Série TRANSPARÊNCIA (03) Riva mesmo caído derrota Taques
Em seu terceiro capítulo a série TRANSPARÊNCIA revela uma jogada do governador Pedro Taques para aumentar seu controle sobre a esfera política. Taques estava fortalecido e às vésperas de assumir o Palácio Paiaguás e mesmo assim foi derrotado pelo então deputado estadual José Riva, que se encontrava a um passo do término do mandato, carregava a pecha de maior ficha suja do Brasil e respondia a dezenas de ações por improbidade. Claro que Taques nega, mas trata-se de algo grave na briga de foices no escuro pela plenitude do poder.
Esse episódio da derrota de Taques mostra como as peças do tabuleiro político são mexidas – em alguns casos por manobras nada republicanas, que são negadas pelos autores e dificilmente chegam ao conhecimento da população.
Taques é pré-candidato à reeleição. Foi eleito pelo PDT e mais tarde aderiu ao PSDB. Em seu grupo ninguém o desafia. Todos fecham questão com seu projeto para se manter no cargo por mais quatro anos, porém, nos bastidores comenta-se que pesquisas internas sem divulgação apontariam um índice de rejeição muito alto e que esse cenário não dá sinais de mudanças positivas, podendo ainda se tornar mais complicado, e que diante disso o ex-governador e ex-senador Jayme Campos (DEM) poderia assumir a candidatura pela situação.
Jayme e Taques não tocam na possibilidade de mudança na cabeça da chapa tucana ao governo. Enquanto isso, ambos fazem política com cada um puxando brasa para seu partido, mas sem troca de farpas e sempre amáveis entre si. Jayme – garantem fontes ligadas a ele – já estaria concluindo um programa de governo para apresentar a Mato Grosso. Caso se concretize a mudança Taques concluiria o mandato e entraria numa fila de espera para tentar voltar ao cenário político, o que poderia acontecer em 2020 com ele disputando convenção por candidatura a prefeito de Cuiabá, ou logo após a Copa do Mundo de 2022 caso consiga legenda e vaga em algum partido para concorrer a novo mandato.
Taques desconhece a linha que separa o permitido e o proibido, quando o assunto é o poder. Essa condição motivou sua derrota para Riva – que dá origem a este capítulo da série. Os dois não se enfrentaram diretamente, mas por meio de seus liderados. O governador eleito lançou para a presidência da Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM), o então prefeito de Lucas do Rio Verde, Otaviano Pivetta. Riva, a um passo do cadafalso indicou o à época prefeito de Nortelândia, Neurilan Fraga, para o cargo. Essa disputa vista somente pelo voto em si seria a mais democrática possível, Porém, um fato obscuro na tentativa de forçar uma vitória do candidato de Taques, entrou para a galeria das páginas mais desonrosas da política mato-grossense.
O texto abaixo, extraído do livro “O ciclo de fogo – biografia não autorizada de Riva“, publicado em 2016 pelo jornalista Eduardo Gomes de Andrade – sem apoio das leis de incentivos culturais – no capítulo “Maksuès, o delator” mergulha naquele fato. (Abaixo).
Maksuês, o delator
Maksuês Leite tentou se reeleger deputado estadual em 2010, mas não conseguiu. Jornalista e pequeno empresário da Comunicação ele queria vender produtos gráficos ao governo e a Assembleia Legislativa, mas não tinha gráfica e foi impedido de participar das licitações. Era aquilo que se chama de “dono de empresa de pastinha” – pastinha pra simbolizar que sua propriedade era carregada debaixo do braço. Para se inserir ao mercado, algum tempo depois comprou uma impressora ultrapassada e de pouca capacidade operacional para sua firma Propel – Comércio de Materiais de Escritório, em Várzea Grande, com nome de fantasia de Gráfica O Documento. Assim, entre aspas virou empresário do setor gráfico.
No final de 2012, quando a legislatura da Câmara Municipal de Cuiabá chegava ao fim, Maksuês conseguiu uma proeza. O presidente daquele Legislativo, Júlio Pinheiro (PTB) e a Propel fizeram um termo de adesão de R$ 1.650.000 para a elaboração de materiais gráficos. O termo não foi levado adiante por Júlio Pinheiro, por duas razões, segundo Maksuês: o mandato do vereador na presidência estava em contagem regressiva e não haveria lastro financeiro para tanto.
Em 2013 João Emanuel (PSD) assumiu a presidência da Câmara e levou adiante o termo de adesão, que esmiuçado era a contratação de serviços gráficos para elaborar 150 mil livros contando a história do Legislativo Cuiabano, cinco mil exemplares da Constituição de Cuiabá, crachás e outros itens de menor relevância.
