Por que China é o verdadeiro poder por trás da aliança entre Rússia e Coreia do Norte
Laura Bicker
Role,Correspondente na China, BBC News
O abraço de boas-vindas na pista do aeroporto às três horas da manhã, a guarda de honra de soldados montados e os enormes retratos dos líderes da Coreia do Norte, Kim Jong Un, e da Rússia, Vladimir Putin, lado a lado no centro da capital norte-coreana, Pyongyang – tudo foi idealizado para deixar o Ocidente preocupado.
A primeira visita de Putin a Pyongyang desde o ano 2000 foi uma chance para que a Rússia e a Coreia do Norte ostentassem sua amizade. E assim eles fizeram. Kim chegou a declarar seu “total apoio” à invasão da Ucrânia pela Rússia.
Governos na Coreia do Sul, no Japão, nos EUA e na União Europeia terão observado grandes riscos nessas palavras e no encontro encenado em Pyongyang.
Mas o fato é que os dois líderes percebem que precisam um do outro. A Rússia precisa de muita munição para manter a guerra em andamento, enquanto a Coreia do Norte precisa de dinheiro.
Putin e Kim se confraternizaram às portas da China. Por isso, eles teriam sido cautelosos para não provocar Pequim, que é uma fonte fundamental de comércio e influência para os dois regimes sob sanções.
E, mesmo com Putin exaltando sua “forte amizade” com Kim Jong Un, ele deve saber que existe um limite. E este limite é o presidente chinês, Xi Jinping.
A cautela chinesa
Existem alguns sinais de que Xi Jinping reprova a florescente cooperação entre seus dois aliados.
Relatos indicam que Pequim advertiu Putin para que não visitasse Pyongyang logo após sua reunião com o presidente Xi, em maio. Aparentemente, as autoridades chinesas não gostaram da ideia de inclusão da Coreia do Norte naquela viagem.
Xi já sofre pressões significativas dos Estados Unidos e da Europa para suspender seu apoio a Moscou e deixar de vender para a Rússia os componentes que estão alimentando a guerra na Ucrânia. E ele não pode ignorar esses alertas.
Da mesma forma que o mundo precisa do mercado chinês, Pequim também necessita de turistas e investimentos estrangeiros para alavancar seu lento crescimento e manter sua posição como segunda maior economia do mundo.
A China agora libera de visto os visitantes de algumas partes da Europa, além da Tailândia e da Austrália. E seus pandas voltaram a ser despachados para zoológicos estrangeiros.
Estas percepções são importantes para o ambicioso líder chinês. Ele quer aumentar o seu papel global e desafiar os Estados Unidos. Certamente, ele não quer se tornar um pária, nem enfrentar novas pressões do Ocidente.
E, paralelamente, ele ainda administra suas relações com Moscou.

E, durante sua reunião com Putin em maio, sua retórica cautelosa contrastava com os floreados cumprimentos do presidente russo.
Até agora, a China forneceu cobertura política aos esforços norte-coreanos para aumentar seu arsenal nuclear, bloqueando repetidamente os pedidos de sanções apresentados pelos EUA nas Nações Unidas. Mas Xi não admira o entusiasmado Kim Jong Un.
Os testes de armas de Pyongyang levaram o Japão e a Coreia do Sul a colocar de lado sua amarga história para firmar um acordo de defesa com os Estados Unidos. E, quando as tensões aumentam, mais navios de guerra americanos surgem nas águas do Oceano Pacífico, despertando os temores de Xi sobre a criação de uma “Otan do leste asiático”.
A desaprovação de Pequim pode forçar a Rússia a reconsiderar a venda de mais tecnologia para os norte-coreanos. A possibilidade de que isso aconteça também é uma das maiores preocupações dos Estados Unidos.
Andrei Lankov, diretor do portal jornalístico NK News, especializado na Coreia do Norte, demonstra seu ceticismo.
“Não espero que a Rússia forneça à Coreia do Norte grandes tecnologias militares.” Ele acredita que, se o fizesse, a Rússia “não estaria ganhando muito e, provavelmente, estaria criando possíveis problemas para o futuro”.
A artilharia norte-coreana seria uma injeção de ânimo para os esforços de guerra de Putin, mas fornecer em troca a tecnologia de mísseis russos não seria exatamente um grande negócio. E Putin poderá perceber que não vale a pena desagradar a China, que compra petróleo e gás da Rússia e se mantém como seu aliado fundamental em um mundo que o isolou.
Já Pyongyang precisa ainda mais da China. É o único outro país estrangeiro visitado por Kim Jong Un.
Cerca de um quarto à metade do petróleo consumido pela Coreia do Norte vem da Rússia, mas a China concentra pelo menos 80% do seu comércio. Um analista descreveu que as relações entre a China e a Coreia do Norte são como uma lamparina a óleo que queima sem parar.
Em resumo, por mais que Vladimir Putin e Kim Jong Un tentem parecer aliados, o relacionamento de ambos com a China é muito mais importante do que eles demonstram.
É importante não perder a China

Comentários estão fechados.