Boa Midia

ESPECIAL: O lendário Nhonhô Tamarineiro (3º e último capítulo sobre o grande coronel)

 

Último dos três capítulos sobre Nhonhô Tamarineiro, no livro “Dois dedos de prosa em silêncio – pra rir, refletir e arguir“, escrito e publicado em 2015 pelo jornalista Eduardo Gomes de Andrade, sem apoio das leis de incentivos culturais, com ilustração de Generino e capa de Édson Xavier.

O primeiro capítulo sobre Nhonhô Tamarineiro foi postado no sábado, 18, com o título: Filinto tentou e não conseguiu.  O segundo, ontem, com o título: Livramento, seu novo endereço. Agora, Sem Nhonhô, o fim de uma era

 

Capítulo

Sem Nhonhô, o fim de uma era

Nhonhô Tamarineiro decidiu plantar café. Seu tio Luís Coelho de Campos, o Coronel Luisinho, cacique político em Poxoréu, arranjou para ele um grupo de 20 paulistas doutores na lavoura cafeeira.

Os paulistas chegaram ao Tamarineiro, exigiram um caminhão para a lavoura, foram atendidos por Nhonhô Tamarineiro e botaram a mão na massa.

De café os paulistas sabiam tudo, o problema é que eles também manjavam de democracia e resolveram fazer oposição ao dono do lugar, tentando acender o pavio da oposição pras bandas do Tamarineiro, onde havia quem ditava as regras de comportamento e não aceitava questionamento fosse de quem fosse.

Os paulistas encheram o saco de Nhonhô Tamarineiro. Na véspera da eleição o caldo entornou sem que ninguém no Tamarineiro ficasse sabendo, a não ser, é claro, os homens que cumpriram a ordem do coronel e, naturalmente, os cafeicultores oposicionistas.

Na madrugada de 2 de outubro – véspera da eleição -, os homens de Nhonhô Tamarineiro chegaram ao barracão dos paulistas. De lá saíram com todos eles e os enfiaram num casarão abandonado. Dois dias depois, com os peitos cheios de ardor democrático e os 20 títulos eleitorais sem a rubrica do mesário, foram devolvidos ao Coronel Luisinho. “Xia; dgente, assim não presta”.

Negar ele não negava, mas em compensação também não confirmava. Apenas sorria. Mas contam que Nhonhô Tamarineiro tinha duas máquinas fotográficas Kodak do modelo “tijolo”, uma ponto Vermelho, outra, Branco. Com a primeira eram fotografados aqueles cujos votos eram certeiros. A outra clicava os suspeitos. O detalhe é que a segunda não tinha filme.

Quem operava essas preciosidades era o bambambã e precursor da fotografia política em Cuiabá, Lázaro Papazian, o “Cháu”.

Quando o preparador eleitoral ia ao Tamarineiro para acatar requerimentos de títulos, os moradores da região se reuniam na sede da fazenda de Nhonhô Tamarineiro. Ali, recebiam as fotos para o documento. O dono da casa chamava um por um, pelo nome: “Gonçalo Tenuta, toma sua foto”.

Quando a entrega terminava, os suspeitos ficavam de cabelo em pé. “Cadê, cadê?”, queriam saber onde estavam as fotos. Nhonhô Tamarineiro jogava a culpa em Cháu. Tchau, perigo de votos contra.

Nhonhô Tamarineiro escreveu com as letras da época uma das mais ricas páginas da política mato-grossense. Elegeu os filhos Nereu deputado estadual e prefeito de Livramento e Várzea Grande; e Venceslau, prefeito de Santo Afonso. Seu irmão Gonçalo Botelho de Campos foi prefeito de Várzea Grande e deputado estadual. Seu sobrinho Nelson Ramos exerceu mandatos de deputado estadual ao longo de quatro legislaturas, entre 1963 e 1978. Além disso, costurou vitórias eleitorais para amigos. Ele sempre irrigou amizades com votos, muitos votos. Foi mestre na arte de liderar.

Da pequena Livramento dava as cartas na política mato-grossense. Nunca teve adversário à altura, para desbancá-lo, a não ser a idade, que se adquire a cada arfada, a cada passo, a cada entardecer e amanhecer, a cada voto, a cada eleição, a cada articulação política que Nhonhô Tamarineiro tão bem sabia fazer.

Aos 89 anos, a um passo dos 90, em Cuiabá, para onde se mudou, Nhonhô Tamarineiro fechou os olhos para sempre, na segunda-feira, 25 de janeiro de 2010. Seu adeus reuniu figuras importantes dos meios políticos.

O sepultamento do corpo de Nhonhô Tamarineiro em Cuiabá reuniu Carlos Bezerra, Thelma de Oliveira, Jayme Campos, Júlio Campos, Chico Monteiro, Osvaldo Sobrinho e muitos outros vultos políticos.

Seu adeus marcou o fim de uma era: a era dos coronéis, dos quais foi o mais astuto, o mais humano, o mais amigo, o mais leal, sem abrir mão das prerrogativas de coronel chefe político. O fechamento de seu caixão também fechou o ciclo de um modelo político que deixou a realidade para entrar no folclore.

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