Discurso que não chega ao fim
Aos sábados, domingos e feriados nacionais Curtas transcreve um capítulo do livro “Dois dedos de prosa em silêncio – pra rir, refletir e arguir“, escrito pelo jornalista Eduardo Gomes de Andrade, sem apoio das leis de incentivos culturais. A ilustração da obra e nesta postagem é de Generino.
Capítulo de hoje:
Discurso que não chega ao fim
Em 1976, Walter Ulysséa disputa a prefeitura de Rondonópolis por uma das sublegendas da Aliança Renovadora Nacional (Arena) e faz comício num sábado à tarde, em Vila Jardim.
O governador biônico Garcia Neto, secretários de Estado e parlamentares participam do comício.
O Cerimonial do Governo acerta com a coordenação de Ulysséa que nenhum candidato a vereador falaria, para reduzir a duração do ato. Garcia tinha que encerrar um grande comício de seu candidato a prefeito na vizinha Jaciara.
Benedito Rodrigues da Cunha, o B. Cunha, jornalista e dono do jornal Folha de Rondonópolis, era candidato a vereador de Ulysséa e, de quebra, não podia ver microfone…
Insatisfeito com o Cerimonial, B. Cunha ameaça:
– Ou me deixam falar ou meto o pau no Ulysséa, no meu jornal.
Sob pressão, B. Cunha ganha direito a discursar por 3 minutos representando todos os candidatos a vereador.
Microfone na mão, B. Cunha deita falação. O tempo passa e nada de o jornalista encerrar. José Moraes Filho, o Beda Moraes, candidato a vice-prefeito de Ulysséa, puxa a camisa do orador.
– Ei, Cunha, seu tempo estourou! – mas ele continua com o discurso. Novos puxões, e o jornalista, indiferente, segue destilando críticas aos adversários e elogiando seu candidato a prefeito.
O desconforto toma conta do palanque porque o governador não poderia sair sem falar e seu compromisso em Jaciara era inadiável e de sua presença dependia o sucesso eleitoral de seu grupo naquele município.
Joaquim Nunes Rocha, o Rochinha, deputado federal da fina flor do udenismo e macaco velho nas artimanhas políticas, tenta resolver a questão: puxa um coro de palmas para B. Cunha, o abraça forte e encostando a boca no ouvido do candidato o ameaça:
– Cala essa boca ou vou empurrá-lo daqui pra baixo!
B. Cunha não se intimida e aproveita a deixa:
– Acabo de receber o apoio incondicional do deputado Nunes Rocha. Muito obrigado, Rochinha!
Não foi jogado do palanque e ainda continuava falando quando a comitiva do desapontado governador deixou em Vila Jardim um candidato a prefeito prestes a sofrer um ataque de nervos.
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