VLT para ou continua? Cuiabanos devem decidir em plebiscito
Meus amigos, meus inimigos: Difícil encontrar racionalidade na política. O duelo verbal costuma ser a marca das disputas de interesses nesta área. Só porque um está defendendo isso, o outro já se lança na defesa daquilo outro – e vem o bate boca, e a maioria do povo, desgastada, vai tratar de outra coisa.
Politica nos exige, por isso mesmo, o exercício da paciência. Só que a gente sabe que a vida sobrecarrega por demais as pessoas, para que todos exercitem essa paciência. Paciência. Insistamos.
Paciência, por exemplo, com o governador Mauro Mendes (DEM) que, sem mais aquela, depois de dois anos de enrolação, resolvera acabar com o VLT – Veicúlo Leve Sobre Trilhos com uma canetada. Mais de um bilhão de reais investidos e o governador resolveu jogar tudo para o alto, pretendendo retomar com o projeto original, idealizado nos tempos do governador Blairo Maggi, de implantação do BRT – Bus Rapid Trânsit (Ônibus de Transito Rápido).
Vejam que a possibilidade do VLT, lançada no governo de Sival Barbosa (MDB), encantou uma grande maioria porque representa um avanço inegável em nosso estrutura de transporte – e de vida. Nessas duas cidades em que os usuários do transporte público são constrangidos a se amontoarem dentro de ônibus calorentos e lentos, a vida cotidiana certamente tem momentos de muito terror. Com o VLT, com amplos vagões refrigerados e uma velocidade que deixa os ônibus no chinelo, muitos passaram a sonhar com uma espécie de paraiso a deslizar pelas ruas e avenidas de Cuiabá e Várzea Grande.
Entre o sonho e a realidade, lá estavam, claro, os nossos governantes.
Primeiro foram Silval, José Geraldo Riva, Eder Morais, Guilherme Maluf, Sérgio Ricardo e outros que tais que teriam se aproveitado, segundo investiga lentamente o MP, para impor a troca, a toque de caixa do BRT pelo VLT, e faturar um enorme troco da corrupção, em cima do projeto. Ainda não foram delimitadas as devidas responsabilidades mas me lembro com que destaque e com que orgulho, jornais, sites e Tvs exibiram as fotos e os filmetes com esses bípedes emplumados da política de Mato Grosso, possando ao lado dos vagões do VLT lá na Europa.
Divulgado o escândalo, a obra parou. Silval chegou a passar um largo tempo atrás das grades, depois que perdeu o poder. Hoje teria virado pastor evangélico, sumiu daqui, depois de dedurar meio mundo para se livrar do xilindró. E dana a falar de Deus e das coisas do Altíssimo, que essa conversa sempre encontra otários dispostos a ouvi-la, tão marcada é a carência das pessoas.
Claro que não foram 1 bilhão e tanto metidos nos bolsos destes espertalhões porque estão aí os vagões, que atravessaram o Oceano Atlântico para chegar até aqui, os trilhos, as obras de arruamento, os viadutos… Alguém precisa dizer exatamente quanto foi roubado e quanto deve ser devolvido. Mas os riquinhos do Ministério Público parece que não gostam de trabalhar em regime de mutirão, mutrão contra o crime como a gente viu naquele filme do Brian de Palma, Os Intocáveis.Mutirão do MP, aqui no Brasil, foi a Lava Jato, que, como se vê agora, teria produzido novos crimes.
O que não pode acontecer é a omissão que se teve no governo do Zé Pedro Taques (PSDB) e nos dois primeiros anos desse governo de Mauro Mendes. O MP se encolheu e as gestões do Zé Pedro se concentraram em pegar o Silval, usado como trunfo político, mas arrefeceram.
De repente, depois dessa enrolação toda, vem o Mauro Mendes, sempre secundado por seu grande aspone, que é o empresário Mauro Carvalho, para nos dizer que não dá mais, vamos jogar tudo que foi investido no lixo e vamos voltar ao BRT.
A forma como surgiu esta decisão foi inegavelmente draconiana. Mauro Mendes, do alto de sua posição de governador, bateu o martelo e pronto, o que ele pretende é que todos se curvem às suas vontades como se fossemos todos mulher do padre.
Nesta quinta, 4 de fevereiro de 2021, durante a audiência pública para debater a mudança do modal na Grande Cuiabá, surgiu finalmente uma proposta que pacifica a questão, obriga todas as correntes em contenda a deporem as armas do seu sectarismo, e aceitarem que a decisão final deste imbroglio deve caber ao povo, a quem pertence todo o poder em uma democracia como a nossa. E o povo, afinal de contas, será o grande usuário do novo modal. Mauro Mendes transita em grandes carrões, financiados pelo erário, e protegido por numerosos meganhas.
