Conversa com o cidadão mato-grossense

Caso more em Mato Grosso quer seja ou não natural desta abençoada e ensolarada terra, leia este editorial como se fosse um desabafo meu com você, sem testemunha; mas não o tome no campo pessoal, pois a intenção é que seu alcance seja universal. Caso não viva no berço estadual do herói marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, é bem provável que você se deparará com um rosário de questionamento contendo temas sobre os quais nunca ouviu nada.
Mato Grosso acaba de dar um passo em falso. Um perigoso passo. O fechamento de 16 delegacias em pequenas e médias cidades é um ato temerário do governador Mauro Mendes, que não foi questionado, combatido e criticado pelo cidadão – claro que há exceções. Ele se consuma diante da submissão da Assembleia Legislativa, que é sua marca, e do conluio com a maior parte da Imprensa, que desqualifica o fato e lhe confere – quando confere – tratamento palaciano, como verdadeira porta-voz de Mauro.
Não sei o que é pior: o ato temerário de Mauro ou o silêncio sepulcral do cidadão nas redes sociais, onde se vê combativas abordagens sobre assuntos alheios a Mato Grosso, mas não se toca no delírio administrativo do governador recém-empossado.
Considero o passo em falso por se tratar da área da segurança, essa atividade-fim, cuja matéria prima é vida humana secundada pela integridade física, moral e psicológica do indivíduo. Por menores que sejam as delegacias fechadas, todas são imprescindíveis. Não podemos esperar que a unidade da Polícia Civil em Santo Afonso tenha a demanda do Cisc Planalto, em Cuiabá, mas ambas são dentes da engrenagem constitucional que preceitua segurança como dever do Estado, independentemente de quantos cidadãos o dente defenda. É o que chamo de pardalização – a concentração do Estado nos grandes centros, a exemplo dos pardais, que são urbanos.
Somos povo escaldado com o encolhimento irresponsável do Estado em diversos momentos do nosso passado mais recente. Encolhimento que também se deu sob o silêncio coletivo e do cidadão.
Sucessivos governos quebraram a estatal Cemat, que foi transformada em cabide de emprego e ambiente para acomodar pequenas empresas ligadas ao poder. Dante de Oliveira vendeu a Cemat, que agora se chama Energisa. Perdemos uma empresa que monopolizava a distribuição de energia – sem necessidade de geração. A Cemat era uma espécie de gigolô do setor elétrico: as usinas geravam e ela vendia. Comprava por 5 e vendia por 10, mas mesmo assim ficou no vermelho.
Calotes, laranjas, deputados vulgares, prefeitos oportunistas, secretários de Estado corruptos e outros aproveitadores quebraram o Banco do Estado de Mato Grosso (Bemat). Quando o Bemat agonizava o padre João Henning lançava as bases da Sicredi – cooperativa de crédito agora onipresente nos municípios, lucrativa, respeitada e esbanjando vitalidade financeira.
Golpes e mais golpes quebraram a companhia estatal de armazenamento Casemat. Nossa empresa baixou as portas no momento em que a iniciativa privada se lançava na construção de silos e gigantes armazéns Mato Grosso afora.
Se não fosse a velhacaria, a má administração e a corrupção em suas diversas fases, Mato Grosso teria sua companhia de distribuição de energia, a Cemat; teria o Bemat atuando na mesma esfera da Sicredi; e teríamos uma empresa de armazenagem de grãos e plumas que poderia atender o pequeno e médio produtor rural operando numa faixa independente, sem sofrer concorrência predatória das trades e grandes grupos dessa área.
Mato Grosso meteu os pés pelas mãos com a Cemat, o Bemat e a Casemat, isso no governo de Dante de Oliveira. Mas, o sucessor da Era Dante, Blairo Maggi foi ainda pior. Blairo saiu com uma lanterna procurando hospital fechado e tão logo os encontrava, os comprava. Comprava para mantê-los fechados, quer fosse em Cuiabá, Rondonópolis ou outras cidades. Parte do caos na saúde, hoje, é resultado daquela política destemperada e intempestiva de Blairo.
