Boa Midia

O recado de Tocantins

 

Há um fenômeno eleitoral que vem se acentuando. Não é novo, mas vem se tornando comum. Chamemo-lo de voto-repulsa, voto-negativo ou de não-voto. A população cansou da ordem politica que vem se mantendo no poder nos últimos quarenta anos. As mesmas caras, os mesmos podres interesses. Esse cansaço, sublinhado pela geral despolitização e pela carência de opções concretas, resulta numa grave letargia, ou seja, na falta de esperança.

Em agosto do ano passado, houve eleição para um mandato tampão no Amazonas. Um governador, recém-eleito, comprovadamente corrupto teve o mandato cassado e foi substituído por Amazonino Mendes, igualmente não distante de graves acusações. Pela quarta vez ele assumiu o governo do Estado de maior território brasileiro, com uma votação que foi bem inferior à abstenção e aos votos brancos e nulos e que somaram 43%. No Tocantins, outro governador corrupto, Marcelo Miranda (MDB) e sua vice do PV, tiveram os mandatos cassados pelo TSE. No primeiro turno, 19% dos votos foram de nulos e brancos, enquanto que a abstenção somou 30%. Isto quer dizer que praticamente a metade da população declarou que não queria eleger um governador. Os dois mais votados, o deputado licenciado Mauro Carlesse e o senador Vicentinho Alves, ambos ligados ao agronegócio, somaram pouco mais de 50% dos votos válidos. No segundo turno, realizado no ultimo domingo, a soma dos brancos e nulos e ainda a abstenção foi mais que expressiva. De um eleitorado formado por 1.018.319 eleitores, 51,83% decidiram não escolher nenhum dos candidatos. Em termos reais, o voto-repulsa (527.868) superou [37.407] a votação recebida pelos dois candidatos somados [490.461]. Acredito que é a primeira vez que isto ocorre numa eleição dessa importância.

Uma leitura superficial desse quadro pode dar a entender que os tocantinenses, como os amazonenses, apenas não quiseram “aqueles candidatos”. No entanto, uma análise mais consistente nos conduz a um quadro muito desalentador. O brasileiro está cansado /enojado / revoltado com o lamaçal politico. Mas, ao invés de traduzir isso numa busca real por opções válidas, quer realizar um protesto inócuo, já que o não-voto ajuda a eleger os piores. O ponto positivo é que o resultado em Tocantins, no mínimo, serviu para desmentir a falácia propagada através do “doutor internet” de que, “se os votos nulos, brancos e a abstenção constituírem a maioria”, será realizada uma nova eleição, sendo obrigatória a participação de outros candidatos. Isso, como estamos vendo, não é verdade. O protesto, expresso pela indignação, pode estar se transformando em omissão. Para o malo do país.

A pior coisa para a Democracia tem sido a omissão. A omissão, somada à despolitização, favorece as opções autoritárias, aos aventureiros, aos messianismos, aos salvadores da Pátria. O povo sempre iludido e ludibriado parece estar agora caminhando para o campo deserto e minado da falta de esperanças.  Temos que ser ativos para que a Democracia se consolide, mas isso só será possível se soubermos escolher os melhores. Ainda que não sejam os ideais. O critério para isso não é tão difícil como pode parecer à primeira vista. Vemos as mesmas caras há quarenta anos, que só trocam as camisas partidárias. E, com isso, o eleitor faz confusão entre o eleito e a instituição a que este pertence. Diz-se ser contra a Política, ou contra o Congresso, ao invés de se opor aos carreiristas que se eternizam no poder, que dele se locupletam, que vivem com fortunas inexplicáveis, que fingem ser adversários quando na realidade, por baixos dos panos, realizam o mais pérfido compadrio, sendo todos farinha do mesmo saco. Veja que não é tão difícil assim separar o joio do trigo. Existe probabilidade dessa omissão e dessa confusão acontecer este ano? Sim. Os mais lúcidos e esclarecidos, e a imprensa, sobretudo, tem o dever moral, de contribuírem para evitar o desastre que se anuncia.

 

Sebastião Carlos Gomes de Carvalho é advogado e professor. Historiador e literato. Pertence a várias instituições culturais, entre as quais, o Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB (RJ) e a Academia Paulista de Letras Jurídicas

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