Boa Midia

O Dia da Consciência Antirracista

Apesar de muitos ainda não percebê-lo, e outros nem aceitá-lo, implícita ou explicitamente, 20 de Novembro é um dos dias mais importantes do calendário nacional. Talvez não para todos, mas para uma parcela significativa da sociedade brasileira. O 20 de Novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares, o Dia da Consciência Negra, o dia da consciência que se quer despertar para quem ainda não se libertou totalmente da colonização social de uma sociedade estruturalmente injusta.  

 

O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra nos convida para a necessidade da reflexão sobre a importância do enfrentamento ao racismo estrutural, notadamente nestes tempos de acirrada polarização e disputa ideológica, em que o bom e respeitoso diálogo, gérmen da reflexão, cede cada vez mais espaço ao discurso de ódio e de confronto raivoso. É preciso respirarmos um pouco e pausar o desejo de conflito ideológico, pausar o “nós contra eles”, e dar oportunidade ao escutar, ao ouvir os argumentos e escutar os sentimentos do semelhante diferente, bem como à reflexão dialogada. Praticarmos mais a escutatória que a oratória, na feliz expressão de Rubem Alves.

E neste dia de conscientização, é importante entendermos que nosso amado País está longe de ser a decantada democracia racial que falsamente se prega há décadas, praticamente como se fosse um paraíso na Terra, um mito artificialmente criado e que propositalmente esconde o enorme racismo estrutural que há séculos subjuga a imensa maioria negra da população brasileira. Muitas vezes, passa despercebido que somos a maior Nação negra fora da África, e apesar de constituírem 56% da população do Brasil, sua maioria portanto indiscutível, apenas 27,7% de negros encontram-se entre os 10% de maior renda per capita do Brasil, extrato dominado por 70,6% de brancos. De outro lado, entre os 10% mais pobres, a equação se inverte, constituindo os negros 75,2% desta parcela mais desassistida, segundo dados oficiais do IBGE.

E como a matemática não mente, outros números estatísticos demonstram de maneira inquestionável a estruturação maligna quase que impermeável deste racismo brasileiro, dissimulado mas altamente excludente: enquanto que os cargos executivos e gerenciais mais altos são dominados por 85,9% de brancos, e apenas 11,9% são ocupados por negros. Outro dado revelador e categórico é o da taxa de homicídios do Brasil, em que 75,7% das vítimas são negras, segundo dados do Ipea de 2020.

 Séculos após séculos, e gerações após gerações, os negros são sistematicamente imobilizados nos mais baixos extratos sociais, e desprovidos das benesses do bem-estar social prometido pela Carta Cidadã, por este racismo estrutural que lhes aprisiona na falta de oportunidades e de condições reais e qualitativas de preparação educacional e profissional para um mundo cada vez mais exigente, tecnológico e que lhes cobra um nível de aprimoramento que paradoxalmente não lhes é disponibilizado desde a sua base.

Mas, se o racismo estrutural fundante da sociedade brasileira foi um processo sóciocultural construído para privilegiar uma parcela em detrimento de uma grande massa negra perpetuamente esquecida, esta estruturação pode e deve ser perfeitamente desconstruída, a partir da consciência de que esta realidade não mais pode ser tolerada. É possível adotar uma nova postura antirracista, no sentido de se promover políticas públicas e medidas concretas e efetivas que acolham e valorizem essa imensa massa da população brasileira para um lugar ao sol, que ela também merece. O sol é e deve ser para todos.

Um corajoso exemplo e digno dos mais efusivos elogios neste sentido, é o marcante programa de trainee voltado para negros preparado pelo Magazine Luiza. Corajoso por admitir e reconhecer que esta grande empresa do varejo da nossa economia possui apenas 16% de pessoas negras em suas maiores posições gerenciais e de liderança; e digna de elogios, por efetuar este diagnóstico e abrir-se a uma postura antirracista e a uma solução afirmativa para equalizar as oportunidades de ascensão e liderança na estruturação do grupo empresarial.

Como bem define a conceituada filósofa e acadêmica Djamila Ribeiro, “se o primeiro passo é desnaturalizar o olhar condicionado pelo racismo, o segundo é criar espaços, sobretudo em lugares que pessoas negras não costumam acessar”. Criar condições efetivas de transposição das amarras desta estrutura asfixiante e dar oportunidades, eis um bom primeiro passo antirracista a ser adotado por uma sociedade ainda fortemente marcada à brasa com o ferro da segregação, onde as camadas e posições mais baixas possuem há séculos a negritude como sua cor acentuada e predominante. O racismo estrutural é um debate sobre oportunidades, e não sobre capacidade.

É preciso tirar o racismo estrutural da invisibilidade, é um problema central de uma democracia que ainda precisa democratizar o acesso a oportunidades para todos os seus cidadãos, notadamente aqueles que sempre foram esquecidos. Não se trata de “mimimi”, mas de um novo marco civilizatório que se impõe, dada a evolução dos tempos e da própria humanidade. A sociedade brasileira precisa se assumir como antirracista. Pois, afinal, como sentenciou Guimarães Rosa, “viver é plural”.

Wagner Antonio Camilo é promotor de Justiça em Mato Grosso

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