Visão de homem público
BR-163 é a nomenclatura predominante na ligação de Cuiabá com Rondonópolis, formada por três rodovias remontadas. São elas: 070/163/364. A 070 se junta às demais no trecho compreendido entre o trevo do contorno do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFMT), campus São Vicente e a capital. No entanto, para nós rondonopolitanos, o nome que a identifica é BR-364.
Creio que praticamente todos os residentes em Rondonópolis há 30, 40 anos, carregam no peito a dor da perda em acidente naquela rodovia, de parente, vizinho, amigo, conhecido ou de figura pública com a qual se simpatizava. Portanto, desde 22 de dezembro de 1972, quando o presidente Emílio Garrastazu Médici a inaugurou, tratou-se de uma rodovia da Vida e da Morte.
Da Vida uma vez que a economia rondonopolitana depende dela ora num ora noutro e em muitos casos nos dois sentidos. Da Morte, pelo trágico rastro de sangue que esparramou pelo asfalto ao ritmo de um estranho balé sobre pneus.

Pelas retas e curvas, subidas e descidas da BR-364 Mato Grosso recebeu de braços abertos milhares de brasileiros em busca das oportunidades que seus lugares de origem lhes negaram. Seu asfalto abriu passagem aos que atenderam o chamamento patríótico do governo para Integrar para não Entregar ou ainda ao bordão agrário do Terra sem Homens para Homens sem Terra. Alguns ficaram pelo caminho, tombaram nas traiçoeiras armadilhas daquela rodovia. Muitos chegaram aos seus destinos e participaram da epopeia da construção de Jangada, Paranaíta, Aripuanã, Juruena, Sinop, Alta Floresta, Conquista D’Oeste, Cláudia, Guarantã do Norte, Mirassol D’Oeste, Nova Marilândia, Porto Estrela, Comodoro, Juína, Nova Mutum, Santa Rita do Trivelato, Jauru, Campo Novo do Parecis, Nova Bandeirantes, Colíder, Rio Branco, Cotriguaçu, Salto do Céu, Nova Santa Helena, Pontes e Lacerda, Curvelândia, Juara, Itaúba, Sapezal, Vera, Carlinda, Campos de Júlio, Nova Canaã do Norte, Nova Guarita, Lucas do Rio Verde, Brasnorte, Colniza, Santa Carmem, Castanheira, Novo Horizonte do Norte, Peixoto de Azevedo, Glória D’Oeste, Matupá, Vale de São Domingos, Reserva do Cabaçal, Nova Maringá, Araputanga, Nova Ubiratã, Feliz Natal, Itanhangá, Ipiranga do Norte, Tapurah, Lambari D”Oeste, São José dos Quatro Marcos, Nova Lacerda, Nova Olímpia, São José do Rio Claro, Tangará da Serra, Denise, União do Sul, Santo Afonso, Apiacás, Rondolândia, Nortelândia, Rosário Oeste, Arenápolis, Diamantino, Alto Paraguai, Nobres e outras cidades.

Nem todos os que vieram prosseguiram pela BR-364 em busca do Chapadão do Parecis, da faixa de fronteira ou do Nortão. Suas margens e seu eixo de influência entre Rondonópolis e Cuiabá encheram os olhos sonhadores de parcela dos que chegavam. Jaciara, São Pedro da Cipa, Juscimeira, Dom Aquino, Guiratinga, Campo Verde, São José do Povo, Pedra Preta, Poxoréu, Primavera do Leste, Santo Antônio do Leste, Tesouro, Paranatinga, Nova Brasilândia, Planalto da Serra e outros municípios acolheram aquela gente, que se juntou aos anfitriões formando novo mosaico social mato-grossense, a exemplo do que aconteceu aos que avançaram em busca de novos horizontes. Rodovia da Vida!
A rodovia interrompia sonhos, criava Viúvas da BR-364, Órfãos da BR-364, Mutilados da BR-364. Dor e sofrimento pelos acidentes sendo a maioria as macabras colisões frontais nas pistas simples ou os capotamentos na Serra de São Vicente. Não por culpa da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que prima pelo profissionalismo, mas pela imprudência, excesso de velocidade ou de carga ou ainda ambos juntos, pelo estresse do motorista uma vez que a rodovia não permitia desenvolver velocidade adequada, o que o levava a se arriscar em ultrapassagens perigosas . Sobre o preto do asfalto o vermelho das veias no adeus à vida. Rodovia da Morte!

