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271 ANOS – Garimpo sempre foi a alma de Mato Grosso

Em 9 de maio Mato Grosso celebra 271 anos

Bandeirantes e garimpeiros em busca de ouro foram os responsáveis pelos primeiros passos da colonização de Mato Grosso. Eles também representaram a ocupação portuguesa na região central da América do Sul e expandiram a fronteira Oeste sobre o domínio espanhol. Cuiabá e dezenas de outras cidades mato-grossenses nasceram do garimpo.

Considerando-se todos os elos de sua cadeia o garimpo era a única atividade econômica de Mato Grosso nos primórdios da colonização. Em seu entorno gravitavam a agricultura de subsistência e a pecuária, o comércio de secos e molhados, lojas de tecidos e variedades, o vaivém dos mascates, boticas, cabarés, bares, ferrarias, farmácias, marcenarias, professoras particulares, pensões e tudo mais que se possa imaginar. O predomínio atravessou séculos, mas gradativamente passou a dividir espaço com a pecuária bovina e os novos produtos e serviços que se incorporavam ao cotidiano da população. Com a abertura e expansão da fronteira agrícola o agronegócio assumiu as rédeas da economia.

Alto Paraguai nasceu do diamante
Alto Paraguai nasceu do diamante

Em 1950, 60 e 70 o diamante de Poxoréu, Guiratinga, Diamantino, General Carneiro, Barra do Garças, Torixoréu, Ponte Branca, Araguainha, Alto Garças, Tesouro, Alto Paraguai, Nova Marilândia, Nortelândia e Arenápolis, juntamente com o ouro de Cuiabá, Nossa Senhora do Livramento e Poconé, eram os pilares da economia estadual. No final da década de 1960 Paranatinga foi incorporado ao circuito do garimpo, com grande produção de diamante. Do avanço da colonização na região Noroeste e da abertura da BR-163 no Nortão, nos anos 1970, surgiram Juína, Itaúba, Nova Santa Helena, Terra Nova do Norte, Peixoto de Azevedo, Matupá, Guarantã do Norte, Novo Mundo, Nova Guarita, Marcelândia, Colíder, Nova Canaã do Norte, Carlinda, Alta Floresta, Paranaíta, Apiacás, Nova Monte Verde e Nova Bandeirantes, que receberam levas de garimpeiros..

Em 1977, quando a agricultura mecanizada começou a conquistar espaço no cerrado, Mato Grosso foi dividido para a criação de Mato Grosso do Sul. No dia 1º de janeiro de 1979, quando o presidente Ernesto Geisel instalou o novo Estado, a área remanescente ao norte ficou com 39 municípios numa superfície de 903 mil quilômetros quadrados, com uma população de 1.016.254 habitantes completamente sem infraestrutura.

Geisel inaugurou a BR-163 em 1976

A área remanescente de Mato Grosso não figurava entre os polos agrícolas nacionais e seu rebanho bovino era pequeno e assolado pela febre aftosa. Não havia parque industrial, exceto algumas empresas gigantes do setor madeireiro, chaminés de cerâmicas e máquinas de benefício de arroz. A malha rodoviária pavimentada federal tinha 540 quilômetros e ligava Cuiabá a Rondonópolis e aquela cidade às divisas com Mato Grosso do Sul (BR-163) e Goiás (BR-364). O trajeto com 210 quilômetros entre a capital e Rondonópolis é trecho coincidente das duas rodovias e o asfalto cruza as áreas urbanas de Jaciara, São Pedro da Cipa e Juscimeira. A BR-364 e a BR-163 deixam o trecho compartilhado em Rondonópolis. Rumo a Santa Rita do Araguaia, em Goiás, distante 210 quilômetros de Rondonópolis, a BR-364 atravessa Pedra Preta, Alto Garças e Alto Araguaia. No trecho de 120 quilômetros entre Rondonópolis à divisa com Mato Grosso do Sul não há cidade.

