Boa Midia

O que levou Mato Grosso ao VLT

VLT, não; BRT, sim. Essa a decisão do governador democrata Mauro Mendes para o transporte coletivo em Cuiabá. Saindo do hoje e retornando ao começo das discussões sobre o tema, blogdoeduardogomes reproduz uma reportagem de 19 de junho de 2019 e transcreve a manchete da Revista MTAqui, de agosto de 2012. Ambas atualizadas e contextualizadas.
(Reportagem de 19 de junho de 2019 – site blogdoeduardogomes)

Cuiabá acompanha uma verdadeira guerra de Comunicação com artigos e reportagens defendendo a retomada da obra do veículo leve sobre trilhos (VLT) que se encontra paralisada desde outubro de 2014. Um expressivo grupo se mostra favorável a esse modal de transporte – nele há inclusive figuras que no passado o questionavam. Sobre esse tema o site reproduz a matéria Um VLT a 80 em Cuiabá, que foi a manchete da edição de agosto de 2012 da revista MTAqui.

Coincidentemente às vésperas da Copa do Mundo de 2014, mas não em razão dela, Cuiabá buscava uma matriz de transporte para ancorar o sistema existente e que responde pelo vaivém dos passageiros urbanos. Cogitava-se a construção de uma – ou duas – linhas alimentadoras de BRT (sigla em inglês de Bus rapid transit, que em tradução livre significa ònibus de trânsito rápido) nos moldes de outras em operação no Brasil, a exemplo de Goiânia. Na prática seria a criação de um corredor exclusivo para a passagem em dois sentidos de ônibus articulados, que seriam integrados aos que fazem a ligação bairros-centro.

Políticos, técnicos e jornalistas batiam na tecla do BRT. Batiam. Depois que o então deputado e presidente da Assembleia Legislativa, José Riva, decidiu que a matriz de transporte seria VLT, Cuiabá reviu seu posicionamento e a então quase tricentenária cidade de Moreira Cabral entrou nos imaginários trilhos defendidos por Riva.

VLT era uma sopinha de letras desconhecida em Mato Grosso até a manifestação de Riva. No passado, Júlio Campos sonhou com o mesmo projeto, mas à época não havia tal sigla. Candidato ao governo em 1982, Júlio anunciou que construiria uma linha de trem de superfície em Cuiabá. Em tempos modernos Riva emplacou a ideia do VLT.

A Imprensa sempre foi zelosa com Riva e costumeiramente arredondava sua fala. Em 2 de fevereiro de 2009, uma delegação da CBF veio a Cuiabá com o craque bicampeão do mundo Zito à frente. A visita era para defender a meta da capital mato-grossense em sediar jogos da Copa do Mundo, condição essa que disputava com Campo Grande (MS). Perdido na multidão de jornalistas, ouvi Riva falar ao pé do ouvido de Zito que ele dotaria a cidade com um moderno sistema de transporte: o VLT.

Puxei conversa com Riva. Arranquei dele a manchete política do Diário de Cuiabá no dia seguinte. O deputado revelou que tinha um projeto para construir o VLT e que o apresentaria ao governador Blairo Maggi. Acrescentou detalhes. Os colegas o ouviram sobre outros temas. Tentei reproduzir aqui o conteúdo publicado no Diário, mas o sistema de buscas do jornal está inoperante. Lamentável.

Em outros textos acompanhei a evolução do projeto VLT. Em agosto de 2012, a capa da edição daquele mês da revista MTAqui foi uma grave denúncia sobre propina envolvendo o projeto VLT. O assunto se encerrou na denúncia. Agora, diante do surgimento da discussão sobre a retomada ou não da obra, avalio que a leitura daquele texto seja interessante e até mesmo esclarecedor para a guinada que jogou o BRT fora da linha de seu concorrente sobre trilhos.

PS – Agradeço ao Maurício Barbant, colega e amigo, por esta foto, que registra minha conversa com Riva sobre VLT

(Manchete da revista MTAqui agosto 2012)

Um VLT a 80 em Cuiabá

80 não é a velocidade que o VLT desenvolverá: é uma denúncia, que fala em 80 milhões de reais em propina que teriam sido pagos pelo consórcio que construirá esse sistema de transporte

Rowles Magalhães Pereira da Silva era assessor especial do vice-governador Chico Daltro (PSD) e eminência parda do poder até cair em desgraça ao abrir a boca para denunciar que “integrantes do governo estadual” receberam R$ 80 milhões em propina para jogar no colo do Consórcio VLT Cuiabá formado pelas empresas C.R.Almeida, Santa Bárbara, CAF Brasil e Astep Engenharia a obra do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) em Cuiabá e Várzea Grande, que tem orçamento de R$ 1,477 bilhão.

