Trevas no Detran
Mato Grosso perde quase todas as batalhas na luta pela vida no trânsito. Os índices da violência sobre rodas nos equiparam aos países em guerra e aos conflitos internos. A reversão desse cenário tem que ser compartilhada por todos, mas a condução do seu enfrentamento é de competência do Detran, autarquia transformada em cabide de empregos e sob crivo de investigação pelo Ministério Público e a Delegacia Fazendária, que escarafuncham um suposto esquema que teria lesado os cofres públicos em mais de R$ 30 milhões. No mar de lama do Detran, nos últimos meses, imprensa e mídias sociais não economizaram elogios ao seu então presidente Thiago França, que acaba de deixar o cargo.
Enquanto Mato Grosso não reagir em defesa dos reais interesses de sua população não teremos o Estado eficiente que precisamos e queremos.
O que tem Thiago França a ver com a vergonha do Detran, se permaneceu apenas seis meses em sua presidência? Tem muito a ver, sim!
A presidência do Detran não é exercida por servidor concursado, mas por figura nomeada politicamente. Thiago França ali chegou por indicação do ex-prefeito de Cuiabá, Mauro Mendes (DEM), do qual foi secretário de Trânsito e Mobilidade Urbana na prefeitura da capital. Sua nomeação ratificou mais uma vez o zoneamento de cargos entre os aliados do governador Pedro Taques, zoneamento esse que teve em Mauro Mendes um de seus grandes ‘beneficiados’.
Quando chegou ao cargo, Thiago França tinha o apadrinhamento de um político de peso, que foi aliado de Pedro nas campanhas eleitorais de 2010 ao Senado e 2014 ao governo; à época, Mauro Mendes balançava entre continuar ou não no palanque com Pedro – condição essa que a nomeação do afilhado poderia contribuir para desfecho favorável ao dono do poder.
No cargo, Thiago França jamais abordou o escândalo do rombo de R$ 30 milhões revelado pela Operação Bereré com as digitais do Ministério Público e da Delegacia Fazendária. O presidente optou pelo comodismo e em nenhum momento fez da imprensa que tanto lhe concedia espaço, trincheira para ajudar passar a limpo a sujeira que segundo as investigações teriam sido praticada por dois primos de Pedro, os irmãos Paulo (ex-chefe da Casa Civil) e Pedro Taques (ambos presos); pelos deputados estaduais Eduardo Botelho (presidente da Assembleia), José Domingos, Wilson Santos, Baiano Filho, Nininho, Romoaldo Júnior e Mauro Savi (preso); o ex-governador Silval Barbosa; o ex-deputado federal Pedro Henry; o ex-presidente do Detran Teodoro Moreira Lopes, o Dóia; além de figuras menores.
Estranha a conduta pública do presidente do Detran, Thiago França, diante da gravidade do fato. A razoabilidade sugere que ele deveria ter colaborado e dado transparência a essa colaboração, para que Mato Grosso chegasse o mais rápido possível aos culpados e conseguisse recuperar o que lhe foi surrupiado.
Thiago França, segundo o noticiário de hoje (5) deixa o cargo para assumir a coordenação da anunciada candidatura de Mauro Mendes ao governo.
O ex-presidente esteve pouco tempo à frente da autarquia em cuja área de competência milhares perdem a vida na guerra do trânsito. Sua silenciosa passagem pelo cargo não contribuiu para o avanço das investigações. Teve o cuidado de não falar nada para não esbarrar nas forças políticas que rateiam o poder diante na inércia cívica do cidadão mato-grossense. Seu novo caminho será decidido nas urnas pelo desempenho eleitoral de Mauro Mendes – caso sua candidatura seja realmente efetivada, uma vez que enfrenta desgastantes problemas com a recuperação judicial de seu grupo e seja réu em ação por improbidade.
Votar não é apenas escolher esse ou aquele candidato. É bem mais: é também optar entre manter ou não no poder o compadrio que resulta na descrença que ora atinge a classe política.
Analisar jornalisticamente o desempenho do cidadão na vida pública (incluindo suas funções comissionadas ou não) costuma resultar no fechamento de portas e caminhos, porque esse tipo de texto, nessa abençoada e ensolarada terra de Rondon, não é regra – e os donos do poder juntamente com aqueles que gravitam em seu entorno e alguns dos que querem assumir Mato Grosso não digerem bem a exceção quando essa lança luz sobre as trevas que os abriga.
Eduardo Gomes de Andrade é editor de blogdoeduardogomes
eduardogomes.ega@gmail.com
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