VULTOS MATO-GROSSENSES – Coronel Meirelles

No final dos anos 1960 Mato Grosso sentiu que precisava ocupar o vazio demográfico ao Norte, uma vez que Campo Grande liderava um movimento pela criação de Mato Grosso do Sul. Naquele período o governo federal levou adiante um audacioso projeto sonhado no século XIX pelo governador Couto Magalhães e tempos depois pelo presidente Juscelino Kubitschek – a construção de uma rodovia ligando Cuiabá a Santarém.
Para executar o projeto o governo transferiu para Cuiabá o 3º Batalhão Rodoviário, de Carazinho, no Rio Grande do Sul, e o rebatizou 9º Batalhão de Engenharia de Construção (9º BEC). A instalação aconteceu no dia 31 de janeiro de 1971 e o coronel José Meirelles assumiu seu comando. A missão principal do coronel Meirelles era a construção de um trecho da BR-163 ou Rodovia Cuiabá-Santarém.
A obra da 163 foi delegada ao Exército pelo Ministério dos Transportes e sua execução era considerada estratégica dentro do Plano de Integração Nacional para a ocupação do vazio demográfico amazônico. Dois bordões a inspiravam “Integrar para não entregar” e “Terra sem homens para homens sem terra”. O coronel Meirelles deveria executá-la no sentido Sul-Norte até a divisa com o Pará, numa extensão de 793 quilômetros, onde o 9º BEC se encontraria com o 8º BEC, de Santarém. Porém, o ritmo dos trabalhos foi tão intenso que a frente da obra rumo Norte estendeu seu trecho ao córrego Santa Júlia, no Pará, 321 quilômetros à frente perfazendo a extensão de 1.114 quilômetros.
Discreto, o coronel Meirelles evitava citar nomes importantes na construção. Porém, numa de nossas conversas, em sua casa, em Cuiabá, revelou-me que o topógrafo civil Antônio Nunes Severo Gomes foi exemplar. No comando, o coronel defendia junto ao Incra a regularização fundiária do eixo da rodovia e colaborava com os projetos privados de colonização no Nortão.

Sobre a obra, o coronel Meirelles falava pouco. Mesmo assim arranquei duas informações dele que julgo importantes: foi a companhia aérea Cruzeiro do Sul a executora do serviço de aerofotogrametria da 163. Os acampamentos eram montados às margens dos rios, o que contribuía para o aumento da incidência da malária. Isso o levou a construir carroções montados sobre chassis e os rebocava na medida em que a frente de serviço avançava. As gerigonças foram apelidadas de “Circo do Meirelles”, mas reduziram a taxa da doença. O 9º BEC estava no auge da popularidade. Para evitar possíveis ciumeiras por parte do 16º Batalhão de Caçadores (rebatizado 44º Batalhão de Infantaria Motorizado) em Cuiabá, ele criou o conciliador slogan “Integração é com o 9º BEC e Segurança com o 16º Batalhão de Caçadores”.
Quantos tombaram na construção da BR-163 em Mato Grosso? Não há resposta precisa. Uma placa à margem da rodovia em Novo Progresso (PA) relaciona 21 militares e civis mortos vítimas de acidentes, malária e outras causas. Porém esse número pode ser muito maior, porque soldados e trabalhadores na obra contraíram malária e após seus desligamentos do 9º BEC não há registros sobre cura ou óbito.
Em 1992 Dante de Oliveira se elegeu prefeito de Cuiabá com o coronel Meirelles de vice. Em meados de 1994 Dante deixou a prefeitura para disputar e vencer a eleição ao governo e o coronel Meirelles assumiu o cargo. Certa feita me confidenciou que esteve a um passo da renúncia, diante das pressões de vereadores por dinheiro sujo. Legalista e avesso à corrupção, planejou deixar a prefeitura, mas sua mulher Zulmira Meirelles não permitiu que o fizesse, para não macular sua biografia.
Mineiro de Conselheiro Lafaiete, nascido em 27 de março de 1923, o coronel José Meirelles vencido por um choque hemorrágico causado por um aneurisma fechou os olhos pela última vez 28 de agosto de 2012, aos 89 anos, num hospital cuiabano, levando para o túmulo seu desencantando com a Câmara Municipal de Cuiabá, que segundo ele, era abominável.
Eduardo Gomes – blogdoeduardogomes
FOTOS:
1 – Geraldo Tavares
2 – Dinalte Miranda
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