Conheci a BR-364 antes da pavimentação. Não era movimentada e não tinha tráfego de carretas nem automóveis de luxo. Não passava de uma estradinha que se deixava cobrir pelo aguaceiro no Inverno Amazônico e que virava um canudo de poeira no Verão Amazônico.
Inverno e Verão era a melhor forma para se identificar as duas estações climáticas em Mato Grosso. O primeiro por conta do excesso de chuva, que dificultava enxergar com nitidez na medida em que criava uma espécie de cortina branca formada pela chuvarada, que tirava a clareza da visão como se fosse neve. Verão dispensa explicação nessa terra ensolarada caracterizada por altas temperaturas.
Não havia asfalto e não faltava paz. Não se ouvia falar em assalto na rodovia. Não se via acidente. Porém, o fluxo migratório iniciado em 1970 levou o Governo Federal a pavimentar duas estradas em Mato Grosso: a BR-364, de Alto Araguaia, na divisa com Goiás, a Cuiabá, e a BR-163, de rio Correntes, município de Itiquira, a Rondonópolis, onde as duas rodovias ganham trecho coincidente rumo Norte.
Rodovia em pista simples a BR-364 (coincidente com a 163 e 070) não mais suportava o tráfego predominantemente de veículos pesados, Iniciou-se a luta por sua duplicação, movimento que se arrasta há mais de uma década e meia.

Repórter que sou, na segunda-feira, 16, cobri a entrega da duplicação de 12 quilômetros da BR-070/163/364 entre os Km 388 e 400 no trevo onde a 070 deixa o trecho coincidente com as outras duas e recebe o nome de Rodovia dos Imigrantes. No mesmo evento, autoridades inauguraram a reforma e modernização de uma Unidade Operacional (UOP) da PRF. Oradores buscaram os mais diversos argumentos para falarem sobre a obra da rodovia e seu significado social e econômico para Mato Grosso. Tentei ouvi-los e acho até que consegui, mas o cidadão rondonopolitano que existe em mim sufocou o profissional da Comunicação. Foi tomado pela emoção ao ver as modernas pistas entregues ao tráfego e lembrei-me da antiga e acanhada via onde a movimentação era feita nos dois sentidos, com os carros colados uns aos outros, em baixa velocidade imposta pelos pesadões, o que não impedia que a mesma recebesse o macabro nome de Corredor da Morte – onde ocorria o maior número de colisões rodoviárias frontais no Brasil.
UOP à parte – por se tratar de um posto compartilhado pela PRF com a Polícia Federal e forças estaduais, além de órgãos de fiscalização sanitária e tributária, importante para a segurança da rodovia – concentro-me na BR-364. A duplicação entre Cuiabá e Rondonópolis está praticamente conluída à exceção dos contornos de Jaciara, São Pedro da Cipa e Juscimeira, e do trecho que começa nas imediações de Jaciara e avança até Juscimeira cruzando São Pedro da Cipa. Segundo o superintendente do Departamento de Infraestrutura de Transportes (Dnit) em Mato Grosso, Orlando Fanaia Machado, o contorno de Juscimeira será concluído em fevereiro e o restante da obra até o final de 2020.
Obra pública não cai do céu e por mais necessária que se faça sua construção é preciso que a mesma tenha padrinho que lute por ela. Com a duplicação da BR-364 não foi diferente. Por questão de justiça é preciso destacar que alguns congressistas vestiram a camisa dessa rodovia, mas que o principal nome para sua transformação num moderno corredor rodoviário é o do senador liberal Wellington Fagundes.
Longe da bajulação, que não é do meio feitio. Sem buscar simpatia do senador e sem atrelamento a ele, mas apenas na minha modesta condição de cidadão rondonopolitano que ao longo de décadas sobreviveu incontáveis vezes ao verdadeiro jogo de roleta-russa que era percorrer a BR-364, o agradeço em meu nome e de minha família por sua atuação decisiva pela duplicação que ora se completa.
A fase da Rodovia da Morte passou. Graças a Deus! Agora temos somente a Rodovia da Vida ligando Cuiabá a Rondonópolis. É muito mais que um presente de Natal antecipado em alguns dias. É uma conquista que foi liderada por um rondonopolitano ex-aluno da antiga Escola Técnica Federal de São Vicente à margem da BR-364.
Pelos que sobreviveram no vaivém da BR-364, obrigado Wellington! Saímos da página do ontem e estamos no futuro, que até recentemente era nebuloso, mas nem tanto para ofuscar sua visão de homem público.
Eduardo Gomes de Andrade – Editor de blogdoeduardogomes
FOTOS:
1, 2, 3 e 4 – Arquivo blogdoeduardogomes
5 – Assessoria Dnit
Comentários estão fechados.