Boa Midia

De barganha

Cada vez mais forte e estridente o som chegava. Não se tratava de um barulho qualquer. Parecia uma sinfonia – uma sinfonia cabocla, por que não? – a melodia brotava do cocão do carro de boi que entrava na vila de Alpercata abarrotado de cereais e moradores na zona rural.

Às vezes o som duplicava, triplicava, quadruplicava. Isso, quando vários carros de boi chegavam ao mesmo tempo, cada um procedente de um sítio. A vila festejava sem consciência que testemunhava um belo capítulo do Brasil-pureza bem diferente da agora nação violenta, corrupta e apinhada de oportunistas.

Carro de boi com suas juntas afinadas. Com seu carreiro e candeeiro de pés no chão. Um espetáculo de encher os olhos e que mais belo ainda ficava quando debaixo da plataforma de carga seguia um vira-lata com olhar faceiro pronto a se desmanchar pelo carreiro.

O carro de boi não era o único meio de transporte, mas somente ele era musicado. Além dele, a tropa também respondia pela logística de escoamento da produção; essa também tinha lado sonoro, mas não que se comparasse ao som do cocão: era o cincerro no pescoço da égua madrinha, que sem nenhuma tralha nos lombos trotava à frente dos animais de carga e dos tropeiros, com a cabeça altiva, o olhar aguçado e o porte nobre como se quisesse dizer “estamos chegando!”.

Tempo bom aquele do carro de boi e da tropa, de se juntar ao pé do rádio de pilha para ouvir música e tomar conhecimento das notícias. Época do fogão a lenha com sua chaminé e a serpentina que garantia o banho quente; do torrador de café e do lampião a querosene ou até mesmo da enfumaçada lamparina.

Tudo passa. O carro de boi passou, e com ele a tropa, o rádio de pilha, o fogão com a chaminé e a serpentina; o torrador, o lampião e a lamparina. As lembranças vão se volatilizando pela frieza do implacável relógio do tempo. O mundo saiu da vida e entrou na esfera virtual. Sem notar, o homem – inclusive o que veio do campo – contribuiu ou foi omisso permitindo a robotização, o sedentarismo, o sepultamento das comunidades fraternas para o surgimento dos grupos nas mídias sociais. Que péssimo negócio fez a humanidade.

Sem calor humano, sem fraternidade, vejo agressões na internet. Cada qual querendo o mundo que lhe interessa. Observo figura desancando Bolsonaro por sua longevidade parlamentar, sem o mínimo pudor para revelar que ele próprio é serviçal de parlamentar com igual tempo de atividade no Congresso. Acompanho frases agressivas contra Haddad, como se o presidenciável do PT fosse responsável pelos erros dos petistas – e esses críticos, à frente de patrimônio de origem ilícita ou imoral.

O Brasil mudou pra pior. Não trocaria uma só daquelas sinfonias caboclas ou um isolado som do cincerro ou ainda a poesia do vira-lata debaixo do carro de boi por todos os gritos e textos que a grande rede nos apresenta como se fossem a voz das ruas. Não faria uma barganha tão ruim assim.

 

Eduardo Gomes de Andrade é jornalista
eduardogomes.ega@gmail.com

 

aguaboanews.com.br (ÁGUA BOA)

http://www.aguaboanews.com.br/artigos/exibir.asp?id=834&artigo=de_barganha

 

Jornal DIÁRIO DE CUIABÁ edição 18 outubro 2018 Pág. A2

 

diariodecuiaba.com.br (CUIABÁ)

http://www.diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod=519567

 

blogdovaldemir.com.br (CUIABÁ)

(http://blogdovaldemir.com.br/eduardo-gomes-de-barganha/)

 

folhamax.com.br (CUIABÁ)

http://www.folhamax.com/opiniao/de-barganha/183306

 

midianews.com.br (CUIABÁ)

http://www.midianews.com.br/opiniao/de-barganha/336037

 

reporternews.com.br (NORTELÂNDIA)

http://reporternews.com.br/artigo/2215/de_barganha

 

sonoticias.com.br (SINOP)

(https://www.sonoticias.com.br/opiniao/de-barganha/)

 

1 comentário
  1. Josué Diz

    Belo texto poético Brigadeiro e você ainda dá um chega pra lá em picaretas

Comentários estão fechados.

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Vamos supor que você está bem com isso, mas você pode optar por sair, se desejar. Aceitar Leia Mais

Política de privacidade e cookies