SÉRIE – Era da Botina, o ciclo político de Blairo (II)

Cuiabá, primeiro de janeiro de 2003. Surpresos os participantes da solenidade de posse do governador o viram chorar aos acordes de “Canção da Família”. Alguns não sabiam sequer a pronúncia correta de seu nome, “é ‘Brairio’ ou ‘Brairo’, perguntavam”. Mesmo eleito em primeiro turno, o novo governante ainda era figura estranha.
O ato da posse foi simples, objetivo, calcado na institucionalidade e sem cheiro político. Somente 10 prefeitos participaram da solenidade no Centro de Eventos do Pantanal, acompanharam o primeiro ato e ouviram seu curto pronunciamento sobre o tom de seu governo.
A primeira medida foi recebida com aplausos: o governador desonerou do ICMS o arroz, feijão e a carne produzidos em Mato Grosso para consumo interno. A fala foi calcada em quatro princípios basilares: ousadia, transparência, competência e honestidade, que arrancaram tímidas palmas dos presentes.
Afinal quem era o governador que recebia o cargo? Mato Grosso sabia que se tratava de um jovem empresário do agronegócio, formado em agronomia, casado, três filhos, residente em Rondonópolis, e que estava à frente do grupo familiar fundado por seu pai, André Maggi, do qual herda o nome. Mais que isso, pouca coisa, porque nem mesmo a campanha eleitoral permitiu que o então candidato que seria vitorioso tivesse maior aproximação com o povo. Sua eleição contrariou todos os prognósticos políticos – menos os dele e dos que conheciam sua obstinação. Lançado de última hora percorreu as principais cidades e algumas outras. Fez reuniões. Conquistou a confiança popular no horário eleitoral com sua ousadia ao falar em quebrar paradigmas, em levar para a vida pública sua experiência empresarial. Muitos votaram em sua plataforma de governo, sem sequer o terem visto uma vez sequer. Ganhou o pleito em primeiro turno. Sua companheira de chapa, Iraci França (PPS), foi a primeira – e até então única – vice-governadora mato-grossense; Iraci é mulher do ex-prefeito de Cuiabá, Roberto França.
No ato da posse a incógnita: como governar Mato Grosso com minoria na Assembleia Legislativa e na bancada federal? Filiado a um pequeno partido de oposição ao presidente da República? Com o orçamento ao fio da navalha? Com gargalos nos chamados setores estruturantes? Sem tradição política, área onde sua única experiência foram quatro meses no cargo de senador substituindo o titular Jonas Pinheiro?
A cautela marcou o primeiro encontro entre governante e governados. A solenidade foi rápida. Ao entrar no carro que o levaria ao Palácio Paiaguás para iniciar ainda no dia da posse seu expediente inaugural, um repórter o questionou: “governador ‘Brairio’, como o senhor imagina que será seu governo?”. Com um tímido sorriso e em voz baixa respondeu: “meu nome é Blairo. Blairo Borges Maggi e farei tudo que estiver ao meu alcance para que ele seja o melhor possível”.
Blairo somente não disse ao repórter que para levar adiante seu governo percorreria o Estado de ponta a ponta para conhecer seus problemas, conversar com as lideranças regionais, ouvir o povo e assim transformar sua administração em marco temporal de duas épocas em Mato Grosso: o antes e o depois do ‘Brairio’, quer dizer do ‘Brairo’, ou melhor, do Blairo.
Equipe eclética de governo

No final de 2002 Clóves Vettorato, amigo e colaborador liderou o processo de transição do governo de Rogério Salles para Blairo Maggi e durante dois meses manteve intensa rotina de trabalho que entrava pela noite. Quando voltava para casa, em Cuiabá, ao invés de descansar Vettorato contava com detalhe ao seu hóspede e governador eleito em que pé estavam as áreas da administração passadas a limpo naquele dia.
Alguns dias antes da posse a equipe de governo estava montada, mas era guardada a sete chaves apesar da insistência dos jornalistas pelos nomes. Finalmente, numa coletiva Blairo a revelou.

