De direito, coração e opção
De longe – bem distante mesmo – era visível a nuvem de poeira avermelhada, enorme, móvel num misterioso bailado que mudava seu formato, sob a companhia inseparável do calor, independentemente do horário ou época do ano. Quanto mais se aproximasse, mais visível e maior a estranha formação se apresentava. Em ambas as cabeceiras da ponte sobre o rio Vermelho, na BR-364/163 a pista era encascalhada com pedras da mesma coloração ao que se via no espaço. Na cidade aquele fenômeno se tornava menos perceptível ao olhar, porém palpável na medida em que grudava nas roupas e se entranhava na pele e cabelos. O ar pesado afetava, sobretudo, crianças e idosos. Mas bastava uma chuvinha pra tudo se acomodar e na respiração se sentir o cheiro agradável do cerrado molhado. E chuva não faltava, pois à época a Amazônia Mato-grossense tinha duas estações distintas: inverno e verão. O primeiro, assim chamado, porque na claridade do dia, durante o toró, a imagem que se tinha era de nevasca. O outro, por conta das altas temperaturas, baixa umidade relativa do ar e ventos fortes, mas esse período era intercalado por chuvarada, que amenizava tudo e limpava o céu mais azul e bonito do mundo. Em meio ao poeirão ou mergulhado no inverno o que se via era um quê de amanhã. De bom amanhã, de ótimo amanhã. No olhar de todos o brilho da esperança, da vontade de vencer, de reconstruir vida, de viver numa terra pra chamar de sua. Um lugar assim e situado numa região estratégica para a ligação de boa parte da Amazônia com o Centro-Sul e vice-versa; com topografia ideal para o cultivo mecanizado, excelente luminosidade, regularidade hídrica adequada para a agricultura; rica em aguadas e minerais; que se tornou Eldorado para cobras criadas e sonhadores dispostos a enfrentar o mundo em busca de dias melhores; recheado de belas mulheres; e que transmitia uma química mista de otimismo e bairrismo no melhor sentido da palavra, tinha que dar certo. Deu! Os 50.594 habitantes de então, incluindo os moradores de Pedra Preta e São José do Povo – que mais tarde seriam cidades – saltaram para 236.042. Muitas foram as transformações, mas nada, nem o relógio implacável do tempo ao longo de meio século consegue apagar da memória de quem viveu o ciclo da nuvem de poeira avermelhada, enorme, móvel num misterioso bailado que mudava seu formato nas barrancas do Poguba que teimamos em chamar de Vermelho. Rondonópolis minha sedutora e envolvente cidade atemporal, deliciosa naquele ontem, sempre fogosa no agora e desejada nos sonhos com o futuro. Você é igual seu rio: passa ficando na vida e na alma da gente.
Superlativo é o melhor título pra quem foi Rainha do Algodão. Números sobre a economia rondonopolitana sempre estão defasados, pois a cidade cresce independentemente de crise regional, nacional ou mundial. Rondonópolis tem o nariz empinado. Não figura entre os grandes produtores do agro nem entre os donos das boiadas, mas é a grande praça do agronegócio do Centro-Oeste. A semente que garante o cultivo mato-grossense é produzida em Alto Garças e Pedra Preta, mas os escritórios das sementeiras funcionam na Terra de Rondon. Polo esmagador de soja e de abate bovino e suíno, o município é o ponto mais ao Norte da ferrovia da Rumo Logística, que ali opera o maior terminal de cargas agrícolas da América Latina. Desenvolvimentista sem abrir mão com os cuidados ambientais, Rondonópolis trata quase todo esgoto que a população e a economia lançam em suas redes coletoras. Com todos os acessos pavimentados, incluindo a duplicada BR-163 para Campo Grande e a BR-163/364 para Cuiabá. O Aeroporto Maestro Marinho Franco opera jatos comerciais. A sigla com as letras: UFR significa Universidade Federal de Rondonópolis. Seus distritos industriais esbanjam vitalidade. O mercado varejista na região se abastece naquela cidade.
