Boa Midia

40 Anos – De compromisso

Um registro nesta página tenta não deixar apagar da memória coletiva a demolição da vila Estrela do Araguaia para a criação da reserva indígena Marãiwatsédé dos índios xavantes, no Vale do Araguaia.

Estrela do Araguaia era o nome oficial da vila popularmente chamada de Posto da Mata, que não passava de um improvisado núcleo  residencial urbano como tantos outros Brasil afora. Não tinha a mínima infraestrutura e convivia com o vácuo do Estado em sua amplitude federativa. Mesmo assim era uma comunidade de povo feliz, sonhador, trabalhador, que ali se renovava na segunda geração nascida de ancestrais pioneiros.

A paz e a ocupação pacífica de Posto da Mata, no entroncamento da BR-158 com a BR-242, avançaram por três décadas, até que em dezembro de 2012 a soldadesca armada até os dentes avançou sobre a indefesa população dando cobertura aos tratores e outros equipamentos usados para jogarem abaixo as casas, igrejas, escolas, posto de saúde, estabelecimentos comerciais e tudo mais que fosse construção.

O Mato Grosso patriótico, que bota sua gente acima de qualquer interesse chorou a demolição de Posto da Mata e a retirada dos moradores que ocupavam a vastidão da área de 155 mil hectares oficialmente chamada de Gleba Suiá-Missú, mas conhecida na região como antiga fazenda do papa.

Por ordem do Supremo Tribunal Federal, policiais federais, patrulheiros da Polícia Rodoviária Federal e efetivos da Força Nacional com apoio logístico do Exército jogaram às margens das estradas, fora da antiga fazenda do Papa, quase cinco mil velhos, mulheres grávidas, portadores de necessidades especiais, crianças, trabalhadores de mãos calejadas.

O Brasil encastelado em Brasília feriu a cidadania nacional como nunca antes.

O que foi aquilo?

Foi uma desonra nacional.

A Gleba Suiá-Missú em Alto Boa Vista, São Félix do Araguaia e Bom Jesus do Araguaia integrou a gigantesca fazenda de igual nome e que pertencia a Agip – um dos braços empresariais do Vaticano. Depois de explorada ao extremo, a Agip vendeu suas melhores áreas mantendo ao sul a parcela ocupada por posseiros com as bênçãos do então bispo de São Félix do Araguaia, dom Pedro Casaldáliga (hoje bispo emérito). Mantendo os posseiros na parte menos produtiva do latifúndio do Vaticano, Casaldáliga defendia o patrimônio da Santa Sé e acomodava a questão social que era muito turva em razão da luta pela posse da terra na região.

No evento ecológico ECO-92, no Rio de Janeiro, a Agip doou a antiga fazenda do papa ao governo brasileiro. As ONGs com as bênçãos da Funai se encarregaram do resto.

O governo de Mato Grosso não assumiu a defesa dos posseiros. A Federação da Agricultura e Pecuária (Famato) botou o rabo no meio das pernas e ficou calada. Somente a Assembleia Legislativa assumiu a causa dos moradores em Posto da Mata. Os deputados José Riva, presidente, e Adalto de Freitas, apresentaram um projeto que foi aprovado autorizando o governo a negociar com a Funai o Parque Estadual do Araguaia – área com o dobro da antiga fazenda do papa e com a vantagem de não ser antropizada como a terra destinada aos índios. Funai, Ministério Público Federal (MPF) e ONGs disseram “não”.

Publicamente nenhuma instituição – incluindo igrejas – compartilhou a dor dos que foram expulsos de suas casas, de suas lavouras.

Em 2013 Posto da Mata saiu do noticiário. Suicídios, desestabilização social, desagregação familiar e a metamorfose da transformação da mesa farta na miséria. Nada disso despertou interesse em Cuiabá e Brasília.

Retrato do Mato Grosso carente de líderes, ora com o governo fragilizado por prisões e afastamento de secretários; com a Assembleia chafurdando em meio a incontáveis denúncias de corrupção de seus membros; com o Tribunal de Contas do Estado com cinco conselheiros afastados pelo STF sob a acusação de recebimento de R$ 53 milhões em propinas; com a bancada federal duramente atingida pela delação homologada do ex-governador Silval Barbosa.

Mato Grosso de autoridades enlameadas é a mesma unidade federativa que não tem nenhuma política social para abrigar seus cidadãos que de uma hora para outra são arrancados de seus lares e jogados na rua.

Ao chegar aos 40 anos de sua redefinição territorial com a emancipação de Mato Grosso do Sul é tempo de Mato Grosso assumir seu compromisso com sua gente, ainda que boa parte de suas autoridades esteja num lodaçal que se compara à sujeira feita pela mão poderosa da União contra os posseiros na antiga fazenda do papa.

 

Eduardo Gomes de Andrade
Editor
blogdoeduardogomes2017@gmail.com

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