Boa Midia

40 Anos – Jair Mariano e o Nossa Terra

Carrinho de picolé empurrado por homem maduro, de semblante triste, com roupas surradas, chinelos e o olhar perdido na linha imaginária do horizonte. Todos já viram esse quadro. Nem todos tiveram oportunidade de conversar com os personagens que protagonizam essa cena.

Normalmente o vendedor de picolés e sorvetes no carrinho colorido e com a buzina que faz a festa da criançada é ex-trabalhador rural que após esgotar sua força física ajudando abrir fazendas, formar invernadas e construir cercas perde o emprego para outro, mais novo, e engrossa a silenciosa fileira do êxodo que esvazia o campo e incha a periferia das grandes e médias cidades mato-grossense.

Vendedor de picolés não é o único exemplo da migração silenciosa para os bairros periféricos. Vigilantes noturnos e trabalhadores que se oferecem para limpar quintais também carregam o DNA dos brasileiros anônimos que na força dos braços ajudaram fazendeiros de gado e produtores rurais a transformar Mato Grosso no campeão nacional da carne, grãos e plumas de algodão.

Por não participar de movimentos organizados, pela idade considerada avançada para o serviço braçal e principalmente pela insensibilidade do governo em todas as suas esferas, o ex-trabalhador rural com 45 anos ou mais é descartado da atividade econômica e sobrevive de bicos com o carrinho de picolés, com o apito de vigilante…

“Mato Grosso tem uma grande dívida social com essa gente (os personagens do carrinho de picolés)”, argumentou o então deputado estadual Jair Mariano ao apresentar o projeto que foi aprovado pela Assembleia Legislativa e sancionado em 24 de abril de 2000 pelo governador Dante de Oliveira e se transformou na Lei 7.271, que criou o Programa de Assentamento de Trabalhadores Rurais Nossa Terra, Nossa Gente.

Graças a essa lei o governo de Mato Grosso assentou 1.198 famílias em 40 municípios, retirando da informalidade homens e mulheres com idade igual ou acima de 45 anos, com perfil idêntico ao do vendedor de picolés figurado na abertura deste texto.

Quem tem mais de 45 anos e nessa quadra da vida perdeu o emprego no campo, que foi para a periferia da cidade e posteriormente recebeu uma parcela do Nossa Terra sabe avaliar o que significa a lei criada por Jair Mariano. Quem se dispuser a analisar sobre o caso, também entenderá sua importância.

Peça complementar no contexto da reforma agrária, o Nossa Terra foi implantado nas imediações das cidades para reduzir o custo de sua infraestrutura (rodovia, energia, transporte escolar etc.) e para aproveitar a estrutura urbana em benefício do parceleiro (posto de saúde, escola, segurança, prestação de serviços e mercado para a produção da agricultura familiar). Suas parcelas variam entre 1,2 hectare e 2,5 hectares, que contam com moradia de alvenaria, energia e uma cultura âncora, para assegurar maior volume de produção, o que facilita a conquista de grandes clientes.

Jair Mariano é mineiro de Guaxupé, morou no Iraque e optou por Mato Grosso instalando oficina de refrigeração em Alta Floresta. Foi deputado estadual pelo PPS (1999/2002). Presidiu o Instituto de Terras de Mato Grosso (Intermat), onde executou o Nossa Terra, no primeiro mandato do governador Blairo Maggi (2003/2006).

Ao criar o Nossa Terra, Jair Mariano abriu horizontes para milhares de mato-grossenses natos ou não. Do mesmo modo, tirou o ranço da luta de classes e da politização da reforma agrária, mantendo-a exclusivamente na esfera do enfoque da justiça social corrigindo uma grave injustiça que Mato Grosso – ainda – comete contra tantos que deram o melhor de sua vida no campo e que à véspera da terceira idade são abandonados à própria sorte na zona urbana.

Nossa Terra foi descartado no segundo governo de Blairo (2007/2010). O ex-governador Silval Barbosa não o recriou e seu sucessor Pedro Taques também não. A insensibilidade que começou com Blairo passou por Silval e continua com Pedro Taques.

 

EDUARDO GOMES DE ANDRADE – Extraído do livro ‘DOIS DEDOS DE PROSA EM SILÊNCIO – PRA RIR, REFLETIR E ARGUIR“, de sua autoria, publicado em 2015, sem apoio das leis de incentivos culturais.

Ilustração: GENERINO

Capa do livro: ÉDSON XAVIER

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