A denúncia de Rowles tem contorno de mea culpa, porque ele sustenta que faz a intermediação para o pagamento da propina, mas o governador Silval Barbosa (PMDB) e seu vice trataram de exonerar o denunciante, num ato publicado na terça-feira, 21, no Diário Oficial. Mais: Silval e Daltro negam com todas as letras, inclusive o V, o L, e o T, qualquer tipo de maracutaia que se possa imaginar. Tanto negam, que o governador mandou o secretário de Segurança Pública, Diógenes Curado, apurar o caso, repetindo o que fez seu antecessor Blairo Maggi (PR), quando do rombo descoberto no final de 2009, de R$ 44 milhões na compra superfaturada de 705 equipamentos rodoviários para o programa MT 100% Equipado, investigação essa que até agora aponta com visível compaixão para o ex-secretário de Infraestrutura, Vilceu Marchetti e que poupa seus pares naquela transação. Curado designou o delegado Gianmarco Paccola Capoani para o caso.

O agora demitido Rowles disse no dia 14 deste mês, ao portal UOL, que a propina foi paga, mas tirou o corpo fora na hora de dar nome aos bois. Sua denúncia é reforçada por um anúncio de classificados na edição de 18 de abril deste ano no jornal Diário de Cuiabá, que de modo cifrado antecipou o resultado da concorrência. Essa concorrência aconteceu sob Regime Diferenciado de Contratação (RDC), que abre brecha para trambique, porque dispensa uma série de exigências que são feitas às concorrências tradicionais. Rowles disse que os concorrentes do consórcio vencedor participaram da disputa fazendo jogo de cartas marcadas, para serem vencidos.

A opção para se fazer o VLT pelo RDC é considerada estranha, porque essa obra não será concluída antes da Copa do Pantanal em 2014 e até mesmo porque esse sistema de transporte exclui de suas rotas a Arena Pantanal, onde acontecerão os jogos, e sequer passa em suas imediações.

A investigação do caso não será restrita à Secretaria de Segurança Pública, pois o Ministério Público Federal também entrou em cena na tentativa de pássaro caso a limpo com um inquérito civil púbico e o Ministério das Cidades – que banca os custos da obra – acendeu todas as luzes amarelas possíveis para saber o que Rowles e seus companheiros aprontaram em Cuiabá.

Além da denúncia do ex-assessor esse caso tem um recheio que merece se investigado. Rowles disse e o governo confirma, que a montagem do edital de licitação foi facilitada porque o Fundo de Investimento Infinity doou ao Estado um estudo sobre a obra, que teria custo no mercado de R$ 14 milhões. Esse estudo na verdade era um projeto de viabilidade técnica e financeira feito pela estatal portuguesa Ferconsult, que atua na área de construção de metrôs de superfícies. Em troca, a Ferconsult ganharia o direito de executar a obra, na clássica oração de São Francisco, mas acontece que em Cuiabá deram rasteira nos portugueses deixando-s de fora da montanha de dinheiro que será derramada para implantação dos trilhos.

A jogada na moita entre o Infinity, a Ferconsult e o governo de Mato Grosso não ficou restrita ao toma lá dá cá do estudo com a obra planejada. O custo do VLT apresentado pela Ferconsult era de R$ 700 milhões, mas estranhamente saltou para R$ 1,477 bilhão. Mais: a Secretaria da Copa (Secopa), que toca o projeto Copa do Pantanal, nunca divulgou uma linha sequer sobre a doação recebida, que em termo financeiros se compara aos R$ 14 milhões que ela se propôs a pagar por 14 jeep Land Rover montados na Rússia – o que se tornou uma dos escândalos entre tanto que pipocam na esfera do governo.

O entendimento do governo de Mato Grosso com a Ferconsult e as bênçãos do Infinity mostrou a desenvoltura de Rowles. Em maio do ano passado, ele liderou um trenzinho da alegria mato-grossense que visitou a cidade do Porto, em Portugal, para conhecer o VLT dos gajos ali construído pela Ferconsult. Dessa viagem participaram algumas das cabeças mais coroadas da política mato-grossense: Silval Barbosa; o presidente da Assembleia Legislativa, José Riva (PSD); o então titular da Secopa, Éder Moraes; e os deputados estaduais Guilherme Maluf (PSDB) e Sérgio Ricardo, que agora é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado. Todos voltaram da Europa vestindo a camisa do VLT, que até aquele momento era ameaçada por outro sistema de transporte o BRT – Bus Rapid Transit, sigla em inglês de ônibus em corredor expresso – cuja implantação é mais barata no comparativo com o sistema articulado por Rowles.