Nos anos que se seguiram à divisão Mato Grosso era uma região promissora que despertava interesse de investidores, principalmente na área da agropecuária – à época a palavra agronegócio era estranha ao dicionário. Mesmo assim, foi o setor mineral que continuou respondendo pela base econômica.

Em 15 de março de 1971 o 9º Batalhão de Engenharia de Construção do Exército (9º BEC), de Cuiabá, transpôs o rio Arinos, no ponto mais ao Sul do Nortão, iniciando a abertura da BR-163 naquela região, rumo Norte. A rodovia foi construída a partir de Posto Gil, no município de Diamantino; o comandante do 9º BEC na fase mais decisiva da obra foi o coronel José Meirelles. No outro extremo e em direção oposta o 8º BEC, de Santarém, também entrou em cena. Cinco anos depois a ligação do centro geodésico da América do Sul com o porto de Santarém, na foz do rio Tapajós no Amazonas foi entregue ao tráfego por Geisel.

Guarantã do Norte nasceu na esteira de BR-163
Guarantã do Norte nasceu na esteira de BR-163

A rodovia BR-163 foi inaugurada no dia 20 de outubro de 1976, às 10h30 (horário de Brasília) no Km 877, na Cachoeira do Curuá (PA), numa solenidade presidida por Geisel e que contou com as presenças dos ministros Dirceu Nogueira (Transportes) e Sílvio Frota (Exército); do diretor do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), que se transformaria no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Adhemar Ribeiro da Silva; e dos governadores Garcia Neto e Aloísio Chaves (PA).

Em Mato Grosso, a partir do Trevo do Lagarto, em Várzea Grande, na área metropolitana da capital, a importante e estratégica rodovia longitudinal BR-163 ganhou o nome de Cuiabá-Santarém. Do outro lado da divisa paraense seu nome é Santarém-Cuiabá e sua extensão é de 1.770 quilômetros, com pequeno trecho sem pavimentação no Pará.

Ao longo da Cuiabá-Santarém nasceram as cidades planejadas de Nova Mutum Lucas do Rio Verde, Sorriso, Sinop, Itaúba, Nova Santa Helena, Terra Nova do Norte, Peixoto de Azevedo, Matupá e Guarantã do Norte, e em seu eixo de influência também brotaram importantes municípios. A rodovia levou empresas a criarem projetos de colonização para abrigar agricultores expulsos de áreas indígenas no sul, atingidos por barragens, investidores rurais de todos os portes, madeireiros e incontáveis brasileiros que eram motivados pelo slogan governamental do: Integrar para não entregar e, assim, ocuparem a Amazônia. No trabalho de colonização se destacaram Norberto Schwantes, Ênio Pipino, Ariosto da Riva, Claudino Frâncio, José Aparecido Ribeiro, José Pedro Dias (Zé Paraná), Hermínio Ometto, os irmãos Bedin e Raimundo Costa Filho.

Garimpo de Ouro em Peixoto de Azevedo no ano 1980
Garimpo de Ouro em Peixoto de Azevedo no ano 1980

A descoberta do ouro em meados da década de 1970 mudou o perfil do eixo da Cuiabá-Santarém. Itaúba, Nova Santa Helena, Terra Nova do Norte, Peixoto de Azevedo, Matupá, Guarantã do Norte, Novo Mundo, Nova Guarita, Marcelândia, Colíder, Nova Canaã do Norte, Carlinda, Alta Floresta, Paranaíta, Apiacás, Nova Monte Verde e Nova Bandeirantes foram literalmente invadidas por garimpeiros de todos os cantos do Brasil, mas principalmente do Maranhão, Bahia, Minas Gerais e Pará. Em 1995 quando a atividade garimpeira entrou em colapso, Alta Floresta tinha 79.591 habitantes e hoje não vai além de 51.615. No mesmo ano Peixoto de Azevedo era um fuzuê que misturava o dia e a noite com a movimentação dos seus 49.877 moradores e a população flutuante; atualmente Peixoto tem 34.607 residentes.

