Série TRANSPARÊNCIA (30) – Perfil de Jayme Campos

Jayme nasceu e foi embalado em berço político, respira política, vive com o olhar voltado para o calendário eleitoral e – creio – se retirado desse mundo, morre, pois, o sopro de sua vida vem da relação que mantém com o eleitorado do amanhecer até altas horas, não importa onde esteja em Mato Grosso, porque independentemente do lugar e data, ainda que tente passar despercebido há sempre um olhar atento a identificá-lo e uma garganta afiada a gritar: “Jayme. Nosso Pedra 90 está aqui” ou algo parecido. Em 12 de novembro de 2016 escrevi o texto acima numa reportagem para o Diário de Cuiabá, onde abordava o jogo de cena dele, que dizia sem a mínima convicção que não seria candidato em 2018.
Jayme Veríssimo de Campos completa 67 anos em 13 de setembro. É o típico cuiabano nascido de parto do turismo maternal. Sua família morava em Várzea Grande, onde não havia maternidade. Sua mãe, dona Amália Curvo de Campos foi trazida para dar à luz em Cuiabá. Isso aconteceu com milhares de bebês que foram privados da cidadania várzea-grandense. Candidato ao Senado pelo Democratas, Jayme encabeça uma chapa que se completa com o deputado federal e seu correligionário Fábio Garcia para a primeira suplência, e Cândida Farias (MDB), para a segunda; Cândida é viúva de Wilmar Peres de Farias, que foi governador, e mãe de Roberto Farias, o Beto (MDB), prefeito de Barra do Garças, cassado pela Justiça por crime de improbidade administrativa – Beto recorre da sentença.
Antes da política Jayme foi balconista da loja A Futurista, de seu pai, Júlio Domingos de Campos, o seo Fiote, no centro de Cuiabá. Fiote foi prefeito de Várzea Grande entre 18 de março de 1951 e 20 de julho de 1953.
Um voto ali outro acolá

Jayme foi prefeito de Várzea Grande em três mandatos, governador e senador.
Em 1982 elegeu-se prefeito pelo PDS, partido que sucedeu a Arena. No mesmo ano seu irmão e ex-prefeito daquele município, Júlio Campos conquistou o governo. Permaneceu no cargo até o começo de 1989.
Na eleição ao governo em 1986 o grupo dos irmãos Campos (Júlio e Jayme) foi derrotado pelo ex-prefeito de Rondonópolis, Carlos Bezerra (PMDB).
Em 1990 Jayme ganhou a eleição ao governo e o apelido de Pedra 90. O Paiaguás foi barbada. Bezerra havia renunciado para disputar o Senado, sem sucesso. Seu vice Edison de Freitas (PMDB) sofreu acidente aéreo e o presidente da Assembleia, Moisés Feltrin (PFL) foi governador constitucional por 34 dias. Foi eleito com 401.005 votos (66,85%). com Agripino Boniha (PMDB) em segundo com 83.053 votos (13,85%) e Luiz Scaloppe (PT), Luiz Soares (PSDB) e Mafalda Pedra (PMN) com votações ínfimas. Detalhe: naquele pleito o Tribunal Regional Eleitoral limitou o horário eleitoral no rádio e TV aos municípios de Cuiabá, Várzea Grande, Santo Antônio de Leverger, Acorizal, Chapada dos Guimarães e Nossa Senhora do Livramento – reduto metropolitano onde Jayme predominava – e excluiu os demais municípios, onde, em tese, Carlos Bezerra, padrinho de Bonilha, tinha mais densidade eleitoral.
Quatro anos depois de ganhar a eleição ao governo Jayme sofreu amarga derrota não conseguindo eleger Sobrinho seu sucessor. O vencedor foi Dante de Oliveira (PDT), com 471.104 votos (71,27%) e seu vice foi Márcio Lacerda (PMDB); Sobrinho cravou 167.072 votos (25,27%).
Em 1996, pelo PFL, Jayme novamente foi eleito prefeito de Várzea Grande e se reelegeu pelo mesmo partido em 2000. Na eleição ao governo em 2002 apoiou Blairo Maggi (PPS), que venceu o pleito em primeiro turno.
Na eleição em Várzea Grande, em 2004, Jayme foi derrotado. Seu candidato Walace Guimarães (PFL) recebeu 49.525 votos (43,03%) e o vencedor foi Murilo Domingos (PPS), com 49.525 votos (42,53%). Maksuês Leite (PDT) recebeu 16.815 votos (14,44%). Naquele pleito Murilo recebeu apoio do então governador Blairo Maggi.