A dupla Emanuel Pinheiro (prefeito de Cuiabá pelo MDB) e Emanuel Pinheiro Neto (deputado federal pelo PTB), jogando afinada, na audiência pública desta quinta, na Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso, lança a proposta do plebiscito, que, no meu parecer, propiciará o debate democrático sobre VLT e BRT, envolvendo a população e todas forças políticas e comunitárias da capital e de Várzea Grande, do qual o governador Mauro Mendes, que optara e exercitara a tal decisão monocrática, parece que tenta fugir.
Com debate aberto e franco, formalmente organizado, dentro dos rigores da Lei, ninguém poderá se esconder, como os deputados Janaina Riva e Lúdio Cabral, Wilson Santos, Carlos Avallone. Faissal Calil, João Batista, Ulysses Moraes e Paulo Araujo, com base eleitoral na Grande Cuiabá, por exemplo, fizeram ao se ausentarem da audiência pública desta quinta-feira, que envolvia decisão tão vital para nossa cidadania, e que deveria ter sido privilegiada por todos, notadamente aqueles que detém a representação política de nossos cidadãos.
Um plebiscito, coordenado e organizado pelo Tribunal Regional Eleitoral, nos termos da legislação e da Constituição Estadual, certamente que é instrumento eficiente para extinguir as briguinhas estéreis, os pitis daqui prali e de lá pra cá, acabando com a frescura e propiciando um debate aprofundado, ao mesmo tempo técnico e político, que reconheça e estabeleça que a decisão não veio nem virá da cabeça de um governante pretensamente iluminado mas, sim, de uma decisão massiva e democrática da maioria de nosso povo.
Como foi apontado na audiência, o plebiscito deve ser organizado de tal forma a permitir a realização de novas audiências, a publicação de cadernos/jornais de teses e propaganda em torno dos dois modais em análise, da veiculação de horário especial de propaganda na TV, para envolver de fato o conjunto da população, e também comicios e manifestações, se a pandemia der um freio e o avanço da vacinação permitir.
Mal terminou a audiência, e a assessoria de Mauro Mendes, coordenada pelo secretário Mauro Carvalho, já distribuiu nota, divulgada de forma acritica pelos jornais amigos e pelos jornalistas amestrados, em que o pomposo aspone define a audiência pública realizada pela Assembleia, por convocação do deputado Valdir Barranco, como “um circo”.
Ora, imagino que, diante da sensatez da proposta que aflorou dessa audiência, não podemos permitir que o governador Mauro Mendes e seus aspones queiram fazer todos que ali estiveram na Assembleia, passarem por palhaços.
O engenheiro do Governo do Estado, Mauricio Detoni, assessor respaldado por um curriculo gigantesco, passou mais de duas horas diante do seu computador, em contato virtual, esperando a oportunidade de defender seu parecer pró BRT. Poderia ter ido caminhando, de onde estava, no Palacio Paiaguás, para exibir no plenário da Assembleia os seus power points e debater bem de perto com os demais participantes, entre os quais, aliás, se encontravam apaixonados defensores das teses de Mauro Mendes, como os vereadores Diego Guimarães, Michelly Alencar e Dilemário Alencar. Lá também esteve, durante praticamente toda a reunião, o presidente da Assembleia, deputado Eduardo Botelho, demonstrando interesse na democratização das informações, como se pronunciou, logo na abertura dos trabalhos.
Não dá pra continuar insistindo na irracionalidade de uma decisão de cúpula, que pretende jogar no lixo volumosos investimentos já feito na implantação do VLT na Grande Cuiabá. O tema é muito sensível e nos cobra o envolvimento decisivo de todos que vivem e trabalham em Cuiabá e Várzea Grande, de forma a mais democrática possivel. O caminho, portanto, é o plebiscito. Palhaçada é querer combater esta proposta com xingamentos e mero achicalhe.
Que bom que está surgindo uma solução democrática para esse rolo. Problemas da democracia devem ser resolvidos com mais democracia – vivia me dizendo o jornalista Antero Paes de Barros nos tempos em que eu andava e militava ao lado do Antero Paes de Barros. Mais democracia, pois.
Enock Cavalcanti, jornalista, advogado, 67 anos, é editor do blogue PAGINA DO E, em Cuiabá
Comentários estão fechados.