Também no governo Blairo, o Paiaguás foi generoso na distribuição de dinheiro para ditos (de)formadores de opinião, que se fartaram com a criação de programas de projeção. É preciso ressaltar que em tais programas havia técnicos sérios, que acabaram sendo usados para para credibilidade ao fantasioso montado para contemplar tais figurinhas carimbadas. Um exemplo desses programas foi o Plano de Desenvolvimento do Estado de Mato Grosso – MT+20, lançado em 2004.
Em dezembro de 2012, uma desintrusão demoliu casas, escolas, igrejas, postos de saúde, sedes rurais, currais, comércio e sufocou vidas no distrito de Estrela do Araguaia (também chamado Posto da Mata), com zona urbana em São Félix do Araguaia e Alto Boa Vista, e rural nos dois municípios e em Bom Jesus do Araguaia. Aquela área de 155 mil hectares ocupada mansa e pacificamente por quatro décadas foi transformada na reserva indígena Marãiwatsédé, dos xavantes.
Os males causados na esfera financeira nos casos citados, são visíveis. A tragédia humana com a compra dos hospitais defuntos é algo repugnante. Forças sociais se uniram pelo bota-fora dos moradores de Estrela do Araguaia, mas nenhum político, sindicalista ou dirigente religioso procurou os despejados, que foram mantidos ao léu, numa nova versão para a diáspora. Todos esses casos foram avalizados pelo silêncio coletivo. Avalizados pelo mesmo silêncio de agora no caso das delegacias.
RESUMO – A Assembleia Legislativa é conivente com Mauro. A Imprensa está dominada. Não creio que haja reação suficientemente forte nas redes sociais, pelo perfil governista de Mato Grosso (especialmente de Cuiabá e Várzea Grande). Os males causados aos usuários da saúde pública pela política da compra dos hospitais defuntos e a banana que Mato Grosso deu aos brasileiros de mãos calejadas que foram arrancados de suas casas e suas posses em Estrela do Araguaia ganham novo componente: o encolhimento da Polícia Judiciária Civil. Essa é a realidade.
Quando deputado estadual, Ságuas Moraes (PT) tinha uma pirogravura na sala de espera de seu gabinete. Nela, uma aldeia indígena arrasada pela soldadesca; somente um indiozinho escapou, e com uma pequena flecha apontada para o comandante do massacre, não baixou a cabeça. O militar lhe pergunta (em outras palavras): você acha que com sua flecha pode enfrentar meu exército? O curumin responde: sei que não posso, mas quero que saiba de que lado estou.
Sou voto vencido em defesa da permanência do funcionamento das delegacias, mas não baixo minha flecha, pois não pretendo quebrar meu espelho.
Eduardo Gomes – editor de blogdoeduardogomes
FOTO: Arquivo blogdoeduardogomes
Meu amigo Brigadeiro você sempre é brilhante e vibrante, mas neste editorial você se superou
Arthur – Cuiabá
Lúcida, excelente e realista esta exposição. É uma pena que os ouvidos sejam moucos. Mas ao menos eu meu caro Eduardo sei de que lado você está e sei que esta ladeira de Sisifo um dia vai ter que ser reconhecida. Meus cumprimentos é um grande abraço.
Renato Gomes Nery, advogado, ex-presidente da OAB/MT – via Facebook – Cuiabá
É a visão de um jornalismo sério praticado por Eduardo Gomes mostrando quem são os políticos e seus fracassos. E o povo como fica? sem lado, nem flecha !! reelegendo sempre os maus administradores.
Manoel Ornellas de Almeida – desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso – Cuiabá
Brigadeiro sou seu fã e admiro muito sua postura continue assim
José Hélio, bancário – via Facebook – Cuiabá
Que Deus tenha misericórdia do nosso Mato Grosso! Que Deus coloque sabedoria em seu povo nas próximas eleições!
Umberto Saddi Ornellas de Almeida Paschoalin, católico, estudante de direito – Rondonópolis MT