A espinha dorsal do governo estaria a cargo de assessores escolhidos fora da esfera política. Tratava-se do grupo que ganhou o apelido de gente da “República de Rondonópolis”. A primeira-dama Terezinha Maggi assumiu a Ação Social, Waldir Teis (Fazenda), Luiz Antônio Pagot (Infraestrutura), Vettorato (Projetos Estratégicos), Marcos Machado (Administração) e Moisés Sachetti (Detran).
Juntamente com esse grupo o médico e primeiro reitor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Gabriel Novis Neves, assumiu a Educação e a médica e professora Luzia Leão, a Saúde.
Na composição do governo Blairo também levou em conta o aspecto político. Os três companheiros de primeira hora no PPS, que praticamente o empurraram à candidatura participaram do governo. O deputado estadual Carlos Brito assumiu a Casa Civil. A vaga de Brito na Assembleia foi ocupada pela suplente Ana Carla Muniz, mulher do então prefeito de Rondonópolis, Percival Muniz; mais tarde Ana Carla seria secretária de Educação. O ex-deputado estadual Jair Mariano foi para a presidência do Instituto de Terras (Intermat). Também do PPS, Yênes Magalhães com as bênçãos do então prefeito da capital e seu correligionário Roberto França foi designado secretário de Planejamento; França é marido de Iraci França, que se elegeu vice-governadora de chapa partidária de Blairo. Percival não participou diretamente do governo porque exercia mandato de prefeito.
A Secretaria de Justiça e Segurança Pública ficou a cargo do promotor Célio Wilson e a Comunicação com o publicitário Geraldo Gonçalves. O veterinário Décio Coutinho foi designado presidente do Instituto de Defesa Agropecuária (Indea). O procurador João Virgílio Sobrinho foi para a Procuradoria-Geral do Estado e permaneceu na função até março de 2009, quando deixou o cargo para cuidar da saúde de um filho; o procurador Dorgival Veras de Carvalho substituiu Virgílio. A professora Flávia Nogueira foi empossada na Secretaria de Ciência, Tecnologia e Educação Superior. O coronel PM Walter de Fátima assumiu a Casa Militar; Blairo é entusiasta com a Polícia Militar – em suas andanças pelos municípios vestia uniforme da corporação e até cantava seu hino.
Os partidos que integraram a coligação que elegeu Blairo tiveram espaço em todos os escalões do governo. O ex-deputado estadual Moacir Pires (PFL) assumiu a Fundação do Meio Ambiente (Fema) e Aréssio Paquer (PFL) a Empaer; Dito Paulo, irmão do então prefeito de Várzea Grande e agora senador democrata eleito Jayme Campos, foi nomeado secretário de Cultura; e o irmão do à época deputado federal pepista Pedro Henry, Ricardo Henry, assumiu o Turismo. Em 2004, Dito Paulo e Ricardo deixaram o governo, disputaram e conquistaram as prefeituras de Jangada e Cáceres, respectivamente.
Blairo contemplou entidades representativas em seu governo. Homero Pereira, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária (Famato) assumiu o Desenvolvimento Rural; o adjunto de Homero para a Agricultura Familiar foi Jilson Francisco – Jilson da Fetagri -, dirigente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetagri). Alexandre Furlan, representando a Federação das Indústrias (Fiemt), foi nomeado secretário de Indústria, Comércio, Minas e Energia (Sicme). Está foi a base da administração de Blairo em seu começo de mandato.
Ajustes para afinação do governo
Nos primeiros momentos Blairo era visto com ressalvas. Ambientalistas temiam o avanço desordenado da soja. A rotatividade do poder político mato-grossense era ditada por momentos eleitorais, mas sempre com nomes da cuiabania se revezando no Paiaguás; o novo governador não era a ‘Cara’ nem a ‘Coroa’ da moeda que se jogava para cima a cada quatro anos: tratava-se de um paranaense radicado em Rondonópolis. A maioria na Assembleia era formada pelo PSDB e seus aliados que foram derrotados na disputa majoritária no ano anterior, o que em tese criava ambiente desfavorável ao governante.
