Boa Midia

Idiossincrasias

Eu fui uma criança calada que mais observava do que falava. Por causa disso o meu pai desconfiava que eu tivesse algum retardo mental, mas a minha mãe contestava e afirmava que eu fazia tudo sem problemas. Entretanto, na antiga 5ª série do primário eu fui estudar com a famosa normalista, a querida professora Judith Barreto de saudosa memória e de prestígio incontestável, na Escola Idalina de Farias que existe até hoje na pequena cidade do interior onde eu fui criado.

Ela apresento-nos o famoso livro Vamos Estudar. Era um livro completo, onde se aprendia quase tudo, inclusive diversas biografias de vultos da história do Brasil. A referida professora dava as biografias como lição para decorá-las e, em aulas seguintes chamava um por um dos alunos para que repetisse, tal qual escreveu o autor, a descrição daqueles personagens. E eu não conseguia repetir ipsis litteris o que autor escrevera. Daí, as suspeitas do meu pai se confirmaram. Este menino tem algum problema, porque os outros alunos conseguem e ele não. Chegou um acordo com a aludida professora para que eu decorasse apenas metade da tarefa e eu fui derrotado novamente.

Um dos meus grandes desejos sempre foi decorar poemas, assim como faz o engenhoso Moisés Martins, mas não consigo. A única coisa que consigo, com alguma facilidade, é lembrar de episódios históricos e citar alguns trechos, desde que pequenos, de autores que eu gosto, como Machado de Assis. Alguns dos meus textos são recheados dessas citações.

O acima relatado é para demonstrar que sou avesso à decoreba e com coisas que eu acho desnecessárias e inúteis. Daí a minha grande dificuldade com as ciências exatas e com tudo aquilo que não decorre de uma lógica coerente e aceitável. Os meus tropeços com a Língua Portuguesa decorrem de tal deficiência. Não consigo recordar e nem acho necessário fazer a diferença entre os pronomes: este e esse. Entre nisto e nisso e, muito menos, isto e isso, deste e desse, bem como entre por que, porque ou porquê e etc. Creio que tais minudências não deveriam existir. Se essas (estas) palavras fossem unificadas com o mesmo significado e a mesma grafia facilitariam em muito o aprendizado e o entendimento da língua.

Quem sou eu, entretanto, para contestar a Língua de Camões e, muito menos, querer reforma-la. Sou apenas um articulista retardado, desde a infância, que insiste em liquidar, toda quarta-feira, a Língua Portuguesa, impondo aos leitores as suas parcas impressões sobre os fatos, o cotidiano, o futuro, a vida e seus desdobramentos.

O aqui relatado constitui uma das minhas idiossincrasias, cuja grafia de como se escreve constitui a minha obsessão, pois toda vez que tento fazê-lo tenho que consultar o dicionário.

Renato Gomes Nery – advogado em Cuiabá e ex-presidente da OAB/MT

rgnery@terra.com.br

Comentários estão fechados.

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Vamos supor que você está bem com isso, mas você pode optar por sair, se desejar. Aceitar Leia Mais

Política de privacidade e cookies