Maksuês e João Emanuel tentaram levar adiante um plano mafioso. O primeiro, mesmo sem capacidade operacional para tanto, deveria imprimir dezenas de milhares de livros. O outro, ainda que os recebesse, não teria público alvo para distribui-los, pois à época a população cuiabana não ia além de 569.830 habitantes incluindo bebês, crianças e analfabetos.
A impressão dos livros era algo mirabolante. Se efetivamente fossem impressos a Câmara teria condições de doar um para cada quatro habitantes da cidade.
O estranho negócio, segundo Maksuês, na verdade seria pano de fundo para encobrir um rombo nas finanças da Câmara. A gráfica fingiria que imprimiu e o cliente João Emanuel juraria que recebeu a encomenda contratada. Essa esbórnia com o dinheiro público ficou bem evidenciada num vídeo que vazou no desenrolar da Operação Aprendiz, desencadeada pelo Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público (MP). Aprendiz desmontou o esquema e seus desdobramentos resultaram no afastamento e posterior cassação de João Emanuel.
O esquema de Maksuês e João Emanuel era verdadeira engrenagem criminosa. Cada um dos dentes tinha função especifica na sua operacionalização. O braço direito de Maksuês era seu sócio na gráfica, Gleisy Ferreira de Souza. O vereador era secundado por servidores da Câmara: o secretário-geral, Aparecido Alves da Silva, o Cido; o chefe do setor Jurídico, advogado Rodrigo Terra Cyrineu; e pelo chefe do Almoxarifado, Renan Moreno Lins Figueiredo. Cido atestava a necessidade da aquisição, Ciryneu fundamentava a legalidade da transação e Figueiredo chancelava os recebimentos do material gráfico.
Pego com a mão na botija Maksuês aceitou colaborar com o MP por meio de delação premiada. Oficialmente sua versão é a seguinte: do montante dos pagamentos pelos serviços contratados João Emanuel ficaria com 75%. Os 25% restante teriam três destinações: 13% para recolhimento dos impostos sobre as operações e 12% para serem divididos em partes iguais entre ele e seu sócio Gleisy, também alcançado pela investigação. O desdobramento da delação chegou a um acordo de Maksuês com a Justiça, pelo qual desde maio de 2015 ele devolve R$ 400 mil aos cofres públicos em 24 parcelas mensais.
A delação de Maksuês, como se comenta nos bastidores, não foi mero gesto de boa vontade nem indício de arrependimento. Ele teria cedido diante de forte pressão sofrida no Gaeco, que o teria alertado sobre a possibilidade de pedir a prisão de sua mulher, Mara Rúbia, por seu suposto envolvimento no escândalo com a Câmara. Para proteger a família, Maksuês disparou para todos os lados.
Para reforçar sua condição de delator Maksuês acusou praticamente todo o empresariado cuiabano do ramo gráfico de praticar negócios ilícitos com o governo e a Assembleia Legislativa. Daí surgiu à versão de que as compras de produtos gráficos pelos dois poderes seria nos mesmos moldes da transação com João Emanuel: 75% e 25%. Nesse cenário a Delegacia Especializada em Crimes Fazendários e Contra a Administração Pública (Defaz) iniciou investigação para tentar descobrir possíveis fraudes nas licitações do governo e Assembleia Legislativa com as gráficas.
O escândalo envolvendo Maksuês chamuscou o então presidente da Assembleia, José Riva (PSD) por duas razões. Primeiro: Maksuês foi deputado na legislatura de 2007/10 pelo PP, partido liderado por Riva, que controlava a Mesa Diretora da Assembleia. Depois Riva migraria para o PSD, que foi reconhecido pelo Tribunal Superior Eleitoral em 27 de setembro de 2011. Riva foi um dos seus principais fundadores no Brasil, pelo volume de filiações por ele canalizadas, conforme reconheceu o líder nacional da legenda, Gilberto Kassab. Segundo: à época João Emanuel era casado com a agora deputada estadual Janayna Riva, filha de Riva.
Em outubro de 2014 o senador pedetista Pedro Taques se elegeu governador em primeiro turno. Ao longo da campanha Taques anunciava que botaria os corruptos na cadeia e não escondia animosidade com Riva e o então governador Silval Barbosa (PMDB). No período entre a eleição e posse a Defaz montou a Operação Edição Extra. No grupo de Taques a meta era fazer um verdadeiro strike político para tirar Silval, Riva e o primeiro-secretário da Assembleia, Mauro Savi (PR), do caminho do governador eleito, lançando mão de tudo que se possa imaginar. Edição Extra, nesse caso, seria verdadeiro mamão com açúcar. Sem Silval, Riva e Savi, o novo governador chegaria ao poder com a oposição engessada.