Blairo sabia do cerco político natural sobre seu governo que ora começava. Sua meta era transferir para a administração pública os conceitos da iniciativa privada e para tanto calcava essa proposta em quatro pilares: honestidade, transparência, eficiência e ousadia – firmou contrato de produtividade com o secretariado; quem não correspondesse seria excluído. O governador queria levar adiante tal propósito e depositava todas as fichas na equipe, a ponto de insistir na tese de que não mexeria no seu primeiro escalão ao longo do mandato, desde que tudo corresse bem.
A solidão do poder e o cerco político agravado com as pressões ambientais tanto no Brasil quanto no exterior criaram ambientes que exigiam mudanças na equipe de Blairo, mas ele, cauteloso, tentava manter a unidade.
Seis meses após a posse, Blairo mexeu na Secretaria de Esportes e Lazer: saiu Ademir Moreira Neves, de Cuiabá, entrando Baiano Filho, de Sinop. Dois meses depois do adeus de Ademir, Luzia Leão (Saúde) entregou o cargo e obrigou Blairo ao primeiro jogo de cintura. Gabriel Novis foi remanejado da Educação para a Saúde e ficou na função somente 24 dias: pegou o jaleco de médico e voltou para sua clínica. O governador nomeou Ana Carla Muniz, mulher do então prefeito de Rondonópolis, Percival Muniz, para a Educação, o que reforçou a participação da República de Rondonópolis no poder. Marcos Machado (Administração) e também de Rondonópolis passou a acumular as as secretarias de Administração e Saúde. Finalmente, em dezembro daquele ano, Marcos Machado deixou a Administração e foi substituído pelo secretário-adjunto Geraldo de Vitto, que também é de Rondonópolis.

O governo chegou afinado ao final do ano de 2003 e assim atravessou 2004. Porém, no começo de junho do ano seguinte a Polícia Federal deflagrou a Operação Curupira, que prendeu dezenas de servidores da Fundação do Meio Ambiente (Fema) e do Ibama, sob acusação de prática de crimes ambientais. Dentre os presos Moacir Pires, que presidia a Fema. Políticos pediram a Blairo que aceitasse o pedido de exoneração de Pires, mas o governador preferiu demiti-lo e em ato contínuo criou a Secretaria de Meio Ambiente (Sema) nomeando Marcos Machado para dirigi-la. Com a migração de Marcos Machado para a Sema, Blairo nomeou o secretário-adjunto de Saúde, Augustinho Moro, titular daquela secretaria.
Na tentativa de solucionar os problemas de ordem ambientais ligados ao desmatamento clandestino, logo após a Operação Curupira, Blairo recebeu em Cuiabá a ministra do Meio Ambiente Marina Silva. O governo estadual e o Ibama, com a chancela de Marina firmaram um convênio na área florestal, que fortalecia tanto a atuação do Ibama quanto a da Sema.
Debochando de Blairo, em junho de 2005 o Greenpeace o declarou vencedor da votação via internet promovida por aquela organização ambientalista para ‘que a mesma outorgasse’ o troféu Motosserra de Ouro; segundo Paulo Adário, que coordenou a votação, o governador recebeu 10.348 dos 27.849 votos dos internautas – em segundo lugar ficou o presidente Lula da Silva, com 7.314 votos.
PPP Caipira nasce em Lucas do Rio Verde

Antes de assumir o governo, Blairo reuniu-se com políticos e empresários de alguns municípios para discutir sua forma de atuação. A reunião que apresentou o melhor resultado aconteceu em novembro de 2002 em Lucas do Rio Verde.
O prefeito anfitrião, Otaviano Pivetta (agora vice-governador eleito), pediu a Blairo que pavimentasse o acesso da cidade ao novo aeroporto localizado no eixo da MT-449. O governador alegou que precisaria tomar pé da realidade orçamentária para saber se poderia ou não atender à reivindicação. Pivetta propôs uma parceria público-privada, mais conhecida por PPP Caipira, com a participação de produtores.
