Posse na FMD na rua

Sob a claridade de uma lâmpada da rede de energia elétrica que passa defronte a entrada do Dutrinha, na Rua Joaquim Murtinho, com todo mundo em pé – foi nesse ambiente bem próprio do esporte que o economista Agripino Bonilha Filho tomou posse na presidência da Federação Mato-grossense de Desportos na noite de 9 de outubro de 1969. Com direito a discursos, leitura de ata de posse e, evidentemente, muita gozação pelo ineditismo da solenidade…
Ao contrário do que podia parecer na ocasião, nada de excêntrico na posse de Bonilha Filho em plena rua. É que a luz da FMD estava cortada fazia meses, por falta de pagamento, e realizar a solenidade sob a luz de velas, em recinto fechado, ainda mais com o calor que faz no mês de outubro em Cuiabá, decididamente, não ia dar certo…
A situação da FMD, cuja sede funcionava sob as arquibancadas do Dutrinha, era dramática. A sala da presidência estava toda arrebentada, enquanto a dependência onde eram guardados os troféus da entidade, perto do vestiário dos juízes, cujo banheiro exalava um mau cheiro insuportável, mais parecia uma pocilga.
Que fazer diante daquele caos?
Bonilha Filho queimava neurônios pensando em alternativas para tirar a entidade do fundo do poço. Mas todas as saídas possíveis para recuperação física e moral da entidade, cuja situação financeira era mais feia do que a necessidade, esbarravam num obstáculo irremovível: a falta de dinheiro. No entanto, o presidente não desistia.
Uns dez dias depois de sua posse, Bonilha Filho foi visitar a Exposição Agropecuária de Cuiabá, que ironicamente era realizada em Várzea Gran¬de, na área onde funciona hoje a Superintendência Federal da Agricultura. Estranha coincidência: o governador de Mato Grosso, Pedro Pedrossian, tam¬bém estava visitando a Exposição naquele dia.
No fim da tarde, Bonilha Filho se aproximou do governador e lhe disse baixinho. “Pedro, preciso lhe mostrar agora uma coisa. Entre no meu carro…” Pedrossian não se fez de rogado: entrou e lá se foram os dois para a sede da FMD. Quando Bonilha começou a lhe mostrar a sede de uma entidade que tinha a responsabilidade de cuidar dos esportes de Mato Grosso – futebol, basquete, voleibol, natação, atletismo, futebol de salão – Pedrossian levou um choque.
– E o que é que você pretende fazer, Bonilha? – perguntou o gover¬nador.
– Não sei – foi a resposta de Bonilha, enquanto caminhavam para a rua para retornarem à Expoagro.
Bonilha Filho sabia, sim, o que fazer, depois da reação de Pedrossian.
No dia seguinte, Bonilha Filho procurou o dono de uma empreiteira que estava ganhando todas as concorrências para obras do governo e o levou para a sede da FMD. Sem perder tempo, Bonilha foi lhe dizendo tudo o que precisava ser feito. O dono da empreiteira só ouvia, fazendo de vez em quando alguma perguntinha…
– E quem vai pagar essa reforma completa, Bonilha? – perguntou o dono da empreiteira, que sabia muito bem como andava a saúde financeira da FMD…
– Eu vou te pagar, só não sei quando…
As obras na sede da falida FMD começaram logo. Demoraram um pouco, é verdade, mas pouco mais de seis meses depois estavam concluídas.
Bonilha foi procurar então uma empresa especializada em móveis de aço e mobiliou completamente a FMD, cujos departamentos, transformados depois em federações específicas de cada modalidade, passaram a contar com salas individuais, mobília e todas as condições necessárias para um bom funcionamento. Tudo comprado no peito e na raça.
Quase sete meses depois da visita de Pedrossian à FMD, Bonilha deu um jeito e levou o governador de novo à sede da entidade. Pedrossian parece que não acreditava no que estava vendo. Tudo nos trinques. Na sala da presidência, a foto oficial de Pedrossian; na dos troféus, a que antes parecia uma pocilga, a do presidente da então Confederação Brasileira de Desportos, João Havelange.
Terminada a visita, sem conseguir dissimular sua satisfação pela transformação da FMD, Pedrossian perguntou a Bonilha: “E quem vai pagar essa conta?…”
– Bem, nós temos que pagar, né, governador!…” – respondeu Boni¬lha.
Pedrossian entendeu perfeitamente o recado de Bonilha na resposta curta e grossa.
– Ligue para o Gabriel… – ordenou Pedrossian, apontando para o telefone da sala da presidência.
O Gabriel a que se referia Pedrossian era o Gabriel Júlio de Mattos Muller, presidente da então toda poderosa Companhia de Desenvolvimento de Mato Grosso – Codemat, considerada uma verdadeira “mãe”. Qualquer problema cuja solução esbarrasse em entraves legais era só passar para a Codemat que estava resolvido…
Gabriel na linha, Pedrossian lhe determinou que ele resolvesse o problema do pagamento da reforma e da mobília da FMD.
O presidente da Codemat explicou que não tinha como repassar o dinheiro – cerca de Cr$ 500 mil para a FMD – quitar as duas dívidas. Mas podia pagar o material de construção, incluindo no valor a mão de obra e os móveis e fazer uma doação de tudo para a entidade máter do esporte mato-grossense.
Pronto, tudo resolvido: a FMD estava com uma sede completa e novinha em folha e não devia nada a ninguém… (* Continua…)
Reproduzido do livro Casos de todos os tempos Folclore do futebol de Mato Grosso, do jornalista e professor de Educação Física Nelson Severino
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