora, respeitada e admirada. Sua mãe, Cleneci Onghero Takagui ou simplesmente dona Tila, é catarinense; o pai Toshio Takagui, é nissei paulistano. Em épocas diferentes trocaram seus estados de origem por Nobres, cidade no ponto equidistante de Cuiabá a Nova Mutum, e ali se casaram.

Em 1985, o casal Takagui deixou Nobres por Nova Mutum, onde nem a poeira nem a malária impediram que dona Tila e Toshio gerassem aquela que mais tarde seria a maior estrela do vôlei de Mato Grosso e uma das principais do Brasil. Quando a menina nasceu não havia hospital em Nova Mutum e a saída foi um hospital na cidade onde os pais se conheceram e se casaram.

A poeira cedeu lugar ao asfalto. A cidade ganhou qualidade de vida e o casal Takagui criou seus filhos em paz. Ana Tiemi alcançou a idade escolar e foi matriculada na Escola Municipal Carlos Drummond de Andrade, onde conheceu e se apaixonou pelo vôlei.

A mãe de Ana Tiemi continua em Nova Mutum com parte da família. Desde 2005 o pai, Toshio, é um rosto a mais na multidão dos dekasseguis que fizeram o caminho inverso de seus ancestrais, e igual a eles, foi em busca do sonho da realização profissional que tanto pode estar de um como do outro lado do mundo.

Jogando pela Seleção de Vôlei de Nova Mutum, o talento de Ana Tiemi despertou o interesse do Colégio Afirmativo, em Cuiabá, que a levou para sua equipe. Daí, os passos seguintes foram em direção a uma certa camiseta amarela respeitada no mundo inteiro.

Pela Seleção Brasileira Infanto-Juvenil, na Venezuela, faturou duas importantes conquistas: o Sul-Americano e o título de melhor levantadora. Sua trajetória a levou à Seleção Juvenil e à medalha de ouro no Mundial da Turquia.

Incorrigível ganhadora de medalhas e títulos, Ana Tiemi botou na galeria de suas conquistas o Grand Prix, disputado no Japão, que deu ao Brasil seu octacampeonato nessa competição.

Nova Mutum. Cuiabá. Mato Grosso. Minas Tênis. Osasco/Nestlé. Brasil Turquia, França, Bauru, França novamente, pelas quadras mundo aforaO planeta é pequeno para Ana Tiemi, a musa morena nipo-brasileira que é pedra angular na Seleção Brasileira de Vôlei.

 