Blairo gostou da proposta de Pivetta. Os participantes, dentre eles o prefeito da vizinha Tapurah, Reinaldo Tirloni, ampliaram o assunto. Ao término da reunião, mais que entendimento para pavimentar o acesso ao aeroporto de Lucas nasceu o primeiro consórcio rodoviário ou simplesmente PPP Caipira, que resultaria na pavimentação da “Rodovia da Mudança” entre Lucas e Tapurah, com 96 quilômetros de extensão nos leitos da MT-449 e da MT-338, também conhecida por Estrada da Baiana.
Em Lucas, sem trocadilho, Mato Grosso encontrou o caminho para pavimentar milhares de quilômetros de estradas. Nascia assim a figura dos consórcios rodoviários, ou simplesmente PPP Caipira.
Aos consórcios o governo destinava recursos do Fundo Estadual de Habitação e Transporte (Fethab), que também assegurava 30% para a habitação. O percentual desembolsado pelo Estado era flexível para se moldar a cada caso. Nos sete anos do duplo mandato de Blairo, a arrecadação com o Fethab foi além de R$ 2 bilhões.
Exatamente um ano após a reunião em Lucas, Blairo, o então deputado estadual Silval Barbosa, Pivetta, Tirloni, Pagot e outras autoridades receberam o ministro dos Transportes, Anderson Adauto, para inaugurar a Rodovia da Mudança, construída solidariamente pelo governo, prefeituras e produtores rurais.
Blairo gostou do entendimento em Lucas e designou Pagot para mobilizar produtores e prefeitos em busca de novos consórcios, que seriam embutidos no programa Estradeiro lançado após a posse. A adesão foi maciça nos polos de produção agrícola. Mas, onde o perfil econômico regional inviabilizava os consórcios o governo pavimentava com recursos orçamentários da chamada Fonte 100.
Três pedidos e uma promessa

Em 2002, Blairo Maggi lançou estilo de diferente de campanha política quando disputou o governo. O candidato não se limitava a falar. Em muitas ocasiões mais ouvia do que discursava. “Sempre perguntava as pessoas qual a maior reivindicação de seus municípios e elas pediam três coisas: asfalto, asfalto e asfalto”, revela.
Em Canarana, após ouvir o mesmo pedido em várias regiões Blairo assumiu o compromisso que sua primeira obra seria a pavimentação da MT-326 daquela cidade ao trevo com a BR-158. Eleito, imediatamente telefonou para o amigo Maurício Tonhá, que coordenou sua campanha no Vale Araguaia e mais tarde seria prefeito de Água Boa. Pediu a Maurício que fosse ao rádio em Canarana e anunciasse que o asfalto sairia rapidamente.
Blairo tentou por todos os meios pavimentar o trecho prometido o quanto antes, mas somente em 13 de novembro de 2004 conseguiu inaugurá-lo, depois de uma verdadeira guerra de bastidores. Desse episódio o governador tirou grande lição.
O trecho da rodovia MT-326 prometido pelo candidato em 2002 tem 36 quilômetros de extensão e foi parcialmente pavimentado uma década antes de sua candidatura ao governo. As construtoras desentenderam-se com os governantes do passado e suspenderam a obra. Blairo mandou que o serviço fosse retomado, mas exigiu redução do custo do quilômetro, que nos contratos firmados antes de sua posse era quase o triplo do preço por ele praticado. Não houve entendimento, mas as negociações prosseguiram. Ao notar que não seria possível se chegar a acordo, o governador jogou a última cartada: ameaçou mandar construir uma estrada paralela, o que seria mais barato do que arcar com o montante reivindicado pelos empresários. Somente assim foi possível cumprir a promessa de campanha.
A rodovia MT-326 foi concluída, seu trecho anteriormente pavimentado foi restaurado e Canarana saiu do isolamento. Na data da inauguração da obra Blairo revelou esses fatos num emocionado pronunciamento na Câmara Municipal. Os presentes o aplaudiram demoradamente. Fogos se ouviram por todos os cantos da cidade onde a fala do governador chegava pelo rádio.
Eduardo Gomes – blogdoeduardogomes
FOTOS:
1, 3, 5 e 6 Secretaria de Comunicação do Governo de Mato Grosso
4 – Arquivo blogdoeduardogomes
PS – Continuem lendo a a série. Próximo capítulo: amanhã
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