De nada mais a acrescentar

Entre a guerra do Brasil (aliado com Argentina e Uruguai) com o Paraguai, e o coronavírus, há algo em comum. No primeiro momento pode até parecer estranho, mas existe um quê entre os dois episódios, mesmo sendo separados por 150 anos e em cenários completamente diferentes: um em campos de batalha cobertos de corpos, e outro em paz.

Augusto João Manuel Leverger, francês, lobo do mar, almirante mercenário que colocou sua espada a serviço da bandeira que o pagava, veio para Mato Grosso e o governou algumas vezes. A ele o Brasil deve a antecipação do fim da guerra travada com os paraguaios, e Cuiabá, de joelhos, tem motivos de sobra pra agadecê-lo.
O almirantado paraguaio decidiu invadir Cuiabá e Cáceres. Se conseguisse tais objetivos a guerra poderia tomar rumo desfavorável aos países liderados pelo Brasil, que formavam a Tríplice Aliança.
A invasão de Cuiabá estava planejada, o Brasil sabia e milhares de cuiabanos fugiram da cidade indo se esconder no cerrado em Chapada dos Guimarães, Acorizal e região. Leverger assumiu mais uma vez o governo. Seguiu com uma tropa para uma elevação onde hoje se situa a cidade de Barão de Melgaço, e ali, instalou potentes canhões enquanto seus comandados mudavam o curso do rio Cuiabá para deixá-lo mais próximo do ponto de defesa escolhido por ele.
Desviar o caudaloso Cuiabá sem sequer uma máquina, apenas com o trabalho braçal não é façanha para qualquer um, ainda mais em tempo de guerra, quando se trabalha contra o relógio. O almirante o fez.

Solano López foi informado e abortou a investida, pois conhecia a fama do lobo do mar.
Leverger virou Barão de Melgaço. Herói nacional. Duas cidades o reverenciam: Barão de Melgaço e Santo Antônio de Leverger. Fundou e empresta seu nome à Academia Mato-grossense de Letras. Descansa em paz na cidade que salvou da invasão paraguaia, a exemplo do que aconteceu com Corumbá.
Ainda no mesmo período e circunstância, outro governador, esse mineiro, jornalista, advogado, poliglota, escritor e estadista nato, José Vieira Couto de Magalhães, criou um presídio militar à margem direita do rio Cuiabá, diante da capital, para confinar os paraguaios residentes em Mato Grosso. Essa unidade prisional evitou sabotagens e resultou no surgimento de Várzea Grande. Estrategista, Couto Magalhães construiu navios em Cuiabá, os desmontou e em lombos de burros e carroções os levou para Araguaiana, à margem do rio Araguaia, para buscar combatentes no Pará, Maranhão e Norte de Goiás, mas o tempo gasto com a construção e transporte nao conseguiu botar em prática seu plano, em razão do término daquele que foi o maior conflito armado na América do Sul.
A população cacerense foi salva por um fenômeno da natureza chamado balseiro, porém, mais conhecido por tapagem – aguapé e outras vegetações aquáticas e ribeirinhas se desagarram nas cheias e formam verdadeiras ilhas, extensas, largas e profundas no rio Paraguai. Seria arriscado os navios de guerra tentarem passar por essas barreiras naturais, que exigiriam a parada das embarcações para a remoção, o que as tornaria vulneráveis.
Em paz, com a população sempre exigindo direitos e com boa parte da Imprensa, formadores de opinião e figuras expressivas no colo político do poder em sua abrangência. Nesse cenário surge o coronavírus em Mato Grosso.

Permitam-me retroagir. Em 2002, pouco tempo após sair de Rondonópolis para Cuiabá, morava no bairro Araés, num prédio habitado por algumas figuras da sociedade. Sempre utilizei o elevador de serviço. Na virada do ano, enquanto aguardava na garagem do subsolo, para subir, uma moradora da elite se aproximou com algumas compras – o que a fazia compartilhar o elevador comigo, pois elevador social não permite pacotes e embrulhos. Nos cumprimentamos, e ela, deslumbrada, embora não me conhecesse, insistia em dizer que estava muito alegre, “porque nosso amado, querido e fabuloso governador (Blairo Maggi) mudou o horário da posse“. Blairo anunciou que seria empossado às 7 horas, mas transferiu a solenidade para três horas depois. Minha nobre vizinha explicou que se o ato acontecesse pela manhã ela não teria tempo para dormir, pois ficaria no reveillon a noite inteira, mas que diante da alteração poderia pegar um cochilo de algumas horas.
Ainda retroagindo, alguns meses depois foi com o colega fotógrafo Geraldo Tavares para uma reportagem sobre o Restaurante Popular, na rua Baltazar Navarros, que funcionava com apoio da Coca-Cola. Eis que a nobre vizinha me recebeu, pois a mesma foi contemplada com um dos cargos de direção daquela instituição social. Comentei com Geraldo sobre o fato, na porta do elevador de seriço, ocorrido em 31 de dezembro; ele me disse, “vocè ainda não viu nada; Cuiabá é assim“.
Volto ao coronavírus. Políticos, Ministério Pùblico, Imprensa, redes sociais e formadores de opinião – com raras exceções – e milhares de outros que bebem água estão calados. O que se ouve não tem nada a ver com a precariedade da rede pública de saúde, nem com a falta de medidas práticas para enfrentar o vírus. A superficialidade dos assuntos abordados é um coletivo ato de cumplicidade com a incompetência e indiferença do governador Mauro Mendes. A forma como a maioria desconversa sobre a situação, machuca, fere e desencanta.

No dia 22 de março iniciei a postagem de uma série sobre o coronavírus, onde mostrei a falta de infraestrutura e de insumos hospitalares e o abandono em que Mato Grosso se encontra na área da Saúde Pública. Desde então, atentamente observo o que diz o governo, a repercussão na mídia e postagens nas redes sociais. Não avançamos um milímetro sequer na prevenção, o que é grave. Se eclodir uma crise de casos estaremos nas labaredas de uma tragédia sem precedentes no continente.
Que Deus não permita a evolução para a morte do quadro daqueles que testaram positivo. Que o Senhor não deixe os casos aumentarem. Que a Mão Divina proteja esse abençoado e ensolarado torrão quase continental cercado pela América do Sul por todos os lados, onde o governador – independentemente de quem exerça o cargo – é sempre amado, querido e fabuloso. E quem é esse merdinha de vírus pra nos botar contra o homem que nomeia e que tem a chave do cofre mais poderoso nessa terra que não sabe se espelhar em Barão de Melgaço e Couto Magalhães, nem reflete sobre o fenômeno da tapagem, em momento tão oportuno, como se o mesmo não tivesse o dedo brasileiro do Criador.
Nada mais a acrescentar!
Eduardo Gomes de Andrade
FOTOS:
1 – blogdoeduardogomes em arquivo
2 e 3 – Arquivo Pùblico
4 – José Medeiros
5 – Organização Mundial da Saúde
Ser mais realista, impossível meu amigo Brigadeiro.
Leda Maria – Cuiabá – via WhatsApp
Brigadeiro e suas aulas em meio a tantas alfinetadas. Parabéns
Raul Gonçalves – Cuiabá – via Facebook