Episódio em Rondonópolis nos deixa quase no fundo do poço
Governador é cargo relevante. O exercício da governadoria exige honestidade, serenidade, seriedade, conduta republicana e, se possível, competência. Acredito que em 2014 o eleitorado mato-grossense elegeu Pedro Taques ao governo apostando nos quatro primeiros predicados. Porém, não tenho dúvida: a maioria não levou em conta sua incapacidade administrativa. Agora, ao final de seu terceiro ano de mandato, Taques nos mostra que de seu currículo devem ser retirados os conceitos de serenidade, seriedade e conduta republicana.
Penso assim. Pode parecer um julgamento duro e atrevido, mas ninguém em sã consciência pode vê-lo como injusto ou irreal. O episódio protagonizado por Taques em Rondonópolis no final da semana passada o desqualifica ao exercício do cargo e cabe somente a ele o gesto de grandeza que se espera num momento assim: renúncia com um sincero pedido de desculpas ao eleitor que lhe conferiu o mandato.
É de domínio público, mas vou reprisar o episódio em Rondonópolis. No domingo, 10, aquela cidade completou 64 anos de emancipação. No final de semana Taques foi até lá e numa solenidade proporcionou o que abaixo relato.
Taques à mesa das autoridades, ladeado pela desembargadora e corregedora-geral do Tribunal de Justiça, Maria Aparecida Ribeiro – que quando juíza foi diretora de Fórum de Rondonópolis – e pelo prefeito anfitrião Zé Carlos do Pátio, concedia entrevista coletiva. Em dado momento ele fez um sinal ao secretário de Comunicação, jornalista Kleber Lima, que o atendeu. Kleber do lado de fora da mesa debruçou-se sobre ela e o governador lhe pediu que mandasse alguém perguntá-lo se ele havia se deparado com alguma obra de Silval (Barbosa ex-governador). A missão foi dada ao jornalista Max Aguiar, editor do site cuiabano Hipernoticias, que cumpriu seu papel.
Taques respondeu a Max numa encenação teatral incompatível com o cargo de governador. Melhor do que a leitura é assistir a gravação, disponível nas redes sociais (e também no grupo de WhatsApp blogdoeduardogomes).
Rondonópolis tem gargalos que para serem solucionados será preciso vontade política do governador, independentemente de quem exerça o cargo. A cidade tem alto índice de violência, problemas de saneamento, precária rede de saúde pública (recentemente a UTI Pediátrica da Santa Casa permaneceu fechada por mais de 20 dias por falta de transferência de recursos por parte do governo), superpopulação em sua penitenciária regional etc.
Ao invés de ouvir propostas para o enfrentamento desses problemas a cidade presenciou a teatralidade que buscava comparativo entre o antecessor Silval e o governador Taques. Vergonha!
Um governador que chega ao término do terceiro ano de mandato remoendo mágoas contra um adversário vencido, processado por improbidade administrativa, réu confesso de crimes contra o erário, não tem serenidade para governar.
Um governador que manipula a imprensa para fortalecer sua retórica, não é sério.
Um governador que não repassa duodécimo nem faz transferências constitucionais aos municípios no devido prazo não é republicano.
O papel dos dois coadjuvantes de Taques merece análise.
Kleber é secretário, função relevante que exige lealdade e ele cumpre bem seu dever. Entre o chamado de Taques e a missão dada a Max, Kleber não agiu enquanto jornalista; sua atuação foi na condição de assessor da mais alta confiança. Esse tipo de relação não é exclusivo do governo Taques, pois existe desde tempos imemoriais e permeia as assessorias nos poderes políticos em todas as suas esferas. Quem nunca ouviu dizer que nessa ou naquela circunstância o secretário ‘livrou a pele do assessorado’ chamando pra si os erros?
Enquanto assessor Kleber agiu como manda o figurino. Não creio que será marginalizado por isso, porque o conceito popular valoriza quem se move pelo princípio do: “Companheiro é companheiro…”. É preciso separar o joio do trigo. Taques foi eleito para ser governador republicano; o jornalista foi apenas nomeado para assessorá-lo.
Não conheço Max. Sei que é um jovem em início de carreira. Seria injusto crucifica-lo. Ele é apenas um nome a mais numa profissão com excesso de profissionais, mal remunerada, sem reconhecimento público (fora do jornalismo, quem saberia dizer nomes de 10 jornalistas locais?) e que é exercida para empresas que dependem de mídias públicas uma vez que o empresariado mato-grossense não investe em publicidade. Quem atua num setor assim, e tem a oportunidade de viajar numa comitiva custeada pelo governo, costuma entrar no transe coletivo de bajulação e do endeusamento das figuras do poder. Qual jornalista naquele evento deixaria de ‘levantar a bola’ para Taques?
Não tenham dúvidas. O fato em Rondonópolis lançou luzes na relação do governo com a imprensa. Diria que o entusiasmo do momento e as adversidades da profissão disseram ao ouvido de Max: vai que é sua. Ele foi.
Sem querer Max prestou um grande serviço a Mato Grosso ao desnudar a sintonia perfeita entre o Paiaguás e redações.
Para Max acho que foi um tropicão. Espero que tire ensinamentos desse episódio. Também espero que a classe jornalística, ora solidária com ele, entenda que é preciso respeitar o personagem da notícia, pois quase sempre é possível que haja mais de um ângulo para se analisar o fato.
A conduta de Taques em Rondonópolis será mais uma página virada. O silêncio da imprensa e o gigantismo do poder sufocarão tudo. Pior: as vozes isoladas que o denunciarem arcarão com as consequências. Roguemos a Deus para que não cheguemos ao fundo do poço profetizado por Ruy Barbosa: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”.
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