Boa Midia

Soberania Digital: o Brasil está mesmo no controle dos próprios dados?

Oscar Soares Martins*
CUIABÁ

Em tempos de avanço tecnológico acelerado, a pergunta sobre a segurança dos nossos dados deixou de ser uma preocupação apenas individual para se tornar uma questão de Estado. Estariam os dados do Brasil realmente protegidos? A resposta, infelizmente, é negativa. Seja em órgãos públicos, instituições financeiras, hospitais, escolas ou até em simples cadastros de acesso em prédios, a exposição de informações sensíveis é cada vez mais comum — e frequentemente negligenciada. Mas quando falamos de dados estratégicos de um país, como registros da Previdência, cadastros gerados durante a pandemia, contas bancárias, pesquisas científicas, dados de segurança nacional, planejamento militar ou informações sobre recursos naturais, o risco atinge outro patamar.

O Brasil figura entre os países mais atingidos por vazamentos e ciberataques, com prejuízos que afetam não apenas empresas e instituições, mas a própria estrutura de Estado. A chamada Guerra Cibernética já está em curso, e nela os alvos são invisíveis, mas os impactos são profundos. Exemplo disso foram os ataques coordenados durante a guerra entre Rússia e Ucrânia, onde sistemas de energia, transportes e hospitais foram comprometidos. Em outra frente, o conflito entre Israel e o grupo Hamas também foi marcado por invasões a sistemas de comunicação e espionagem digital. Esses episódios não ocorrem apenas em zonas de guerra: o Brasil, mesmo em tempos de paz, é alvo constante de ataques e espionagem que visam suas infraestruturas críticas e bases de dados estratégicos.

Um dos pontos mais sensíveis dessa discussão envolve a localização dos dados nacionais. Atualmente, grande parte das informações do Brasil está armazenada em nuvens que pertencem a empresas estrangeiras e que operam servidores fora do país. Embora forneçam qualidade técnica, essas empresas estão subordinadas às legislações dos países onde estão sediadas — muitas vezes, com interesses políticos e estratégicos que podem não coincidir com os nossos. E em um eventual conflito, seja comercial ou geopolítico, a soberania sobre esses dados pode ser facilmente colocada em xeque.

A preocupação se estende também ao uso de tecnologias que conectam o Brasil a estruturas de controle externas. Um exemplo crítico é o sistema de navegação GPS, utilizado por aviões, navios, aplicativos de transporte, agricultura de precisão e até pelo setor financeiro. O GPS é controlado integralmente pelos Estados Unidos, o que significa que, tecnicamente, esse país pode restringir ou desligar o acesso ao sistema no Brasil, caso considere necessário por razões estratégicas. Outros blocos, como a União Europeia, China e Rússia, já desenvolveram seus próprios sistemas — como Galileo, BeiDou e GLONASS — exatamente para não dependerem de um único operador. O Brasil, por sua vez, permanece vulnerável e dependente.

Outro ponto de atenção envolve a entrada em massa de veículos conectados, especialmente os da fabricante chinesa BYD. Esses automóveis, além de oferecerem inovação e sustentabilidade, capturam e transmitem dados constantemente: localização, voz, câmeras, padrões de condução, entre outros. Relatórios internacionais alertam que parte dessas informações pode estar sendo enviada a servidores localizados na China, o que levanta dúvidas legítimas sobre privacidade, rastreamento em tempo real e uso estratégico desses dados em caso de crise. Em um país com dimensões continentais e relevância geopolítica como o Brasil, permitir a coleta sistemática de dados sensíveis por empresas estrangeiras é, na prática, abrir mão do controle sobre a própria mobilidade e segurança.

Outro fator de fragilidade está na criptografia insuficiente. Mesmo quando os dados estão armazenados em nuvens ou servidores supostamente seguros, muitos não contam com criptografia robusta, o que equivale a deixar um cofre dentro de outro cofre com as chaves penduradas na porta. Em uma situação de pressão ou guerra, o país onde os dados estão armazenados pode ser forçado judicial ou politicamente a dar acesso a essas informações — e sem proteção adequada, as consequências podem ser desastrosas.

É urgente que o Brasil adote uma política nacional clara e eficaz de soberania digital, voltada para a proteção e controle de seus dados estratégicos. Isso inclui investir em data centers próprios em território nacional, desenvolver tecnologias de criptografia de última geração, regulamentar de forma rigorosa a entrada de equipamentos conectados de alto risco, e iniciar o planejamento de um sistema de geolocalização brasileiro, independente e seguro. Proteger os dados não é apenas uma questão técnica ou administrativa — é uma questão de segurança nacional. O Brasil precisa compreender que, no mundo de hoje, o que está em jogo não é apenas informação, mas o futuro do país. Soberania digital é soberania real.

*Oscar Soares Martins – Consultor e especialista em cybersegurança e em IA

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