Universidade divisora de época em Mato Grosso
Eduardo Gomes
@andradeeduardogomes
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ANIVERSÁRIO – Desde 10 de dezembro de 1970 a UFMT promove transformações no território mato-grossense, sendo ela a maior

Mesmo isolada do país por falta de acesso pavimentado, cercada pela América do Sul por todos os lados e com a energia oscilante gerada por conjuntos estacionários, Cuiabá ostentando o título de Portal da Amazônia estava no centro das atenções do Brasil por ser a capital de um estado maior que a Bolívia, e que se estendia do Amazonas ao Paraná, de Goiás ao Paraguai, de São Paulo ao Pará, e onde as terras tinham preço de banana. Era um Eldorado que mexia com o imaginário de pecuaristas, agricultores, comerciantes, empresários, profissionais liberais, enfim, com todos. Mudar-se para Cuiabá ou se embrenhar no vazio demográfico para formar fazenda e até mesmo participar da fundação de alguma cidade virou mania verde e amarelo. Porém, para muitos havia um, porém – o mesmo porém que obrigava famílias cuiabanas a mandarem seus filhos para o Rio de Janeiro e outras capitais em busca do ensino superior, que na Terra de Rondon praticamente não existia.

No começo de 1970, neste cenário, o governador Pedro Pedrossian e seu secretário de Educação, Gabriel Novis Neves, foram ao ministro da Educação, Jarbas Passarinho, pedir a criação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Passarinho, amazônida e entusiasta da interiorização dos cursos universitários, levou a demanda ao presidente Emílio Garrastazu Médici, que a abraçou. Para alegria dos 100.860 cuiabanos e dos 18.305 várzea-grandenses, naquele ano Papai Noel chegou mais cedo. Em 10 de dezembro Médici e Passarinho chancelaram a criação da UFMT, que por falta de meios de comunicação à época, foi chamada de Uniselva, por muitos. Transcorridos 55 anos, há mais de uma data a ser celebrada: Mato Grosso comemora um divisor de época – o antes e o depois da UFMT.
As duas canetadas deram o sopro de vida institucional à UFMT, que teve um embrião cuiabano: a incorporação da Faculdade de Direito, criada em 1934, e do Instituto de Ciências e Letras de Cuiabá, instalado em 1966; e no contexto embrionário havia uma joia da coroa: a Faculdade de Medicina que foi instituída no começo de 1970 por Pedro Pedrossian e Gabriel Novis Neves.
No dia seguinte às canetadas, o DIÁRIO DE CUIABÁ publicou em editorial e estampou em manchete a grande vitória mato-grossense, causa que ele abraçou desde sua fundação em 24 de dezembro de 1968 pelo jornalista cuiabano João Alves de Oliveira.
Em 1970, dezembro era mês do inverno amazônico. Cuiabá chovia sem parar. As obras do campus estavam em andamento, mas dependiam do bom humor de São Pedro. Como tudo no Brasil – em se tratando de governo – cronograma é vaga referência, e elas se arrastaram até 1973, o ano em que a UFMT fisgou uma de suas figuras mais emblemáticas, a professora Maria Lúcia Cavalli Neder.
Professora recém-formada no interior paulista, Maria Lúcia desembarcou em Cuiabá no mês de fevereiro de 1973 e foi enleada por uma conspiração amorosa formada pelo calor, o azul do céu e o quê de encanto desta cidade que brotou bem no centro da América do Sul. À época, homens e máquinas trabalhavam “Em ritmo de Brasília”, como se dizia, em alusão ao piscar de olhos que foi a construção da capital federal pela ousadia do visionário estadista Juscelino Kubitschek. A correria era para concluir a construção da UFMT.
Encantada pelo calor e o azul do céu, Maria Lúcia bateu às portas da UFMT. Foi atendida por Gervásio Leite. Esse encontro da menina-mulher com a Universidade em construção foi o primeiro passo de uma caminhada ditada por uma paixão avassaladora ao longo de 45 anos ininterruptos, que a cada segundo mais e mais as fez complemento uma da outra e vice-versa. Esse quase meio século de boa e salutar cumplicidade resultou numa arejada, fértil e fabulosa relação bem proveitosa para ambas. Para a normalista foi mais que uma função, pela multiplicidade de suas atribuições – sem abrir mão da missão de professora que lhe proporcionou amizades sinceras, alargou horizontes profissionais com a conquista do mestrado e do doutorado. Para a Instituição virou marco referencial, pois aquela professora menina no ontem foi agente da sua maior guinada física no campus de sua sede em Cuiabá e nos demais campi, quando sua reitora por dois mandatos (2008/16).
Deputado constituinte em 1947, presidente da OAB regional, desembargador do Tribunal de Justiça, escritor com várias obras publicadas, membro e presidente da Academia Mato-grossense de Letras, jornalista e professor da UFMT, Gervásio Leite que a acolheu foi uma das figuras mais notáveis de Mato Grosso em sua época.
T’CHEGADA – Desde o primeiro momento Cuiabá abraçou a UFMT. Não era segredo para ninguém que Mato Grosso daria um grande salto desenvolvimentista. O ministro do Planejamento, João Paulo dos Reis Velloso, elaborou um plano tão ousado que tinha contornos de pirotecnia. A Universidade não podia ficar para trás, por ela em si, e pela correspondência que se projetava para sua relação com o novo Mato Grosso, que inevitavelmente seria desmembrado para a criação de Mato Grosso do Sul, o que aconteceu em 1977.
João Celestino Corrêa Cardoso Neto era um nome estranho a Cuiabá. Porém, se alguém se referisse a ele por seu apelido, João Balão, a cidade inteira saberia de quem se tratava. Maior empreendedor na noite cuiabana, João Balão também estendeu a mão à UFMT.
Pantaneiro, pecuarista e investidor, João Balão também era médico-veterinário, e estendeu a mão à UFMT compondo seu Conselho Diretor ao longo da década de 1970, período inicial e o mais difícil da UFMT, tendo assinado inúmeras e importantes resoluções do Conselho, à época, presidido por Gabriel Novis Neves.