Mãos à obra

A construção do VLT foi suspensa por liminar do juiz federal Marlon de Souza, no dia 7 deste mês, porque havia denúncias de supostas fraudes em sua papelada. A liminar de Marlon cancelava o contrato de Mato Grosso com o consórcio, proibia o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) repassar recursos para a obra e bloqueava eventuais recursos transferidos pelo BNDES aos construtores do VLT. A decisão do juiz levava em conta a fundamentação do procurador da República, Rodrigo Golívio Pereira, de que haveria ilegalidade por parte do governo ao lançar mão de forma indevida do RDC. No dia 15, após ouvir na véspera o secretário da Secopa, Maurício Guimarães, o juiz federal Julier Sebastião da Silva liberou a retomada da construção.

A obra segue em seus primeiros passos. Quanto a Rowles ninguém sabe onde se encontra, nem se está novamente exercendo sua profissão de advogado. Sua ascensão nos escalões de governo aconteceu depois que ele se mudou de Rondonópolis para Cuiabá. Naquela cidade o homem que acendeu a última fogueira do escândalo nos meios públicos em Mato Grosso foi dono da Clínica Imamed, de diagnóstico de imagem e que atendia exclusivamente pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). A Imamed foi fechada pela Vigilância Sanitária que não lhe deu alvará para funcionar em 2010. Seu funcionamento foi conveniado com a prefeitura durante 15 meses, na época em que o município era administrado pelo prefeito Zé Carlos do Pátio – correligionário de Silval Barbosa.

A imprensa mato-grossense, com raras exceções, trata o caso com ressalvas e a Assembleia Legislativa mais uma vez cumpre seu papel de coadjuvante do governo nos bons e maus momentos fazendo boca de siri, até porque, como diriam os manda-chuva da Ferconsult, “não se deve levar a sério o gajo do Rawles”.

Rolo nacional antigo

Acusação de corrupção no VLT de Cuiabá degolou o ministro das cidades Mário Negromonte

Rowles botou o dedo numa ferida no braço, que a classe política em Mato Grosso tenta manter escondida sob a manga da camisa sempre abotoada no punho. Em agosto do ano passado, a revista Veja denunciou que o ministro das Cidades, Mário Negromonte, estaria envolvido numa suposta fraude de documentos para mudar o projeto de matriz do transporte em Cuiabá e Várzea Grande, passando-o do BRT para VLT. A publicação citou as funcionárias daquele ministério, Luiza Gomide de Faria Vianna e Cristina Marina Soja, respectivamente diretora de Mobilidade Urbana e gerente de Projetos de Diretoria, como autoras da fraude.
Para o Ministério das Cidades a fraude para trocar o projeto do BRT pelo VLT consistiu basicamente na mudança de parte do texto de uma nota técnica assinada em 8 de agosto do ano passado, pelo analista de Infraestrutura do Ministério das Cidades, Higor de Oliveira Guerra. Para o governo de Mato Grosso significa afundar numa dívida de R$ 1,477 bilhão junto ao BNDES, mesmo sabendo que o endividamento para o BRT seria de R$ 454 milhões.

Quando o escândalo ganhou repercussão nacional Negromonte criou uma comissão para investigar o que estava por trás do caso. Mas, antes, enquanto as peças ainda eram movidas entre quatro paredes, o então titular da Secopa, Éder Moraes, justificava a proposta de mudança em nome da redução das indenizações dos imóveis nas rotas do VLT. Entusiasmado, Éder falava em “90% de economia” no comparativo entre as indenizações para a opção VLT. Enquanto isso, uma claque era mantida mobilizada e uniformizada em Cuiabá defendendo com unhas e dentes a matriz de transporte ora denunciada por Rowles.

As duas funcionárias conseguiram se manter nos cargos até 9 deste mês, data em que o juiz da 5ª Vara Federal em Brasília, Paulo Ricardo de Souza Cruz, as afastou liminarmente de suas funções acatando pedido do Ministério Público Federal, que as acusa de fraude no caso do VLT

Em 2 de fevereiro deste ano, bem antes do afastamento de Luiza Gomide e Cristina Soja, Negromente caiu. Claro que o bota fora do ministro não levou o rótulo da acusação de corrupção, porque no poder em Brasília essa palavra é abominada. O advogado pernambucano Mário Negromonte Júnior (PP) é deputado federal pela Bahia e retornou à Câmara. Em seu lugar assumiu seu correligionário Aguinaldo Ribeiro.

Eduardo Gomes – Redação blogdoeduardogomes

FOTOS: 

1 – Arquivo Governo de Mato Grosso

2 – Maurício Barbant

Capa – Paulo Renato

3 – Eduardo Gomes

4 – Rowles Magalhães

5 – Édson Rodrigues

6 – Câmara dos Deputados

1 comentário
  1. Eli Lopes Diz

    Brigadeiro, você nos mostra uma reportagem de 2012 onde você mostra marmelada no VLT e seu texto nunca mudou. Parabéns meu amigo
    Eli Lopes – professor – Cuiabá – via Facebook

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