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Sub-rogação do Funrural: o que está em jogo e como a decisão do STF pode impactar o agronegócio

Wanessa Zagner*

CUIABÁ

Imagine vender seu gado, sua soja ou seu milho e descobrir que, além de cuidar da lavoura ou do rebanho, ainda há uma contribuição previdenciária que precisa ser paga, o Funrural. Agora, pense que, em vez de o produtor recolher esse valor, quem faz isso é o frigorífico ou a empresa que comprou sua produção. É exatamente sobre essa “troca de papéis” que trata a sub-rogação do Funrural, um tema técnico, mas que movimenta bilhões e pode mudar a forma como o agronegócio brasileiro se organiza financeiramente.

O Funrural (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural) é uma contribuição social destinada à previdência, cobrada sobre a comercialização da produção rural. Na prática, o produtor rural pessoa física deve recolher o tributo como forma de contribuir para o sistema previdenciário, assim como empresas e trabalhadores urbanos fazem com o INSS.

A sub-rogação é um mecanismo que transfere a responsabilidade do pagamento do produtor rural para quem compra sua produção, como frigoríficos, cooperativas e cerealistas. Ou seja, o frigorífico retém o valor do Funrural e o repassa à Receita Federal em nome do produtor. O objetivo inicial, segundo a Receita Federal, era facilitar a fiscalização e garantir maior eficiência na arrecadação, já que é mais fácil controlar grandes empresas compradoras do que milhões de produtores individuais espalhados pelo país.

Com o tempo, o modelo passou a ser questionado judicialmente. Empresas do setor agroindustrial alegam que não existe base legal que as obrigue a recolher o tributo em nome de terceiros, o que violaria o princípio da legalidade tributária, previsto na Constituição.

Em 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) chegou a formar maioria de 6 votos a 5 pela inconstitucionalidade da sub-rogação, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.395. Na prática, a decisão reconhecia que não há norma válida que obrigue frigoríficos a recolher o Funrural no lugar do produtor rural pessoa física. No entanto, o resultado ainda não foi oficialmente proclamado.

A indefinição sobre o voto do ministro Marco Aurélio Mello (já aposentado) gerou insegurança jurídica e adiou o desfecho. Diante disso, o ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão de todos os processos sobre o tema, até que o Supremo finalize o julgamento. Se o STF confirmar a inconstitucionalidade, a responsabilidade de recolher o Funrural voltará integralmente ao produtor rural pessoa física, e o Fisco não poderá mais cobrar o tributo das empresas compradoras.

Segundo estimativas da Consultor Jurídico, a mudança pode representar um impacto de R$ 20,9 bilhões para a União em cinco anos, além de abrir espaço para ações de restituição por parte dos frigoríficos que pagaram o tributo indevidamente.

Empresas do setor afirmam que a sub-rogação desequilibra o fluxo financeiro, pois são obrigadas a recolher contribuições de valores altos sem margem proporcional de lucro.
Posso dizer, por experiência própria, que essas empresas operam com margens muito pequenas e grande volume. O Funrural sub-rogado se torna uma despesa pesada e injusta.

Enquanto isso, frigoríficos acumulam dívidas que, em alguns casos, ultrapassam R$ 60 milhões a R$ 100 milhões, e produtores rurais continuam sem clareza sobre quem deve efetivamente recolher o tributo. Mais do que uma discussão técnica, o debate sobre a sub-rogação do Funrural toca em um ponto central da economia brasileira: o equilíbrio entre a arrecadação tributária e a segurança jurídica de quem produz.

O agronegócio é um dos pilares da economia nacional e sustenta boa parte do PIB, das exportações e do emprego no país. Decisões como essa, portanto, não afetam apenas frigoríficos ou produtores, mas toda a cadeia do agro, da fazenda ao consumidor.

Enquanto o Supremo não bate o martelo, o setor segue convivendo com a incerteza. No fim das contas, o que está em jogo não é apenas quem paga o tributo, mas como construir um sistema mais justo, capacidade contributiva, transparente e sustentável para todos os elos da cadeia produtiva do agronegócio brasileiro.

*Wanessa Zagner Gonçalves é especialista em Direito Tributário e do Agronegócio

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