CURTAS ESPECIAL – Sobre Nhonhô Tamarineiro, o grande coronel da política
Primeiro dos três capítulos sobre Nhonhô Tamarineiro, no livro “Dois dedos de prosa em silêncio – pra rir, refletir e arguir“, escrito e publicado em 2015 pelo jornalista Eduardo Gomes de Andrade, sem apoio das leis de incentivos culturais, com ilustração de Generino e capa de Édson Xavier.
Os outros dois serão postados amanhã, 19, e na segunda-feira, 20.
Capítulo:
Filinto tentou e não conseguiu
Para quem não conhecia o curral eleitoral mais famoso do Alto Pantanal, aquele resultado ia além de um atestado de liderança de Nhonhô Tamarineiro. Mas ele não entendia assim. Tanto não que mandou apurar quais os dois atrevidos que não votaram em Fernando Corrêa da Costa para governador, em 1960. Enquanto aguardava pela descoberta dos traidores, não ficou em paz. Afinal, aquilo era uma desfeita, pois Fernando teve somente 501 dos 503 votos da urna mais favas contadas de Nossa Senhora do Livramento.
Transcorridos 51 anos da desfeita pelos dois votos, entrevistei o pecuarista Osvaldo Botelho de Campos, 81, que nem de longe lembrava Nhonhô Tamarineiro – nome que o consagrou na esfera política no Mato Grosso dos currais eleitorais onde UDN, PSD e PTB travavam verdadeiras batalhas, algumas na acepção da palavra, pelo poder.
Na entrevista Nhonhô Tamarineiro contou muito de seu passado, mas ainda assim continuou guardando segredos dos bons tempos em que mandava e desmandava.
Postura ereta, camisa de linho branco impecável, voz pausada e com frases bem articuladas, mas sem precisão de datas, Nhonhô Tamarineiro conta causos de seus tempos de político, homem rico e poderoso, que não disputava mandato, mas era citado nas rodas políticas como eterno sócio do poder independentemente do partido ao qual pertencesse o governador.
O nome Nhonhô Tamarineiro era senha para abrir todas as portas em Cuiabá. Bastava um bilhete manuscrito em papel de embrulho ou um olhar de aprovação ou desagrado de Nhonhô Tamarineiro, para o governador prontamente atendê-lo.
Foi com essa senha que um dia ele botou espremido nos cinco assentos de passageiros da Rural Willys oito companheiros de UDN e se mandou da fazenda Tamarineiro – onde tinha um bolichão varejista e atacadista – em Livramento, rumo a Cuiabá. A viagem foi rápida pela estrada de chão. Ele tinha pressa para atender os correligionários e já estava de saco cheio de seus pedidos, que se arrastavam por quase uma semana. Depois de muitos solavancos, estacionou na garagem privativa do governador Pedro Pedrossian (PSD), bem ao lado do carro oficial do palácio.
Seguido por oito semblantes amarelos de ansiedade, mandou – coronel político não pedia, mandava – anunciar a Pedrossian que queria uma audiência. Foi atendido de pronto e ninguém menos que o governador o recebeu na porta do gabinete. A conversa foi tiro e queda entre os dois adversários.
Minutos depois de desaparecer gabinete adentro, Nhonhô Tamarineiro saiu de lá rodeado por oito fiscais da Secretaria de Fazenda que não conseguiam conter sorrisos de alegria. Antes de acionar a partida da Rural, abriu a boca para os caronas pela primeira vez desde que saíra do Tamarineiro. Foi curto e grosso: “A canetada da nomeação foi do PSD, mas quem mandou nomear foi a UDN”. Um silêncio respeitoso deixou claro que o grupo entendeu.
Mandato eletivo Nhonhô Tamarineiro nunca disputou. Chegou inclusive a dispensar um convite de Filinto Müller (arte), em 1970, para compor sua chapa de candidato ao Senado, como suplente. Filinto insistiu, mas ele bateu o pé alegando que era praticamente analfabeto e tinha negócios para cuidar no Tamarineiro: “Se eu morrer, você toca o resto do mandato, os assessores do Senado explicam todas as dúvidas que surgirem e o salário não é lá de se jogar fora. Além do mais, agora somos todos da Arena, pois o tempo da UDN e do PSD já passou”, reiterou Filinto. O coronel mantém-se irredutível. Explica seu posicionamento numa linguagem simples: “No Tamarineiro ninguém levanta a voz contra mim. Em Brasília qualquer um poderá me aporrinhar”.
Se tivesse aceitado o convite, Nhonhô Tamarineiro entraria para a história enquanto senador, mas quem conseguiu essa proeza foi Italívio Coelho, de Campo Grande, que era suplente de Filinto e assumiu o cargo com sua morte.
Filinto presidia o Senado e morreu em 11 de julho de 1973 – data em que comemorava 73 anos – na queda de um Boeing da Varig numa plantação de cebolas no povoado de Saulx-les-Chartreaux, imediações do aeroporto de Orly, França.
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