Censura, não
Meus amigos, meus inimigos: o jornalista Artur Garcia, através da sua web TV Kanal 1, de Cuiabá, resolveu entrar na onda obscurantista, que se espalha pelo Brasil, e fazer uma verdadeira caçada a “imagens pornográficas” em exposição de arte no Shopping Pantanal. Talvez amanhã, Artur e seus seguidores, estejam invadindo galerias de arte, escolas, residências, em busca de quadros e de artistas que não pratiquem a arte “certinha” que lhes agrada.
Começou assim: um cliente ainda não identificado do Pantanal viu um quadro do artista Gervane de Paula, que não lhe agradou, por mostrar pessoas nuas usando drogas – e clamou pela imediata retirada do quadro. O que existe em um pênis e em uma buceta, expostas à luz do dia, que assusta tanto determinadas pessoas?
Como ainda ecoa censura recente que aconteceu lá no Rio Grande do Sul, contra exposição de arte sobre o universo LGBT, os dirigentes do shopping preferiram fugir do atrito – e tiraram o quadro da mostra “Amo Cuiabá”, organizada pelo publicitário e produtor cultural João Gordo para festejar os 300 anos de Cuiabá.
Decretada a censura, já correu para o shopping o repórter Arthur Garcia, com sua câmera, para fazer alarde. E tem dado resultado: são milhares e milhares de acessos e centenas de manifestações de apoio, tipo “parabéns por defender a família cuiabana dessa pornografia esquerdista”.
Eu, que imediatamente fui ao Facebook protestar contra a censura, tenho sido xingado, juntamente com minha mãe e minha família. “Você é um sociopata de merda, Enock. Vá se fuder, seu doente” – escreveu um. Outro aconselhou: “Compre um membro de borracha e vá lá no Pantanal sentar nele como forma de protesto”. E por aí vai a cantilena, mostrando que essa gente quer mesmo é arrebentar com qualquer tipo de discordância que desafie suas ideias moralistas, pretensamente inspiradas por dogmas cristãos que só existem na cabeça deles.
Ah, a falta que faz a informação. Os males que nos causam a manipulação da notícia. Favorecidos pela maré montante do bolsonarismo, os reacionários de Cuiabá tentam repetir aqui o que os seguidores de Hitler fizeram há tantos e tantos anos atrás. Os nazistas esmeraram-se em condenar a literatura e as artes “degeneradas”. Promoveram queimas de livros em toda a Alemanha. A mais lembrada é a de 10 de maio de 1933, na praça da Universidade Humboldt. O próprio diretor da Faculdade de Direito, para agradar os nazistas, se encarregou juntar braçadas de livros da biblioteca sob sua guarda, para que fossem queimados na “fogueira da construção do novo homem germânico”.
A caçada às obras de Gervane de Paula é a história querendo se repetir como tragédia. Temos que nos mobilizar para parar essa horda de arruaceiros iletrados.
ENOCK CAVALCANTI, jornalista, advogado e blogueiro, é editor de Cultura do Diário de Cuiabá
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