Dante, 12 anos de ausência do Homem das Diretas
Cuiabá, 6 de julho de 2006. Dante de Oliveira fecha os olhos pela última vez e a democracia brasileira perde um de seus grandes vultos. Transcorridos 12 anos de seu adeus uma legião de liderados sente sua ausência. Em todos os municípios sua presença enquanto administrador é palpável. Em todas
tribunas legislativas em em todos os palanques seu nome é reverenciado.
A trajetória do mato-grossense Dante de Oliveira – o Homem das Diretas -, que venceu muitas lutas e tombou vítima da traiçoeira doença chamada diabetes, é tema desta reportagem
Dante de Oliveira deu o tiro democrático de misericórdia no regime de 1964. A emenda que pedia eleição direta para presidente da República, de autoria do deputado federal mato-grossense Dante Martins de Oliveira. A votação começou em 24 de abril de 1984, avançou pela madrugada de 25 de abril de 1984 e não foi aprovada, mas despertou a consciência coletiva de que era hora de dizer basta à ditadura.
Para ser aprovada pela Câmara e seguir para o Senado, a emenda precisaria de dois terços dos votos dos 320 deputados federais, o que não aconteceu. A propositura de Dante de Oliveira recebeu 298 votos, 65 parlamentares foram contrários e 113 não compareceram ao plenário.
A famosa emenda transformou seu autor em vulto nacional e lhe conferiu o título de Homem das Diretas. Engenheiro civil por formação, político por paixão, o cuiabano Dante Martins de Oliveira foi deputado estadual, deputado federal, duas vezes prefeito de Cuiabá, ministro de Estado e governador de Mato Grosso em dois mandatos consecutivos.
Combativo, Dante de Oliveira travou muitas lutas no MR-8, MDB/PMDB, PDT e PSDB, aos quais pertenceu.
Dante de Oliveira nunca se acomodou nas vitórias e jamais se rendeu nas derrotas.
Enquanto governador, Dante de Oliveira escreveu singular página política em Mato Grosso. Criou o Fundo Estadual de Transporte e Habitação (Fethab), que é a principal receita para pavimentação de rodovias e, recentemente, indevidamente utilizado foi importante fonte para a obra da Arena Pantanal, em Cuiabá.
SANGUE NOS ANDES – Bolívia, 8 de outubro de 1967. Num canyon em La Higuera, nos Andes, o capitão Gary Prado cercou o grupo armado doguerrilheiro “Ramón”, que liderava um levante contra o governo boliviano de René Barrientos. Após intenso tiroteio, com uma perna ferida e a pistola emperrada, Ramón, o líder da guerrilha, rendeu-se e os militares descobriram sua identidade. Era Che Guevara, o argentino que ajudou os irmãos Fidel e Raul Castro a derrubar Fulgencio Batista y Zaldívar e em seguida implantar o comunismo que lhes assegura ainda hoje o governo vitalício em Cuba, com Raul, 86 anos, no comando; Fidel morreu em 25 de novembro de 2016. Em 18 deste abril a Assembleia Nacional de Cuba, órgão do único partido da ilha, o Comunista, elegeu com 603 dos seus 604 membros o novo presidente, Miguel Díaz-Canel, mas Raul continua dirigindo o Partido Comunista. Vale observar que não houve voto contrário, e sim a ausência de um dos representantes, o que não permitiu a escolha por unanimidade.
A data da captura do guerrilheiro tornou-se emblemática para a esquerda latino-americanaporque marcou o último lance da luta de Che Guevara, que no dia seguinte – após interrogatório – seria executado por uma rajada de metralhadora disparada pelo sargento Mário Terán, cumprindo ordem de La Paz.
Quando Che Guevara tombou o continente estava em ebulição, dividido entre a direita e os defensores da cubanização. No Rio de Janeiro, o Comitê Universitário do Partido Comunista Brasileiro (PCB) se transformou na Dissidência da Guanabara (DI-GB), descambando para a luta armada.
