Boa Midia

40 Anos – Um professor no olho da rua

Aos sábados, domingos e feriados nacionais CURTAS será substituída por capítulos do livro  “Dois dedos de prosa em silêncio – pra rir, refletir e arguir“, escrito e publicado em 2015 pelo jornalista Eduardo Gomes de Andrade, sem apoio das leis de incentivos culturais. A obra foi ilustrada por Generino. Capa: Édson Xavier.

 

 

Capítulo:

Um professor no olho da rua

 

Aquela não era uma turma qualquer da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Pelo contrário, tinha um quê especial por ser integrada por algumas pessoas que posteriormente ocupariam lugar de destaque no contexto político e social mato-grossenses.

Tratava-se de um grupo de 67 alunos do quarto ano do curso de Direito, que entre outros era formado por Chico Monteiro, Benedito Alves Ferraz, Branco de Barros, Airton Reis, Leopoldino Marques do Amaral e Serys Slhessarenko. Monteiro seria prefeito de Nossa Senhora do Livramento e deputado estadual. Alves Ferraz presidiria a Assembleia Legislativa e fundaria o diário Jornal do Dia. Branco de Barros seria prefeito de Várzea Grande, deputado estadual e conselheiro do Tribunal de Contas do Estado. Leopoldino seria juiz de direito e vice-presidente da Academia Mato-grossense de Letras; e seria brutalmente assassinado a tiros no Paraguai, depois de denunciar supostas irregularidades praticadas no Tribunal de Justiça, por desembargadores e juízes.

A UFMT era orgulho de Mato Grosso e um dos marcos da interiorização do ensino superior brasileiro. E aquela turma era referencial, mas havia um porém.

Ninguém, mas ninguém mesmo naquela turma de Direito engolia o professor Leonardo Slhessarenko, que ministrava a desnecessária – tanto assim que foi abolida do currículo – EPB, sigla que esmiuçada significava Estudos de Problemas Brasileiros.

Leonardo era a personificação do carrasco. Acadêmico com ele tinha regalia de aluno do então curso primário, ou seja, nenhuma.

Linha-dura! Esse era o tratamento que à época, pelas costas, os integrantes daquela turma de Direito da UFMT davam a Leonardo, uma fera em classe.

Cansados da truculência de Leonardo, os alunos decidiram que deveriam expulsá-lo da classe, mesmo sabendo que corriam risco pelo momento institucional então vivido pelo país. Uma assembleia na penumbra traçou o destino do professor.

Todos os alunos sabiam o que deveria ser feito com Leonardo. Faltava        porém quem tivesse a ousadia de executar a missão confiada pela turma. Foi aí que ela entrou em cena:

– Eu boto o homem pra fora! – assegurou com perfumada firmeza feminina.

– Você? – questionaram todos. E ela não deixou por menos: balançou a cabeça afirmativamente.

Chegou o momento esperado e a turma estava apreensiva. Quando a porta se abriu e Leonardo entrou para a intragável aula de EPB, ela o encarou feio. De dedo em riste e aos gritos, não levou em conta que era sua mulher e o botou pra fora.

A classe delirou com aquela gaúcha um pouco menina um pouco senhora, de frágil aparência. Naquele momento, em 1970, ela se mostrava, pela primeira vez no centro da América do Sul, a mulher pública guerreira corajosa que era e continuaria sendo: Serys Slhessarenko, deputada estadual em três mandatos consecutivos e primeira e até agora única senadora nesta terra abençoada e ensolarada do marechal Cândido Mariano da Silva Rondon e que tão bem a acolheu quando deixou seu torrão no Rio Grande do Sul.

 

EDUARDO GOMES

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