Alta Floresta e Peixoto de Azevedo sentiram o baque pela quase extinção do garimpo, o que provocou o êxodo dos garimpeiros, que partiram em busca de outras áreas ou simplesmente retornaram frustrados para seus lugares de origem. Essas duas cidades reordenaram suas economias e gradualmente se recompõem da crise causada com a redução do dinheiro em circulação e o esvaziamento populacional.

A população residente fora das áreas de garimpo não sabia ou não dava importância a essa atividade, que era vista como aventura. O modo de vida do garimpeiro, a violência e as farras homéricas nas cidades das frentes garimpeiras criaram um conceito desabonador longe das grupiaras, dos monchões e filões.

O que se ouvia a respeito do garimpo assustava. Informações davam conta que garimpeiros acendiam cigarro em notas de 100 e lavavam o chão dos cabarés com cerveja. Mono e bimotores desafiavam todas as regras de segurança com excesso de carga operando em pistas curtas, acidentadas e clandestinas. A quantidade de mortes violentas nas cidades e currutelas que gravitavam em torno do diamante e do ouro tinha índice pior que as guerras. Pra complicar, quem escapasse das balas baixava sepultura pela malária. Daí surgiu o neologismo macabro da balária. À época costumava-se dizer que Garimpo é lugar aonde Deus não vai, mas se for, não volta.

Garimpo sempre foi atividade de aventura, lugar onde poucos faziam fortunas da noite para o dia, e a maioria levava vida vegetativa sobre montanhas de ouro e diamante que todos julgavam saber onde estavam, mas, somente alguns gatos pingados conseguiam bamburrar.

Na ilusão que estaria com a mão na massa o garimpeiro torrava fácil os caraminguás que botava no bolso ao vender os xibius que guardava no picuá e as míseras gramas do ouro que arrancava nas entranhas do chão. O dinheiro que pegava com um das mãos ele gastava com a outra, em muitos casos com prostitutas e bebidas nas noites de orgias ou simplesmente a esmo com futilidades pra se exibir.

O ciclo da aventura aos poucos cedeu lugar à mineração empresarial, que usa a mais moderna tecnologia para o melhor aproveitamento do setor mineral. A mudança radical do garimpeiro-aventureiro pelas mineradoras começou nos anos 1980, antes do baque do garimpo manual. Quando isso aconteceu Mato Grosso carregava orgulhoso um número fabuloso: nos últimos 20 anos seus garimpeiros teriam botado no mercado 186 toneladas do metal mais cobiçado do mundo. No mesmo período, a extração diamantífera assombrou pela quantidade e qualidade das gemas e do diamante industrial.

Em suma o garimpeiro perdeu espaço para o poderio das mineradoras brasileiras ou não e ficou à deriva, vegetando sem horizonte, longe do amparo legal e sob o olhar ferino da sociedade, que passou a considerá-lo vilão ambiental. Não seria fácil encontrar alguém que assumisse a bandeira dos miseráveis que no trabalho árduo e anônimo foram importantes para a sustentação econômica estadual, contribuíram para a formação de cidades e a ocupação do vazio demográfico das regiões do rio Garças, do rio Guaporé e da Amazônia Mato-grossense.

No mundo globalizado e com forte atrelamento aos organismos ambientais e seus tentáculos que se escondem sob as fachadas de poderosas ONGs o setor mineral, em sua amplitude, teria que encontrar alguém com legitimidade, representatividade e coragem para estender a mão salvadora pra atividade que resultou na expansão da fronteira Oeste e, também, por seu potencial para iniciar um novo ciclo econômico – talvez o maior de todos – nessa terra que chega aos 271 anos.

 

Eduardo Gomes – blogdoeduardogomes

FOTOS: 

1 – Meneguini

2 – Dinalte Miranda

3 –  Acervo 9º BEC

4 – Prefeitura de Guarantã do Norte

 

 

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