Dois anos depois de não conseguir eleger o sucessor em Várzea Grande, Jayme disputou o Senado pelo PFL e se elegeu com 781.182 votos (61,16%). O segundo colocado foi o tucano Rogério Salles, com 266.957 votos (20,91%). Luiz Antônio Pagot (PPS) e Osvaldo Sobrinho (PTB) foram os suplentes de Jayme.
Enquanto Jayme exercia o mandato no Senado, Pagot presidia o Departamento Nacional de Infraestrutura em Transportes (Dnit), debaixo de forte pressão do empresariado do setor de construção de rodovias, que utilizava senadores para o pressionar. Jayme estava em rota de colisão com Pagot, mas não demonstrava. Assim, preparou uma laçada para seu suplente. Em setembro de 2009 pediu licença de 130 dias para cuidar de assuntos particulares. Pagot não aceitou substitui-lo, pois se deixasse o Dnit não voltaria ao cargo. Diante disso Pagot renunciou à suplência – o Senado não permite a substituição do titular pelo segundo suplente – e Osvaldo Sobrinho ocupou sua cadeira.
Em 2008, com Jayme no Senado, Júlio disputou a prefeitura de Várzea Grande pelo Democratas, recebeu 45.688 votos sendo batido por Murilo Domingos (PR) com 72.519 votos. Nico Baracat (PSB) também concorreu e não passou de 7.057 votos. Naquele ano a sorte eleitoral não estava mesmo ao lado de Jayme. Dito Paulo (DEM), também seu irmão e prefeito de Jangada tentou a reeleição e deu com os burros n’água. Dito conquistou 1.657 votos e Valdecir Kemer, o Gauchinho (PT), disparou com 3.405 votos.
Em 2012 Jayme lançou sua mulher, Lucimar Campos (DEM) para a prefeitura de Várzea Grande. Lucimar ficou em segundo lugar com 44.286 votos e Walace Guimarães (PMDB) venceu com 47.338 votos ficando Tião da Zaeli (PSD) em terceiro com 41.272 votos.
Em maio de 2015 Walace e seu vice Wilton Coelho foram cassados pela Justiça Eleitoral por crime de abuso de poder político e econômico, e por uso ilícito de meios de Comunicação durante a campanha. Com a cassação Lucimar assumiu a prefeitura. Em 2016 Lucimar foi eleita para o cargo, com 95.634 votos (76,16%) ficando o Coronel Taborelli ( PSC) em segundo com 20.662 votos (16,46%). Com essa votação Lucimar foi a segunda mulher proporcionalmente mais votada para o cargo na eleição daquele ano em Mato Grosso. A campeã foi Sandra Crozetta (PROS) com 3.491 votos ou 78,96% em Juruena.
Administração e parlamento

Jayme não foi bom prefeito de Várzea Grande, muito embora seu clã tenha força política naquele município, onde vários prefeitos são de sua linhagem familiar.
Várzea Grande tem milhares de residências e estabelecimentos comerciais construídos em terrenos sem legalização fundiária.
O tratamento de esgoto é mínimo, embora a distribuição de água seja universalizada.
A cidade tem muitas ruas sem pavimentação. Não conta com terminal rodoviário e perdeu o pomposo título de “Cidade Industrial”, por falta de política pública para atrair investidores.
No governo seu principal feito foi a criação da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat). Construiu o linhão de transmissão ligando Nobres a Alta Floresta. No cargo inaugurou o trecho de Nobres a Sinop e deixou o restante contratado e pago; ao todo estendeu 2.100 quilômetros de linhas de transmissão.
Pavimentou 700 quilômetros de rodovias incluindo o trecho da MT-320 entre Colíder e Alta Floresta. Construiu o comando geral e a Academia da Polícia Militar. Investiu em PCHs para a Cemat, que detinha o monopólio da distribuição de energia. Pela extinta Cohab espalhou 17 mil mil casas em conjuntos habitacionais Mato Grosso afora.
Construiu o Contorno Norte de Cuiabá, a Ponte Mário Andreazza sobre o rio Cuiabá, o Hemocentro e concluiu o Hospital de Câncer de Mato Grosso. Comprou 500 viaturas para a Segurança Pública. Criou o programa sanitário animal contra a febre aftosa e a Lei da Piracema
Construiu 900 salas de aula e 16 estações de tratamento de água (ETA).
Governou com amigos e companheiros, mas foi duro com adversários.