Os jovens da DI-GB reverenciavam a memória de Che Guevara. Assim, nasceu o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), marxista-leninista, que fez proezas com armas, sendo a mais famosa o sequestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick.
Em 1976, clandestino, o MR-8 se abrigava numa das correntes do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido que recebeu o apelido de Manda Brasa e fazia oposição à Aliança Renovadora Nacional (Arena), de sustentação do regime de 1964. Dante de Oliveira militava no MR-8, que conheceu nos meios universitários do Rio, onde se formou em engenharia civil.
ESSENCIALMENTE POLÍTICO – Dante de Oliveira iniciou sua trajetória na vida pública em 1976, ano em que se candidatou, mas não conseguiu se eleger vereador pelo MDB de Cuiabá, ficando na suplência da bancada emedebista formada por Gilson de Barros, Odil Moura, João Torres e Aldísio Cruz. O resultado não o esmoreceu. Ao contrário, injetou mais sangue político em suas veias e, dois anos depois, o eleitorado lhe outorgou mandado de deputado estadual pelo Manda Brasa, juntamente com Márcio Lacerda, Isaías Rezende, Paulo Nogueira, Roberto Cruz, Jalves de Laet e João Torres.
Em 1982, pelo PMDB, Dante de Oliveira se elegeu deputado federaljuntamente com os correligionários mato-grossenses Gilson de Barros, Márcio Lacerda e Milton Figueiredo e os governistas do PDS Jonas Pinheiro, Ladislau Cristino Cortes, Bento Porto e Maçao Tadano. O PMDB e o PDS surgiram com o fim do bipartidarismo da Arena e Manda Brasa; o primeiro na verdade durante muitos anos foi a nomenclatura do velho MDB, cuja sigla recentemente foi retomada.
O mandato de deputado federal foi interrompido em dezembro de 1985 porque Dante de Oliveira se elegeu prefeito de Cuiabá em outubro daquele ano e assumiu a prefeitura em 1º de janeiro de 1986.
Dante de Oliveira conquistou a prefeitura com 61% dos votos, mas permaneceu pouco tempo no cargo. Em 28 de maio de 1986 renunciou e o vice-prefeito coronel da reserva do Exército Estevão Torquato (PMDB) cumpriu o restante do mandato. Com a renúncia, o Homem das Diretas trocava a prefeitura pelo cargo de titular do recém-criado Ministério da Reforma Agrária e do Desenvolvimento Agrário criado pelo presidente da República José Sarney.
O ministério, ao invés de abrir portas a Dante de Oliveira, fechou até as janelas do PMDB para ele. À época, nos bastidores se dizia que o presidente regional do partido em Mato Grosso, Carlos Bezerra, costurou a fritura de Dante de Oliveira com José Sarney. Essa fritura na verdade começou um ano antes, quando Bezerra praticamente impôs a candidatura de Dante de Oliveira a prefeito de Cuiabá, para evitar sua concorrência partidária na candidatura ao governo em 1986 – pleito que foi vencido por Bezerra.
Em 1990, sem mandato e rompido com o PMDB, Dante de Oliveira disputou eleição para a Câmara dos Deputados, foi o candidato mais votado para o cargo em Mato Grosso, mas seu novo partido, o PDT, não alcançou quociente para ocupar cadeira. Dois anos depois, pelo mesmo partido, elegeu-se prefeito de Cuiabá, mas interrompeu o mandato ao se desincompatibilizar para disputar e vencer a eleição para governador. O Homem das Diretas deixou a prefeitura em 30 de março de 1994, sendo substituído pelo vice-prefeito coronel da reserva do Exército José Meirelles.
A vitória ao governo foi massacrante. No primeiro turno Dante de Oliveira recebeu 75% dos votos válidos, derrotando Osvaldo Sobrinho (PTB), que era vice-governador de Jayme Campos (PFL). Quatro anos depois, filiado ao PSDB, tornou-se o primeiro governador reeleito democraticamente em Mato Grosso; naquela eleição o Homem das Diretas recebeu 54% da votação em primeiro turno, batendo seu principal adversário, o então senador Júlio Campos (PFL e agora DEM); mais tarde Júlio seria deputado federal e conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.
