Segurança na fronteira é competência da União e não de Mato Grosso

No primeiro dia de seu Serviço Militar numa unidade da Aeronáutica o soldado aprende que em nenhum lugar do mundo se constrói base aérea em região de fronteira. A razão é óbvia do ponto de vista estratégico e dispensa comentário.
Em todas as unidades das Forças Armadas o soldado que presta Serviço Militar aprende que segurança em fronteira é atribuição militar e que os crimes transnacionais e contra brasileiros no exterior são de competência da polícia judiciária da União, a Polícia Federal – que no tocante ao território estrangeiro tem prerrogativas de investigação com base no princípio da extraterritorialidade.
Mesmo assim, no primeiro dia deste agosto, Mato Grosso foi colhido de surpresa com uma nota distribuída às redações pelo Centro Integrado de Operações Aéreas da Polícia Militar de Mato Grosso (CIOPAER) revelando um projeto de sua autoria para a construção e estruturação de uma base na fronteira mato-grossense. Em sua essência o texto diz:
Diante desses resultados, o CIOPAER-MT apresentou hoje (01.08.19), na reunião mensal do GGI/Municipal de Cáceres – Gabinete de Gestão Integrada, na cidade de Cáceres-MT, o projeto denominado BASE FRONTEIRA CIOPAER, que consiste em instalar e estruturar a primeira base da Unidade Aérea na região de fronteira mato-grossense, cujo objetivo é melhorar a logística de combate aos crimes praticados na fronteira, através do apoio aéreo às operações conjuntas com demais órgãos da segurança pública.
Sem deixar de observar que o CIOPAER presta inestimável serviço ao conjunto da Segurança Pública, sem deixar de valorizar o grau de profissionalismo de seus oficiais e praças, e sem deixar de reconhecer que o mesmo se situa no patamar onde estão as instituições mais respeitadas e admiradas pelo povo mato-grossense, é preciso questionar sua proposta, principalmente quando se lança olhar mais abrangente sobre os 983 quilômetros – sendo 730 em solo firme, com demarcação por marcos – da fronteira mato-grossense com a Bolívia, nos municípios de Poconé, Cáceres, Porto Esperidião, Vila Bela da Santíssima Trindade e Comodoro.
Não se constrói base aérea – ainda que em tese para atuação policial – em fronteira. Por atribuição constitucional a Força Aérea Brasileira jamais homologaria tal unidade militar naquela região.
Por razão de ordem diplomática uma base aérea na fronteira seria afronta ao vizinho povo boliviano e ao seu governo.
Ao invés de uma base do CIOPAER na fronteira e da presença do Grupo Especial de Fronteira (Gefron) naquela região, o Brasil precisa fortalecer o papel das Forças Armadas tanto ali quanto nas demais áreas fronteiriças do Sul ao Norte. Paralelamente a isso, é imprescindível dotar a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal dos meios necessários para cumprirem suas atribuições. A primeira, no combate ao narcotráfico e outros crimes, e a outra, no patrulhamento e fiscalização nas rodovias, com delegacias fixas e também móveis, e blitze.
Mundo afora as Forças Armadas acompanham a evolução tecnológica. O Brasil não pode ficar a reboque. O país tem que investir em sistemas de monitoramento territorial por satélites, drones e outros mecanismos. Paralelamente a isso tem que contar com efetivos de prontidão para serem enviados onde se fizer necessário.
As atividades do CIOPAER – ou missões, como dizem os policiais militares – é o policiamento ostensivo aéreo, resgate de cidadãos, socorro em casos de desastres naturais ou não, remoção de vítimas, cobertura aérea aos companheiros de farda em solo etc. Fronteira não é atribuição policial. O mesmo se aplica ao Gefron, criado em 2002 e basicamente mantido com recursos da União, o que estabelece um incestuoso elo operacional policial: o governo federal encolhe a presença militar na região e o governo estadual usurpa – ainda que no melhor sentido da palavra – a atribuição de Brasília.
O CIOPAER com suas bases em Várzea Grande e Sorriso presta inestimável serviço a Mato Grosso e sua presença deve ser estendida ao Vale do Araguaia, Rondonópolis, Chapadão do Parecis, Colniza/Aripuanã, região central, mas menos na fronteira.

O Gefron precisa ser deslocado da fronteira – ainda que tenha que mudar de nome – para o Comando Geral da Polícia Militar e permanecer enquanto tropa especializada para emprego onde se fizer necessário, menos na fronteira. Mantê-lo naquela área não é boa prática operacional. O traficante abordado numa cabriteira – estrada secundária no cerrado, que funciona como corredor de drogas e passagem de veículos roubados e furtados no Brasil – sabe onde esse PM mora, onde seu filho estuda. Operação na fronteira tem que ser feita por militares das Forças Armadas, com informações de Inteligência da Polícia Federal somadas às suas próprias, e quando possível, com a participação operacional de policiais federais, pois os mesmos devem atuar anônimos, sem jalecos, sem viaturas caracterizadas, sem ostentar armas e distintivos.
Sobre o Gaeco é preciso registrar o grau de preparo profissional de seu efetivo, sua grande aceitação popular e o saldo operacional de suas incursões pela fronteira, que pode ser avaliado pela quantidade de drogas e armas apreendidas, veículos recuperados e prisões. Porém, mesmo assim, a segurança na fronteira tem que ser de competência federal. Não é recomendável manter policial rotineiramente no combate a atividade criminosa que movimenta elevadas cifras financeiras. A União tem efetivos e capacidade operacional para promover rodízio de militares na fronteira, como recomenda a lógica da caserna e dos quartéis.
Mato Grosso não deve se arvorar em xerife da fronteira. Aquela área tem que ficar sobre o crivo da Marinha, Exército, Aeronáutica, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal.
Quanto ao patrulhamento policial aéreo, as Forças Armadas podem fazê-lo bem e contam com helicópteros e aviões apropriados para tanto. Militar tem poder de polícia na fronteira. Se houver necessidade de aplicação da Lei do Abate, a Força Aérea tem esquadrões em Campo Grande e Porto Velho, que em pouco tempo podem cobrir toda nossa fronteira.
Que prevaleça o princípio federativo e Mato Grosso reivindique atuação militar e policial federal no grande vácuo da União na fronteira.
Eduardo Gomes de Andrade – editor de blogdoeduardogomes
FOTOS –
1 – Soldado PM Elias – site do Governo de Mato Grosso
2 – Chico Valdner – site do Governo de Mato Grosso
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