A UFMT foi além dos muros de seus limites em Cuiabá, onde seu campus é denominado Cidade Universitária Gabriel Novis Neves. Ela tem um campus compartilhado pelas cidades conurbadas de Barra do Garças e Pontal do Araguaia, outro em Sinop e mais um em Várzea Grande; o campus de Rondonópolis emancipou-se tornando-se a Universidade Federal de Rondonópolis.
Nenhuma instituição é tão capilarizada em Mato Grosso quanto a UFMT. De suas turmas, nos diversos cursos de graduação presenciais e à distância, pós-graduação e doutorado, saíram, dentre outros, de Cáceres, o engenheiro civil Adilson Reis, que foi a maior autoridade sobre a Hidrovia Paraná-Paraguai; de Sinop, o pesquisador agronômico Ângelo Maronezzi; de Água Boa, a vereadora e ex-vice-prefeita Rejane Garcia; de Rondonópolis, o prefeito e biólogo Cláudio Ferreira; de Cuiabá, a nutricionista Yasmin Ribeiro, que é referência em confeitaria; de Aripuanã, o professor Valdecy Vieira, que foi vereador e por 23 anos coordenou a Escola Estadual São Francisco de Assis; de Juína, o médico Ságuas Moraes, que foi prefeito do município, deputado estadual e deputado federal; de Barra do Garças, o professor de Educação Física Sivirino Souza dos Santos, que é vice-prefeito; de Nossa Senhora do Livramento, o advogado Chico Monteiro, que foi prefeito e deputado estadual; de Poxoréu, o desembargador do TJ Juvenal Pereira da Silva; na aldeia Katyola Winã, da etnia Haliti-Paresi, em Campo Novo do Parecis, a veterinária Francisneide Avelino Kanezaquenazokaero; de Várzea Grande, a professora e ex-deputada estadual Zilda Pereira Leite de Campos; de Luciara, na aldeia São Pedro, da etnia Kanela, a matemática Jeandra Kanela; e de Vila Bela da Santíssima Trindade, o médico e prefeito André Bringsken. Na esfera da honraria, a UFMT concedeu o título de Doutor Honoris Causa ao bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, Dom Pedro Casaldáliga.
Na composição do Tribunal de Justiça, há alguns anos, é forte a presença de desembargadores ex-alunos da UFMT. No pleno atual, dentre outros, Marilsen Andrade Addario, Marcos Henrique Machado, Helena Maria Bezerra, Orlando Perri, Marcos Regenold, Lídio Modesto, José Luiz Leite Lindote, Maria Helena Póvoas, Clarice Claudino, Márcio Vital, Serly Marcondes e Antônia Siqueira.