Em seu governo a Saúde Pública sofreu duro golpe: foi interrompida a obra do Hospital Central de Cuiabá, que até hoje permanece no esqueleto. Por conta desse hospital enfrentou problemas judiciais. Em outubro de 2010 o juiz da 5ª Vara Federal em Cuiabá, José Pires da Cunha o condenou a devolver R$ 14 milhões aos cofres públicos por conta de um superfaturamento na construção desse hospital. A sentença também atingiu o empresário e ex-prefeito de Cuiabá, Anildo Lima Barros – sócio da construtora Aquário Engenharia, que executava parte do serviço; o ex-diretor do antigo Departamento de Viação e Obras Públicas (DVOP), Sérgio Navarro Vieira; e a empresa Eldorado Construções e Obras de Terraplanagem. Essa sentença volatilizou-se como tantas outras, graças aos recursos e ao complexo emaranhado das leis. O hospital está entregue à ação do tempo.
Jayme também foi alcançado pelo escândalo da Máfia das Ambulâncias ou Sanguessugas, que ganhou manchetes nacionais em 2006. Foi denunciado pelo Ministério Público por suposta compra superfaturada de uma ambulância montada pela extinta Planam, com recursos de emenda parlamentar. Jayme nega o superfaturamento. Sustenta que o preço diferenciado do veículo foi por conta de seus equipamentos especiais – a ambulância foi destinada à Guarda Municipal, quando prefeito de Várzea Grande.
No Senado a presença de Jayme foi tímida, mas no cargo soube cultivar companheiros políticos atendendo sua base eleitoral, que basicamente é formada por antigos coronéis da política municipal.
A administração de Lucimar tem aprovação popular. Mulher sempre tem mais sensibilidade no trato com as pessoas e a administração. Entre servidores há respeito e medo de Jayme.
Fortuna e força eleitoral
Jayme conseguiu uma proeza. De modesto balconista na empresa do pai transformou-se em milionário, sem que tivesse tempo para se dedicar integralmente aos negócios particulares, pois de 1983 até agora permaneceu 26 anos exercendo cargo eletivo e somem-se a esse tempo sua curta passagem pelo secretariado de Lucimar na condição de secretário Extraordinário de Assuntos Estratégicos.
Em 2006, quando candidato ao Senado Jayme declarou patrimônio de R$ 14.142.116,37. Em 2014 Jayme registrou candidatura para senador, mas a retirou: seu patrimônio declarado foi de R$ 67.884.308,88 dos quais R$ 28 milhões em bovinos e bubalinos. Na eleição desse ano, novamente candidato ao Senado, Jayme declara que seus bens encolheram para R$ 35.284.444,05 e que não tem uma cabeça bovina sequer.
Tanto a consolidação do patrimônio quanto seu encolhimento despertam atenção. O primeiro, obviamente é demonstrado ao Leão da Receita Federal com a devida fundamentação. O outro, mesmo misterioso poderia ser esclarecido por meio de doação, pois uma boiada daquele tamanho não se evapora assim, sem mais nem menos.
Patrimônio à parte, Jayme também está por cima perante a opinião pública, a julgar pela única pesquisa eleitoral até agora divulgada pelo Ibope e que foi contratada pela TV Centro América (Registrada no TRE 04065 e no TSE 01573). Nela Jayme aparece com 34% das intenções de voto. Em segundo, Procurador Mauro (Psol), com 21%. Empatados em terceiro Nilson Leitão (PSDB) e Maria Lúcia (PCdoB), com 16%. Selma Rosane (PSL) em quinto, com 15%. E outros candidatos menos citados.
Jayme apoia seu correligionário Mauro Mendes ao governo numa chapa coligada tendo o empresário e ex-prefeito de Lucas do Rio Verde, Otaviano Pivetta (PDT) de vice.
Livro Dois dedos de prosa em silêncio pra rir, refletir e arguir
Em 2015 publiquei o livro “Dois dedos de prosa em silêncio – pra rir, refletir e arguir“, Jayme é personagem de um de seus capítulos (abaixo). A obra foi ilustrada por Generino e não teve apoio das leis de incentivos culturais
O capítulo tem o título e o texto abaixo:
Pedra 90 é também o Número 1
Em maio de 1990 Carlos Bezerra deixou o governo pra tentar sem sucesso se eleger senador pelo PMDB. O vice-governador e correligionário de Bezerra, Edison de Freitas, o substituiu, mas não pôde concluir o mandato por conta de um acidente aéreo na região da Chapada dos Guimarães, que lhe custou algumas costelas fraturadas e prejudicou pra sempre seu caminhar. Com a renúncia de Edison, assumiu o presidente da Assembleia Legislativa, Moisés Feltrin, do PFL, que ficou no cargo por 34 dias, enquanto governador constitucional, até transmitir a faixa governamental a Jayme Campos, seu companheiro partidário e que em razão do ano da eleição em 1990 ganhou o apelido de Pedra 90.
