De duras penas
Não participo da disputa virtual que bota brasileiros em trincheiras antagônicas, com uma defendendo o presidente Jair Bolsonaro e outra o atacando, e vice-versa. Prefiro nossos assuntos regionais. Além disso, sou contra o golpismo do “Fora Bolsonaro” e aquele que pede o fechamento do STF e do Congresso. Porém, sinto-me no dever de focalizar a censura imposta liminarmente e em primeira instância ao jornalista e blogueiro Enock Cavalcanti, em Cuiabá.
Os fatos.
Em 19 de abril deste ano, Dia do Exército, um grupo de manifestantes protestou diante do muro do quartel do 44º Batalhão de Infantaria Motorizado em Cuiabá, pedindo a volta do AI-5 e o fechamento do Congresso e do STF.
A manifestação foi abordada por Enock em seu blogue – paginadoe.com.br – e em sua página do Facebook.
Enock não economizou criticas ao protesto, e em seu texto foi duro em palavras com a jornalista e colunista social Roseli Arruda. Insatisfeita com o tratamento nos conteúdos de Enock, Roseli o acionou judicialmente. A juíza Maria Aparecida Ferreira Fago, do 2º Juizado Cível de Cuiabá, liminarmente determinou que em 12 horas o blogueiro retirasse seus conteúdos da internet, sob pena da aplicação de multa diária ao mesmo.
Na segunda-feira, 15, o oficial de Justiça localizou Enock, que imediatamente tratou de cumprir a determinação da magistrada, mas paralelamente a isso entrou em cena, por meio de seu advogado Diogo Botelho, pra tentar a reversão da decisão.
Somos um país de máximas, de causas pétreas, de direitos adquiridos. Ao longo da vida aprendi que se deve respeito aos princípios constitucionais, que devemos abominar toda forma de arbítrio, que nossa democracia é alicerçada pela liberdade de expressão, pela inviolabilidade da correspondência, pelo direito de ir e vir e outros postulados que devem sempre ser observados. Longe de se tratar de princípio, mas há entendimento geral de que decisão judicial se cumpre – sem prejuízo de questioná-la dentro e fora dos tribunais.
A censura imposta a Enock é algo preocupante. Nessa quadra em que o STF (consequentemente o Judiciário) e o Congresso (com todas as casas legislativas) estão na mira dos que defendem o restabelecimento do arbítrio ditatorial simbolizado pelo (extinto) AI-5 soa incompreensível social e politicamente que alguém seja condenado por se posicionar em defesa dos Poderes ameaçados – independentemente de seu linguajar jornalístico, e nesse caso, evoco uma de nossas máximas, que se encaixa perfeitamente bem na questão: o fim justifica o meio.
Em nenhuma parte do mundo se vê grupos nas ruas xingando ministro da mais alta corte de Justiça nem lançando fogos de artifícios sobre a mesma. Também, na face da Terra, não há registro de militante dizendo abertamente que infernizará a vida de ministro do Judiciário. No Brasil isso acontece. Felizmente, em Brasília, o ministro Alexandre de Moraes determinou a prisão de alguns desses conspiradores contra a democracia.
Continuarei fora da disputa da direita com a esquerda e vice-versa. Permaneço falando sobre Mato Grosso, mas sem a agressividade verbal (e física em alguns casos) dos grupos que se degladiam no plano nacional. Aqui continuarei acompanhando os fatos e inclusive essa punição ao Enock, que salvo melhor juízo do meu modesto entendimento censura o direito social de defender os poderes ora ameaçados.
Longe de acirrar os ânimos entre Roseli e Enock, ao contrário, desejando harmonia entre eles, permaneço ao lado da legalidade, a legalidade de defender o STF e o Congresso; a legalidade para abominar o AI-5; e a legalidade de discordar da censura nessa terra de liberdade conquistada a duras penas.
Eduardo Gomes de Andrade é jornalista
eduardogomes.ega@gmail.com
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