Em março de 2002 Dante de Oliveira transmitiu o governo ao vice-governador e correligionário José Rogério Salles, para disputar mandato de senador, mas foi derrotado. Dante de Oliveira recebeu 439.436 votos (19,84%) e os vencedores foram: Jonas Pinheiro (PFL – 612.200 votos) e Serys Slhessarenko (PT – 574.701 votos). Naquele pleito as cúpulas petista e pefelista se uniram em defesa do voto casado para Jonas e Serys, cartada que foi fatal e jogou por terra a candidatura do Homem das Diretas.
Quatro anos após a disputa ao Senado, Dante de Oliveira se lançou candidato a deputado federal tucano, mas em 6 de julho foi derrotado pelo diabetes. Sua mulher, Thelma de Oliveira, também tucana, assumiu a candidatura que seria do marido e se elegeu deputada federal.
DEPUTADOS O ABANDONAM – Eleição se perde ou se vence. Este é o entendimento dos políticos, mas quando a derrota é seguida pela traição de companheiros seu gosto é muito mais amargo ainda.
Em 2002, Dante de Oliveira perdeu a disputa ao Senado e seu candidato a governador, o então senador tucano Antero Paes de Barros, foi derrotado em primeiro turno por Blairo Maggi (PPS). Porém, para a Assembleia Legislativa o PSDB e os partidos de seu arco de aliança foram vencedores. No entanto, os deputados eleitos pelo grupo de Dante de Oliveira, à exceção de Carlão Nascimento (PSDB), debandaram para a base de sustentação de Blairo Maggi. Os eleitos pelo PSB, PTB e PMN também trataram de mudar de camisa e na bancada do PMDB, com três integrantes, somente Zé Carlos do Pátio não bandeou para o lado do novo dono do poder. A debandada teria magoado o Homem das Diretas, segundo revelam fontes que eram ligadas a ele.
O grupo de deputados estaduais que debandou para a base de sustentação do novo governador escreveu a maior página do adesismo político em Mato Grosso em todos os tempos. Esse grupo é formado por José Riva, Dilceu Dal’Bosco, Chico Daltro, Pedro Satélite, Renê Barbour e Alencar Soares (todos foram eleitos pelo PSDB); Mauro Savi e Eliene Lima (ambos eleitos pelo PSB); Sérgio Ricardo, eleito pelo PMN; e Sebastião Rezende, que trocou o PTB – que se rotulava independente – pelo PPS de Blairo Maggi.
ADEUS – Longe dos olhos do povo, Dante de Oliveira travava uma guerra permanente contra um inimigo que corria em suas veias: diabetes. Na manhã de 6 de julho de 2006, o Homem das Diretas entrou no Hospital Jardim Cuiabá, em Cuiabá, em busca de atendimento. Seu quadro de saúde agravou-se rapidamente. Durante 12 horas uma equipe lançou mão de todos os recursos possíveis na tentativa de salvá-lo; tudo em vão. A frieza do comunicado médico revelou que o paciente perdera a luta contra uma infecção generalizada causada por pneumonia agravada com agudo quadro de diabetes.
Mato Grosso perdeu o convívio com a lucidez democrática de seu filho mais conhecido no Brasil, mas herdou o legado de uma das figuras mais respeitadas no mundo político nacional nas últimas décadas: Dante de Oliveira.
Dante de Oliveira deixou a viúva Thelma de Oliveira, ex-deputada federal pelo PSDB e agora prefeita de Chapada dos Guimarães. Era filho de Sebastião de Oliveira, o Doutor Paraná, ex-deputado constituinte estadual no pós-ditadura Vargas, e de dona Maria Benedita de Oliveira.
EDUARDO GOMES/blogdoeduardogomes
FOTOS:
1 e 2 – Agência Câmara
3 – El Deber/Bolívia
4 – Dinalte Miranda
5 – Fablício Rodrigues
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