Feltrin não teve tempo pra administrar e apesar do mandato manga curta comeu o pão que o diabo amassou com o rabo, porque Bezerra deixou o governo atolado em dívidas, salários e fornecedores atrasados e com descontentamento generalizado por parte dos servidores. Caos era o melhor rótulo para o Palácio Paiaguás.
Aproveitando o cenário o PT e seu braço sindical na educação, o Sintep, prepararam uma manifestação monstro pra sexta-feira, 15 de março de 1991, data da posse de Pedra 90 e seu vice petebista Osvaldo Sobrinho. O plano era cercar o palanque montado para as autoridades, manter gritos de ordem e jogar uma chuva tomates e ovos nos novos donos do poder.
Quem causou o estrago no governo foi o PMDB, mas na visão do PT, o PFL e os peemedebistas eram adversários em comum, farinha do mesmo saco e juntos precisavam ser combatidos com a mesma intensidade.
A Casa Militar do governo avisou Feltrin sobre a manifestação planejada para o dia da posse e ele procurou Pedra 90 pra que juntos encontrassem uma saída. Conciliador o governador constitucional propôs a realização do ato sem participação popular. Seu sucessor não gostou da ideia e a jogou pra escanteio: “Vamos fazer festa com a presença do povão, Moisés, mas você manda o pessoal da Casa Militar conversar comigo”, ordenou o homem que em breve seria o dono do poder.
No dia 12 de março a conversa de Pedra 90 com os oficiais da Casa Militar foi curta. O governador a um passo do poder fez prevalecer sua condição de comandante em chefe da Polícia Militar. Juntos, armaram o circo pra posse.
Cuiabá, manhã de 15 de março de 1991. A multidão cerca o palanque onde Pedra 90 faria o primeiro pronunciamento no cargo. Professores indignados e sindicalistas do Sintep com suas camisetas temáticas não conseguiam mais se conter. Todos queriam ver Jayme despontar na curva após passar a tropa em revista. A meta era uma vaia sem precedentes e um banho de ovos e tomates.
Misturados aos professores e sindicalistas, jovens musculosos prestavam atenção a tudo. Notar que havia algo estranho alguns manifestantes notaram, porque espremidos entre eles havia um mar de músculos e de cabelos cortados rentes ao estilo militar. Só que não havia mais tempo pra tentar passar a situação a limpo.
Poucos minutos antes da entrada triunfal de Jayme um sinal imperceptível aos manifestantes acendeu o estopim que transformaria aquele local em praça de guerra. Um dos jovens musculosos se desentendeu com outro de igual porte físico.Empurrões para lá e pra cá. O caldo entornou. Murros, tapas, golpes de capoeira, pancadaria pesada de fazer inveja ao UFC. A multidão apanhava sem entender o que estava acontecendo.
Alguns minutos depois havia muita gente zonza com os sopapos, não faltavam dentes com suas respectivas raízes pelo chão pontilhado de manchas vermelhas. Num cenário de devastação se via tiaras, brincos, sapatos, chinelos, chapéus e bonés caídos no entorno do palanque.
Quando Jayme chegou radiante, a paz reinava entre os que esperavam para o beija-mão e a deferência devida ao rei. Nenhuma voz de protesto se ouvia. Feltrin não foi informado com antecedência sobre o sururu; ficou sabendo na hora. “Pelo jeito os manifestantes preferiram brigar entre si, né Moisés?”, provocou Pedra 90. O governador constitucional que deixava o cargo sorriu sem graça.
Num discurso inflamado Pedra 90 falou que seu governo respeitaria a oposição e as manifestações. Ao término agradeceu a um sem-número de pessoas. Claro que ele não fez nenhuma citação aos jovens musculosos que bem distante dali comemoravam o cumprimento da primeira missão recebida do novo Número 1.
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PS – Este perfil faz parte da Série TRANSPARÊNCIA, sobre as candidaturas majoritárias. Anteriormente foram postados os perfis de Adilton Sachetti (capítulo 26), Sirlei Theis (27), Pedro Taques (28) e Artur Nogueira (29)
Eduardo Gomes/blogdoeduardogomes
FOTOS:
1 – Em arquivo José Luiz Siqueira
2 – Em arquivo Governo de Mato Grosso
3 – Assessoria de campanha eleitoral
4 – Arte Generino no livro “Dois dedos de prosa em silêncio – pra rir, refletir e arguir”
Brigadeiro você sempre é feliz em suas colocações e nesta foi ainda muito mais. Meus parabéns. Por fora bela viola e por dentro é pão bolorento.
Alberto Rubens (via WhatsApp) – bancário – Cuiabá