Boa Midia

Todo povo tem a Assembleia Legislativa que merece

Eleitor escolheu a composição da Assembleia
Eleitor escolheu a composição da Assembleia

Um dos temas mais discutidos em sites e nas redes sociais na semana que se encerrou no sábado, 9 de fevereiro, foi a contratação do ex-deputado estadual José Domingos (PSD), pela Assembleia Legislativa para sua Assessoria Jurídica, com salário de R$ 18 mil. Democracia é  regime que permite protestos, contestações, críticas e desabafos. Mas, quem grita e se descabela pela mamata que acaba de ser concedida a José Domingos? Há legitimidade no questionamento ou se trata de falsa bandeira moralizadora sem raízes, bem superficial, como recomenda o politicamente correto?

Quem pode questionar a mamata de José Domingos?

Sejamos coerentes. Ao longo da legislatura anterior, da qual José Domingos foi membro, Imprensa e redes sociais permaneceram caladas diante dos escândalos promovidos por deputados. Não se pode negar que houve exceção tanto por parte de jornalista quanto de internauta, mas a regra foi o silêncio, velhaco, oportunista, submisso.

A comunidade silenciosa no ontem, agora grita, esperneia, como se a mamata a José Domingos lhe roubasse o sono, tirasse seu apetite e a deixasse perplexa e indignada.

Novamente cobro coerência.

José Domingos é a cara, o perfil e a postura do eleitor mato-grossense, do jornalista desta terra e do internauta que se espalha pelos 141 municípios de Mato Grosso. Claro que não se pode lançar essa pecha sobre todos,  mas a verdade é que ela se encaixa perfeitamente bem na grande maioria dos que votam.

A Assembleia que deu a mamata para José Domingos tem 24 deputados. Desses, 10 foram reeleitos, e deles, sete estão na mira da Justiça. Alguém pode dizer que houve renovação considerável de parlamentares, porque o Legislativo recebeu 14 novos parlamentares, mas a realidade é outra. Senão vejamos:

Três deputados eleitos em 2014 não disputaram mandato em 2018. José Domingos é um deles. Baiano Filho, sem partido, e Wancley Carvalho (PV) são os outros. O trio está na mira da Justiça. Os dois primeiros aparentemente temeram as urnas para não se exporem. O terceiro, realmente enfrenta problema de saúde. Leonardo Albuquerque (SD) era deputado estadual e foi eleito deputado federal. José Domingos acusou o golpe quando da exibição de um vídeo na TV Globo, onde aparece recebendo dinheiro juntamente com o à época deputado estadual Ezequiel Fonseca (PP); os dois discutiam onde acomodar a dinheirama, que lhes foi entregue por Sílvio Corrêa, então chefe de gabinete do governador Silval Barbosa. Em delação Silval informou que se tratava de pagamento de mensalinho. Mesmo com as imagens desabonadoras José Domingos teria chance de reeleição (a julgar pelo perfil do eleitorado que elege os parlamentares), pois seu irmão Neurilan Fraga preside a associação dos prefeitos (AMM) e integra o chamado grupo Viúvas de Riva, que tem força mais que suficiente para eleger alguns deputados.

Considerando-se os três que não disputaram mandato e Leonardo Albuquerque, na verdade restaram 10 vagas, que foram preenchidas em 2018. Se todos tivessem tentado a reeleição, a maioria dos deputados seria oriunda da legislatura anterior. Ou alguém acredita que o Dr. Eugênio (PSB) teria recebido no Vale do Araguaia os 13.458 votos que o elegeram, se Baiano Filho tivesse disputado mais um mandato? Dr. Eugênio tem base eleitoral em Água Boa, no Araguaia, região onde Baiano Filho mandava chover e engarrafava relâmpagos.

Também é preciso considerar que na verdade Allan Kardec (PDT) somente foi reeleito por conta do impedimento judicial que desconsiderou a votação de Gilmar Fabris (PSD), que conquistou mandato nas urnas com as bênçãos de de 22.912 eleitores mato-grossenses (mais o voto dele). Impedido de assumir o mandato, Fabris foi substituído por Kardec (18.629 votos). Com esse mudança  – para efeito moral – sobe para oito o número de deputados reeleitos que estão na mira da Justiça – Kardec não é investigado. Fabris foi preso na legislatura anterior  – e não foi caso isolado, pois o então deputado Mauro Savi (DEM), também foi parar atrás das grades.

A Assembleia é o que é por vontade – melhor seria, falta dela – do eleitor. A mamata para José Domingos é tão imoral quanto a guerra travada por uma cadeira no Tribunal de Contas (TCE) pelos deputados Guilherme Maluf (PSDB) e Sebastião Rezende (PSC), ambos na mira da Justiça.

Nem imprensa nem redes sociais questionam Maluf e Rezende  que quererem ir para o TCE, mesmo com todas as evidências que ambos não encontrarão facilidade para provarem o quesito exigido de ilibada conduta moral para ser conselheiro – os críticos preferem bater no rei morto.

O presidente da Assembleia, Eduardo Botelho (DEM) e sua vice-presidente Janaína Riva (MDB) também estão na mira da Justiça. O Ministério Público sustenta que Botelho pertence a uma organização criminosa que teria lesado o Detran em mais de R$ 30 milhões. Janaína é acusada de lavagem de dinheiro e de ser laranja de seu pai, o ex-presidente da Assembleia José Riva, numa empresa atolada até a medula em escândalos.

Ninguém critica Botelho nem Janaína. Todas as baterias são apontadas contra José Domingos – nada contra elas, pelo contrário, que se intensifiquem, mas que não sejam exclusivamente para destruí-lo deixando impune os demais envolvidos nos escândalos.

No fogaréu contra o absurdo da nomeação não se ouve nem sussurro sobre o fato de Kardec deixar a Assembleia para ocupar o cargo de secretário de Cultura, Esportes e Lazer no governo Mauro Mendes. Ao sair do plenário, Kardec abriu espaço ao suplente Romoaldo Júnior (MDB), que foi deputado na legislatura anterior e denunciado juntamente com Botelho no vergonhoso caso do Detran – Romoaldo está metido num cipoal de denúncias. Impera o silêncio sobre a intempestividade de Kardec.

O sexteto reeleito que está na mira da Justiça é composto por Botelho, Janaína, Dilmar Dal’Bosco (DEM), Nininho (PSD), Wilson Santos (PSDB), Rezende e Maluf. Imprensa e redes sociais não os questionam.

Onde está a legitimidade para se questionar a mamata de José Domingos? A nomeação do ex-deputado é imoral, aética e corporativa. Porém, é preciso que se leve em conta a legitimidade para tanto, que confere a Assembleia tal prerrogativa. Quem deu esse poder a Botelho, o presidente da Assembleia? Foi o eleitor. Quem elegeu ou reelegeu a banda pobre e dominante no Legislativo? Esse mesmo eleitor, que agora ele arque com sua responsabilidade.

O circo continua armado na Assembleia, onde os novatos – praticamente todos – dobraram os joelhos aos raposões remanescentes.

A sabedoria popular nos ensina que não há lugar onde um burro não entre desde que puxado por seu dono. Que cada um que deu sua parcela de contribuição para tanto procure logo um cabresto e trate de encontrar seu asno  com o solene compromisso de levá-lo novamente, daqui a quatro anos, ao mesmo lugar onde se encontra – ainda que da boca pra fora tenha que criticá-lo nas redes sociais. Quanto aos jornalistas amigos do poder, que continuem mantendo a bela relação de amizade que os une empenhadamente aos poderosos.

Eduardo Gomes de Andrade – editor de blogdoeduardogomes

 

 

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