Ao lado da cidade a Terra Indígena Tadarimana, da etnia Bororo, vive numa área de quase 10 mil hectares, entre os rios Poguba, Jurigue e Tadarimana, que desconhece antropização. Saudade do Malagueta, o índio amigo, que perambulava pelas ruas, bêbado, puxado por sua mãe.
No traço da população rondonopolitana o componente do Sol Nascente, com sua rica, tradicional e importante colônia, que inclusive na época da nuvem de poeira avermelhada, enorme, móvel num misterioso bailado que mudava seu formato jogava beisebol num terreno próximo ao fórum, que era chamado de Campo do Japonês. Arigatô sansei Manao Ninomiya, Hisahiro Kida, Dayse Miyahira, Eduardo Kanashiro, Ivone Otiai, Hiromi Mizobe, Osvaldo Matsuno, Nobuo Yamada, Júlio Yoshio, Matilde Araki Crudo, Shelma Lombardi de Kato, Dario Hiromoto, Waldemar Akira Koike, Shiro Nishimura, Milton Dota, Hiroshi Kawatoko, Noda Guenko e tantos outros que estão entre nós ou partiram.
O trabalho é árduo, porém gratificante e não para. Na união de todas as mãos, todo pensamento, toda garra e coração, os rondonopolitanos esculpem na grande cidade de agora a metrópole do amanhã. É uma obra que exige paciência e persistência, requer amor e carinho. Passaremos. Todos partiremos mais dia menos dia. Cada um deixando suas digitais na argamassa humana que cada dia torna maior, melhor e mais bela a nossa quase setentona Rondonópolis, que neste 10 de dezembro completa 67 anos de emancipação.
Rondonópolis tem suas datas.
Desde o final do século XIX a região era percorrida por aventureiros, mas entre os anos 1907 e 1909 ela ganhou seu primeiro traço de ocupação, com a construção das Linhas Telegráficas de integração nacional, cuja comissão era comandada pelo primeiro tenente do Exército Cândido Mariano da Silva Rondon.
Em 10 de agosto de 1915 o governador Joaquim Costa Marques reservou uma área para a criação do povoado Rio Vermelho – seu primeiro nome – onde seriam instaladas as famílias residentes na região. Três anos depois, o deputado estadual e agrimensor militar Otávio Pitaluga apresentou e conseguiu aprovar um projeto que mudou sua denominação para Rondonópolis, e naquele ano iniciou a demarcação de sua zona urbana
Em 1920 Rondonópolis ganhou status de distrito de Santo Antônio de Leverger e em 1924 recebeu uma estação telegráfica, cujo primeiro operador foi Benjamin Rondon. Em 1938 com a emancipação de Poxoréu, foi anexado àquele município. No ano de 1948 o engenheiro Domingos de Lima demarcou o quadrilátero central compreendido entre as avenidas (nomes atuais) Presidente Kennedy e Dom Wunibaldo, e as ruas Dom Pedro II e XV de Novembro.
A emancipação aconteceu em 10 de dezembro de 1953 por uma lei do deputado João Falcão – que injustamente o poder político de Rondonópolis não reverencia – e sancionada pelo governador Fernando Corrêa da Costa.
Muitas datas importantes estão no calendário rondonopolitano. Todas muito caras pra mim, mas uma guardo de modo especial: o domingo, 10 de maio de 1970, quando pela primeira vez vi a nuvem de poeira avermelhada, enorme, móvel num misterioso bailado que mudava seu formato sobre a cidade que adotei e fui por ela adotado.
Parabéns Rondonópolis!
Eduardo Gomes é rondonopolitano de direito, coração e opção
Parabéns Hotnópolis, capital da República Red River. Excelente artigo e tributo à nossa querida Rondonópolis
Eduarti Fraga
Se todos tivessem essa consideração por Rondonópolis, os tempos modernos e vindouros, seriam extremamente exuberantes!!!
Márcio Paromeriri
Muito bem inteirado meu nobre amigo conterrâneo Eduardo Gomes Andrade Aplausos!!
Wander Melo