Sensei respeitado por Rondonópolis

Desde sua emancipação em 1953 Rondonópolis tem forte presença da colônia nipo-brasileira, mas não foi somente por essa razão que Manao Ninomiya, recém-chegado do Japão, resolveu trocar Campo Grande por ela. Sensei do empresário Ibrahim Zaher, ele ouviu do aluno de judô que lugar bom para trabalhar e ganhar dinheiro era aquela cidade à margem do rio Vermelho e que reverencia o Marechal Rondon. Isso em 1972. Transcorridos quase meio século seu endereço permanece o mesmo: em Rondonópolis. O que mudou em sua vida? Era solteiro; agora é casado, tem filhos e netos – mais: por seu tatame passaram mais de seis mil crianças, adolescentes e adultos de ambos os sexos. Chamá-lo pelo nome é correto, mas, por questão de justiça o mestre da arte marcial que é referência de seu esporte em Mato Grosso pode bem ser chamado Senhor Judô.
Manao chorou apenas uma vez na vida: em 26 de setembro de 1943, quando nasceu, em Mibu. Menino criado no Japão arrasado pela guerra, trabalhava de sol a sol como se fosse adulto, dando duro no cultivo do arroz. Encantando com o judô, o via de longe, pois não tinha recursos para comprar quimomo, até que um dia a sorte mudou. Entrou no tatame e nunca mais saiu, nem mesmo nos sete anos em que foi policial e chegou a integrar o corpo de segurança do primeiro-ministro – ora estava atento ao trabalho ora treinava com a dedicação oriental.
Em 31 de dezembro de 1968 embarcou num navio rumo ao Brasil em busca de oportunidade de vida no ensolarado país onde vivia uma grande colônia de sua terra. Depois de 43 dias no mar, desembarcou em Santos. Teve um curto período naquela cidade, em Mogi das Cruzes e na capital paulista. Pegou no batente no paulistano bairro da Liberdade, povoado por japoneses e seus descendentes – lá, vendia anúncios de jornal editado em japonês. Em São Paulo foi convidado para ser professor, mas não tinha documentação para tanto e o governo encontrava dificuldade momentânea para expedir Carteira de Trabalho. Enquanto aguardava pela possibilidade de requer aquele documento foi para Campo Grande, então Mato Grosso, retornou para São Paulo e novamente voltou para a atual capital de Mato Grosso do Sul.
SUGESTÃO – Em Campo Grande montou uma academia e o empresário Ibrahim Zaher era seu aluno. Zaher sugeriu que ele se mudasse para Rondonópolis, onde havia mais campo para a expansão de sua atividade. Zaher pertence a uma família que tem uma agência Chevrolet e investimentos em Rondonópolis, há décadas.
Rondonópolis era uma cidadezinha empoeirada, sua energia era gerada por conjunto estacionário e sequer contava com telefonia interurbana. Isso em 1972. Enquanto preparava a instalação de uma academia vendia frutas e legumes numa pequena mercearia em imóvel alugado. Em 1974 finalmente surgiu a Associação de Judô e Cultura Física de Rondonópolis e o sensei Manao cedeu seu nome para a fundação da Federação Matogrossense de Judô, e ratificou essa cessão quando da criação de Mato Grosso do Sul, o que obrigou a reestruturação da federação
Rondonópolis, desde seus primórdios, sempre esteve de braços abertos aos japoneses.
A maior colônia de imigrantes em Mato Grosso é a japonesa. Em Rondonópolis, uma rua no Parque Real, a Hiroshi Kawatoko, homenageia a memória de um japonês que contribuiu para o desenvolvimento daquela cidade.
Quem diria, que o beisebol, um dos esportes mais populares do Japão seria praticado na poeira vermelha do cerrado de Rondonópolis há meio século? Pois é. No final dos anos 1960 e até meados da década de 1970 havia um improvisado campo de beisebol perto do Colégio La Salle, na região onde hoje se situa o Fórum. O local era conhecido como Campo do japonês. A discreta colônia nipo-brasileira ali se encontrava nas manhãs dos domingos, para animadas partidas com direito a torcida feminina
Pedra Preta foi distrito de Rondonópolis. A formação daquele núcleo urbano começou em 1956, por iniciativa do imigrante japonês Noda Guenko, que residia em Rondonópolis. O primeiro nome foi Vale do Jurigue, posteriormente mudado para Alto Jurigue. O encarregado por Guenko da colonização da gleba de 3.872 hectares onde mais tarde surgiria a cidade de Pedra Preta foi Jinya Konno, nascido em Kurukawa, no Japão.
Acompanhado pela esposa sansei Tokiko Konno, nascida em Marília (SP), Jinya Konno chegou ao Jurigue em 1956, procedente de Guaraci, no interior paulista. As dificuldades enfrentadas na abertura do povoado trocaram de lugar com o conforto de agora.
Em 2008, na celebração do centenário da imigração japonesa, a colônia nipo-brasileira recebeu homenagens em Mato Grosso. Na cidade de Rondonópolis foi erguido um marco alusivo, na Avenida Lions Internacional, nas imediações do Cemitério de Vila Aurora, no bairro do mesmo nome.
EM FAMÍLIA – Sozinho, nem pensar. Manao SE casou em Cáceres com a cacerense Mitsuko Sato e o casal Ninomiya ganhou quatro filhos, todos rondonopolitanos: Kazuo, Mie, Kouji e Yukio. Os herdeiros lhes deram os netos: Karina, Kazunori e Midoti, que a exemplo dos pais, também nasceram em Rondonópolis.
Em 2000 o sensei Manao participou da fundação da Liga Nacional de Judô e da Liga de Judô Matogrossense
Por seu tatame passaram mais de seis mil judocas, dos quais, dois com a formação de faixa coral e 30 de faixa preta. Seu filho Kazuo era faixa coral 6º Dan; Mie e Yokio, são faixa preta 2º Dan; e Kouji, faixa roxa. Todos seus netos são faixa marrom. O sensei Kazuo fechou os olhos para sempre em 4 de novembro de 2019, vítima de um infarto, pouco antes de subir ao tatame para mais uma aula de judô.
O trabalho desenvolvido pelo sensei Manao na área esportiva e social – atendendo alunos carentes e contribuindo para a formação moral dos judocas – ganhou o reconhecimento da Assembleia Legislativa, que em 24 de março de 2016, por unanimidade, aprovou projeto de resolução do deputado José Carlos Junqueira de Araújo é lhe concedeu o Título de Cidadão Mato-grossense. José Carlos Junqueira de Araújo carrega o nome político de Zé Carlos do Pátio e agora é prefeito de Rondonópolis. Sua cidade também o reconhece oficialmente. Em 28 de junho de 2017 a Câmara Municipal lhe outorgou a Medalha do Pioneiro, proposta pelo vereador Fábio Cardozo.
A cidade o reverencia e se acostumou ao seu sotaque carregado, que nem o tempo nem a convivência com a população consegue eliminar. Trocando letras, falando meio cantarolado, o sensei Manao se comunica. Sua memória é invejável. É capaz de cumprimentar pelo nome ex-aluno no passado distante. Ainda que chame Arimateia de Rrrrimateá ou Arthur de Aturô, mas ele lhes dirige a palavra identificando-os tal qual suas grafias estão em seus incontáveis rabiscados caderninhos de matrículas.
O sensei Manao Ninomiya e faixa vermelha 9º dan – mestre reconhecido pelo judô mundial.
Sua nacionalidade japonesa mistura-se com a cidadania rondonopolitana que conquistou dia após dia no incessante ensinamento do judô ao longo de quase meio século. Seu esporte e sua cidade lhe rendem homenagem.

 

RESUMO – Realmente, sobre Mato Grosso, o correto é dizer O JAPÃO É AQUI

 

Redação blogdoeduardogomes

FOTOS:

1, 2 e 8 – Wikipedia

3 – Site público do Governo de Mato Grosso

4, 5 e 14 – blogdoeduardogomes

6 – Magno Jorge

7 – Maurício Barbant

9 – Instituto Memória do Poder Legislativo de Mato Grosso

10 – Ednilson Aguiar

11 – Arte Generino com diagramação de Édson Xavier

12 – Geraldo Tavares

13 – CBV – Divulgação

 

 

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