Para fazer o strike político era preciso atingir também empresários do ramo gráfico, prestadores de serviço ao governo e a Assembleia. Gaeco, Polícia Federal, Polícia Militar, Polícia Rodoviária Federal, Receita Federal, Procuradoria Geral da República e Polícia Civil sempre escolhem nomes sugestivos para suas operações e que têm a ver com os fatos em apuração. Edição Extra não se identifica com gráficas. Quem lida com edição extra é jornal. Melhor esclarecendo: lidava, quando os matutinos imprimiam uma nova edição no mesmo dia, para cobertura de fato muito relevante. Atualmente, com a instantaneidade da internet, as mídias eletrônicas se encarregam dos furos deixando aos jornais a cobertura conceitual para o dia seguinte. Mesmo assim, a denominação foi mantida, porque na verdade, como se ouvia com frequência nos bastidores, ela visava atingir em cheio o empresário João Dorileo Leal, proprietário e diretor do Jornal A Gazeta, que integra o Grupo Gazeta de Comunicação.
Estranhamente o nome de Dorileo foi excluído de Edição Extra permanecendo o foco da investigação e da ação policial voltados contra empresários do setor gráfico, um vendedor da Gráfica Printt e servidores do segundo escalão do governo.
Taques ainda não havia assumido o governo, mas a máquina governamental se reportava a ele. Daí o desencadeamento naquela data da operação, que era esperada como meio de se extrair grave denúncia contra Silval, Riva e Savi – com base em delação premiada – num ambiente recheado pelas prisões de servidores do governo e empresários do segmento gráfico. Sites e plantões de jornalismo na TV e no rádio foram mobilizados para um noticiário pirotécnico, que tinha uma finalidade criminosa: influenciar na votação para a diretoria da Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM).
O governador eleito defendia com unhas e dentes a candidatura do prefeito de Lucas do Rio Verde e então seu correligionário no PDT, Otaviano Pivetta, para presidente da AMM. Pivetta foi coordenador e doador na campanha de Taques ao governo. Hoje Taques é filiado ao PSDB. Pivetta disputava o cargo contra Neurilan Fraga Filho (PSD), prefeito de Nortelândia, que era liderado de Riva e se amparava no prestígio político daquele deputado.
Em 18 de dezembro de 2014, com Taques diplomado governador, a Defaz desencadeou Edição Extra. Naquela data, no final da manhã, a AMM iniciaria o processo de votação para a escolha de seu novo presidente e da diretoria da entidade.
As eminências pardas do poder imaginavam que uma denúncia consistente contra Silval, Riva e Savi levaria Pivetta a vencer a eleição. Nos hotéis onde se hospedavam, os prefeitos que se encontravam em Cuiabá para a votação assistiram no café da manhã, os jornais da televisão informando que a polícia prendera secretários de Silval, que policiais lacraram as portas da Secretaria de Comunicação do Estado e ninguém tinha acesso àquele órgão, e que os empresários do setor gráfico e irmãos Fábio e Dalmi Defanti (Gráfica Printt) e Jorge Defanti (Gráfica Defanti) estavam sendo caçados por agentes. Paralelamente a isso, sites se desdobravam em manchetes que falavam num escândalo que teria causado um rombo de R$ 40 milhões ao governo. Posteriormente os Defanti se apresentaram à polícia, que cumpriu os mandados de prisão contra os três, expedidos pelo juiz plantonista Jamilson Haddad Campos
A maturidade política dos prefeitos não permitiu que a pirotecnia interferisse no resultado das urnas. Neurilan, apoiado por Riva, foi eleito com 59 votos. Adair Moreira (PMDB), de Alto Paraguai, que disputou sem apadrinhamento, como franco atirador, ficou em segundo, com 32 votos. Pivetta foi o lanterna, com 30 votos, apesar do circo armado por Taques. Com a vitória Neurilan sucederia Valdecir Luiz Colle, o Chiquinho do Posto (PSD), prefeito de Juscimeira e também liderado e apoiado por Riva.
Não se questiona a lisura das investigações feitas pela Defaz, nem o profissionalismo de seus delegados e agentes. O quê da questão é a coincidência de data da operação com a eleição na AMM e a mobilização de boa parte da mídia na madrugada para produzir o material que poderia pulverizar a candidatura de Neurilan e beneficiar Pivetta, mas esse tiro saiu pela culatra.
O resultado da eleição na AMM foi a última vitória de Riva e a primeira derrota de Taques. Naquela disputa, pela primeira vez, o governador eleito foi derrotado em seu projeto de expansão do seu poder político. O vencedor era Riva, deputado em final de mandato, considerado à época o maior ficha suja do Brasil e que mais tarde, por diversas vezes foi preso sob a acusação de prática de improbidade administrativa.
Eduardo Gomes/blogdoeduardogomes
FOTOS: Arquivo
1 – Maurício Barbant
2 – Agência Senado
3 – Assessoria CNM
4 – Fablício Rodrigues
Pedro Taques e Pivetta é farinha do mesmo saco