Boa Midia

Especial UFR – Esse Carrlox não tem djeito

No começo de 1983 Carlos Bezerra (PMDB) assumiu a prefeitura de Rondonópolis com boa parte da cidade esburacada e com voçorocas. Com poucos equipamentos não teve alternativa senão recorrer ao governador Júlio Campos (PDS), que também acabava de chegar ao poder.

Júlio o recebeu com um largo sorriso: “’Carrlox’, meu velho” e um abraço urso. A conversa foi curta e o prefeito deixou o Palácio Paiaguás com duas certezas: o problema seria resolvido e ele ainda daria uma bordoada política no governador. O anfitrião sorria intimamente: “Com essa eu vou tritura-lo”, pensava com seus botões.

A cadeira que foi ocupada por Bezerra ainda estava quente quando os repórteres da imprensa amiga chegaram ao gabinete pra coletiva convocada às pressas pelo governador.

Em tom paternal Júlio narrou à situação em Rondonópolis. Disse de seu respeito pela cidade de Daniel Moura, Hélio Cavalcante Garcia e Walter Ulysséa. Assegurou que enviaria uma patrulha mecânica para restaurar as ruas, ainda que fosse preciso passar por cima do prefeito, que nunca o procurou e teria lhe mandado recado desaforado.

No dia seguinte os jornais informavam que o governo socorreria Rondonópolis. Cautelosa a Imprensa não tocou nas bravatas de Júlio, pois Bezerra estava na pauta pra governador, com enorme possibilidade de vencer a eleição em 1986. Ou comunicadores acendiam uma vela ao dono do poder, mas não apagavam a outra, do futuro mandachuva.

Júlio foi cedo ao Departamento de Viação e Obras Públicas (DVOP) e deu a larga para a saída da patrulha mecânica. A TV Centro América transmitiu ao vivo. Perplexos, assessores de Bezerra assistiram os basculantes, carretas com motoniveladoras e tratores embarcados pegando a estrada. Foi um corre-corre danado pra casa do prefeito em Vila Aurora.

Os assessores não sabiam do encontro de Bezerra com Júlio e temiam que a intervenção administrativa prejudicasse o cacique peemedebista. Preocupados se espalharam nas cadeiras da varanda enquanto o chefe tomava banho pra começar o dia. O mais preocupado e indignado era um jovem engenheiro civil que trabalhava no pátio da prefeitura e que por essa função teve seu nome de José Carlos Junqueira de Araújo trocado pelo apelido de Zé Carlos do Pátio; mais tarde Zé Carlos do Pátio seria vereador, deputado estadual e prefeito, e agora novamente está na Assembleia Legislativa.

Se essas máquinas tentarem entrar na cidade deito-me na frente do comboio”, disse Zé Carlos do Pátio jurando fidelidade com o preço de seu sangue. Bezerra reagiu com um sorrido enigmático. Agradeceu a solidariedade e mandou – ele manda – que cada um saísse de imediato e tratasse de mobilizar o movimento comunitário o mais rápido possível.

O assessor disposto a morrer pelo chefe recebeu a missão especial de coordenar a movimentação dos comunitários, levá-los para o trevo na BR-364, organizar uma carreta que botasse no meio a patrulha mecânica mantendo um carro de som à frente e outro na retaguarda.

Chico Fogueteiro, que não viu a reportagem da TV foi comunicado pra preparar o foguetório do longo do trajeto da carreata com a patrulha mecânica. O jornalista Mário Marques, que era secretário de Comunicação da prefeitura, organizou a cobertura ao vivo da Radio Juventude AM. O circo estava armado!

A patrulha mecânica apontou na linha do horizonte. Bezerra sorria maquiavelicamente. O comboio foi abordado pelo prefeito e precedido e seguido por veículos da carreata com os comunitários entrou na cidade lentamente. À frente, o líder político local na carroceria do carro de som, com um animado locutor enaltecendo sua coragem em impor a vinda das máquinas e caminhões. A população saía às portas e via a passagem por um verdadeiro corredor polonês de foguetório.

Na porta da prefeitura, onde o comboio parou, Bezerra falou de sua coragem em forçar Júlio a enviar o maquinário pra retribuir os impostos ali arrecadados. Deu ordem aos presidentes de bairros para assumirem a coordenação dos trabalhos.

Nelson Pereira Lopes, que chefiava o escritório do governo em Rondonópolis, ligou ao governador. Júlio engoliu em seco, mas ainda teve um fiozinho de voz pra admitir a derrota: “Esse ‘Carrlox’ não toma ‘djeito’”. Dois dias depois Rondonópolis estava um brinco e Bezerra mais perto de ser governador.

 

PS – Extraído do livro “Dois dedos de prosa em silêncio – pra rir, refletir e arguir“, publicado em 2015 pelo jornalista Eduardo Gomes de Andrade – sem apoio das leis de incentivos culturais.

IlUSTRAÇÃO: Generino.

CAPA: Édson Xavier.

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