Boa Midia

40 Anos – Capitalismo e corrupção são siameses

Sempre que inciarmos qualquer espécie de investigação é prudente buscar a origem das coisas e das ideias, as quais se deseja debater, justamente para manter-se fidelidade ao objeto da inquirição. Faço aqui um breve ensaio, dentro do espaço que generosamente me é concedido, para discorrer sobre uma face do fenômeno da corrupção, já com as premissas de que o conhecimento desta faceta remonta ao período do surgimento do “home sapiens”, portanto a corrupção não é recente; como justificação para seu enfrentamento se destruíram direitos; e a corrupção é o efeito “Orloff” do capitalismo.

Esmiuçando: quando descobria que a caça e a comida rareavam, o homem primitivo se deslocava de seu território para um novo ambiente, e confrontava outros clãs na disputa pelo novo espaço (posse) de caça, gerando conflito decorrente da propriedade capitalista. As técnicas de fabricação de armas e a descoberta da pólvora só vieram a piorar as coisas.
Quanto ao “combate” à corrupção, por tresloucada operação dos “lavajateiros” paranaenses, em seu nome foi destruída a indústria nuclear nacional do Brasil, as empresas de engenharia foram à lona, a maior empresa nacional, a Petrobras, e o petróleo do pré-sal estão sendo entregues a estrangeiros. Tudo no sistema 0800 (zero oitocentos), de graça. E os capitalistas extrafronteiras aplaudem vigorosamente.

Por fim, uma publicidade antiga de uma bebida destilada garantia o fim da ressaca, criando a metáfora “efeito Orloff”. O comercial mostrava uma pessoa bebendo e confraternizando com amigos num dia, e lhe era apresentado argumento de que a ressaca seria um efeito danoso, mas não desejado, na manhã seguinte. A corrupção está para o capitalismo como a ressaca está para o delicioso “happy hour” com os amigos. A corrupção só existe porque o capitalismo é o que é, como gêmeos siameses.

Sem xingamentos, por favor!

Cansa ouvir pessoas dizendo que “não respeitamos fila”, “furamos o sinal vermelho”, “não damos esmola”, portanto somos todos corruptos. Eu recuso peremptoriamente esta explicação e busco fundamento na obra de José Antonio Martins, onde “Corrupção”, filologicamente tratada, seria “ruptura das estruturas, quando se destrói o fundamento de algo” (MARTINS, 2008, p. 12).

Ora, quando nega ceder assento a um idoso no ônibus a pessoa comete ato imoral, mas está bem distante da conduta de um médico que deixa de emitir recibos a quem lhe paga a consulta. Além de ato corrupto se trata de crime de sonegação fiscal (Lei n. 4729, de 14/07/1965). E fraudar uma venda feita a órgão público, praticando sobrepreço e superfaturamento, é ainda pior. Hipoteticamente o fornecedor de um produto que custa R$ 100,00, muda a tabela quando vende a mesma coisa para a prefeitura, cobrando o preço de R$ 130,00, para permitir o “retorno”, ou pagamento de propina, aí sim estaríamos diante de uma conduta punível.

Note-se que o capitalismo prometia uma vida de luxo e conforto para todas as pessoas na face da terra, garantindo que uma tal meritocracia e liberdade para empreender seriam o passaporte para a riqueza, felicidade total e a prosperidade de todos os seres humanos. Só que não.

Um estudo da Oxfam, entidade vinculada à Universidade de Oxford, publicado em setembro de 2017, mostra que os 6 brasileiros mais ricos possuem a mesma riqueza que a metade mais pobre da população brasileira, que totaliza mais de 100 milhões de almas. Curiosamente pesquisamos a existência de processos judiciais em nome dos 6 milionários, e surgem evidências de que na lista há pessoas de algum modo ligadas a uma “ruptura das estruturas”, conhecida como corrupção. São casos de sonegação de tributos, concorrência desleal, violação de direitos de imagem, cobrança de juros abusivos, venda de produtos que causam danos à saúde da população, entre outros.

Portanto se pode concluir: somos todos honestos, talvez a maioria de nós seja imoral, mas não praticantes de corrupção. Esta é reservada para as disputas capitalistas, em que as pessoas buscam desesperadamente responder aos estímulos da sociedade de consumo, fraudando contratos, simulando pagamentos e sonegando impostos. Há uma certeza: se a pessoa garante praticar todos os atos defendidos pelo capitalismo, seguramente estamos diante de um corrupto confesso, que merece as sanções adequadas à espécie.

Vilson Pedro Nery, advogado especialista em Direito e Controle Externo na Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Mestrando em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

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