2017 – Grampolândia Pantaneira tem pés, cintura, mas é mula-sem-cabeça

MATO GROSSO, 14 DE MAIO – O Fantástico exibe uma reportagem mostrando que a Polícia Militar fazia gravações telefônicas clandestinas usando o artifício chamado “barriga de aluguel” para conseguir autorização judicial para as escutas. O escândalo ganhou o nome de Grampolândia Pantaneira e abalou a estrutura do governo, apesar da blindagem jornalística do governador Pedro Taques. Esse rumoroso caso tem personagens subalternos e intermediários, mas até agora não chegou a Pedro Taques
Nunca um escândalo de tamanha dimensão foi tão mula sem cabeça quando o dos grampos em Mato Grosso, que é chamado de Grampolândia Pantaneira. Tudo e mais um pouco aponta que o chefe desse crime seja o governador Pedro Taques (PSDB/foto), sem prejuízo da presunção da inocência e também respeitando suas negativas sobre o caso: “não sabia”, “não ouvia”, “nem sentia nada” sobre o que sua cúpula policial e a Casa Civil faziam recorrentemente.
Nesse episódio, a exclusão de Pedro Taques é ainda mais facilitada pelas reportagens que se multiplicam detalhando situações da arraia-miúda, como se tudo aquilo não tivesse acontecido no cerne do governo chefiado por Pedro Taques.
A Justiça deve uma satisfação sobre essa amarga realidade. Manter o governador no cargo – entendem juristas, que se protegem no anonimato – dificulta as investigações. Afastá-lo via Assembleia Legislativa é inviável pela submissão de deputados ao poder que tem a chave do cofre. Com a prerrogativa de foro de Pedro Taques o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entra em ação. Detalhadamente esta matéria mostra como a mula-sem-cabeça é vendida jornalísticamente aos mato-grossenses.

O grampo começou em setembro de 2014, na reta final da campanha ao governo. Quem governava era Silval Barbosa (PMDB), que àquela época era figura decorativa no Poder. Conhecedores das entranhas do Palácio Paiaguás sabem bem o que é a bajulação ao que está para assumir e o desprezo com quem está a um passo de sair.
O mundo palaciano de bajulativa falsidade se desmanchava a espera das urnas para se atirar aos pés de Pedro Taques (que era filiado ao PDT) e virava a cara para Silval, que não passava de rei morto.
Na reta final da disputa eleitoral em 2014 ao mundo palaciano juntaram-se coronéis ligados a Pedro Taques e esse grupo de caserna ficou sob a batuta de Paulo Taques, primo de Pedro Taques e então coordenador Jurídico de sua vitoriosa campanha eleitoral.
Formou-se assim um núcleo forte que preparava uma operação limpa-trilhos para o novo governador. Com a posse do eleito, todos foram contemplados com secretarias, a exceção do coronel Zaqueu Barbosa, que ficou no comando da Polícia Militar; Paulo Taques, o guru, recebeu as chaves da Casa Civil.

Entrar no varejinho não acrescenta ao material. A última informação interessante dá conta de que em depoimento aos delegados Flávio Stringueta e Ana Cristina Feldner, da Polícia Civil, o cabo da PM Gérson Luiz Corrêa Ferreira Júnior declarou que antes da eleição de 2014 Paulo Taques deu R$ 50 mil para cobrir despesas com grampos de adversários do primo Pedro Taques.
Portanto, a coordenação Jurídica do candidato a governador Pedro Taques mandou gravar adversários, advogados de outras coligações e mais algumas figuras. Além desses grampos que seriam de interesse político, a investigação descobriu que até uma ex-amante de Paulo Taques teria sido gravada – ou seja, o leque de ingerência na privacidade das pessoas ia do palanque aos lençóis na alcova.
Com a posse de Pedro Taques em janeiro de 2015 os grampos tomaram proporções avassaladoras. Num desabafo, o desembargador do Tribunal de Justiça, Orlando Perri, disse que “mais de 70 mil foram grampeados”. O número citado não passava da indignação do magistrado, mas que foi descomunal não resta dúvida. Perri cuidava desse caso, até que o mesmo subiu para o STJ onde está sob a responsabilidade do ministro Mauro Campbell Marques, que lmpôs sigilo na ação.

Não se pode fechar o assunto somente sobre grampo. É preciso avaliar com amplitude. Muito provavelmente estivesse em curso um plano de Pedro Taques para dominar o poder por longo tempo. Senão vejamos: em 18 de dezembro de 2014, com Pedro Taques eleito e diplomado, a Delegacia Fazendária desencadeou a Operação Edição Extra, que prendeu os empresários do ramo gráfico e irmãos Dalmi, Fábio e Jorge Defanti e servidores estaduais. A operação nasceu de uma denúncia feita em 2013 pelo Ministério Público Estadual (MPE) para apurar um suposto rombo de R$ 40 milhões em licitação de serviços gráficos e foi comandada pelo delegado Carlos Cunha. Não há nenhuma objeção contra Edição Extra, mas analistas sustentam que a data de seu desencadeamento teria sido arquitetada por Paulo Taques com setores da Polícia Civil ligados a Pedro Taques, sem que a Delegacia Fazendária soubesse.
No dia 18 de dezembro de 2014 a Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM) realizaria eleição para renovar sua diretoria. Pedro Taques apoiava o então prefeito de Lucas do Rio Verde Otaviano Pivetta (PDT). O à época presidente da Assembleia, José Riva (PSD) e Silval eram padrinhos de Neurilan Fraga (PSD), que era prefeito de Nortelândia. Franco atirador o prefeito de Alto Paraguai, Adair José (PMDB), também disputava a presidência da entidade municipalista.
No café da manhã nos hotéis em Cuiabá, pouco antes da votação que começaria às 9 horas, prefeitos de todas as regiões acompanharam na TV Centro América o noticiário do Bom Dia Mato Grosso informando que a Polícia Civil prendeu servidores e empresários, e que ocupava a Secretaria de Comunicação do Governo. A televisão chegou ao local da operação antes mesmo que os policiais. Sites, que tradicionalmente são atualizados após as 8h30 madrugaram e venderam a imagem da desgraça administrativa.
Enquanto a imprensa fazia sua parte, figuras ligadas a Pedro Taques conversam ao pé do ouvido com o eleitorado da AMM. Riva e Silval reuniram prefeitos e lhes falaram sobre o suposto projeto de Pedro Taques.
Neurilan venceu com 59 votos. O franco atirador Adair José recebeu 32 votos. Pivetta ficou na lanterna em 30 votos. Em Brasília, pra onde coincidentemente vai sempre que acontece operação policial, Pedro Taques amargou a derrota.

De volta aos grampos.
O promotor Mauro Zaque era secretário de Segurança Pública e em outubro de 2015 comunicou Pedro Taques em ofício protocolado a existência do crime recorrente. Pedro Taques não tomou providência com o vigor que se esperava para um caso de tamanha gravidade e em dezembro daquele ano Zaque deixou o governo. Em outubro o ex-secretário-adjunto de Zaque e promotor de Justiça em Minas Gerais, Fábio Galindo, confirmou o que disse Zaque e ainda acrescentou maiores detalhes sobre a informação que foi passada a Pedro Taques.
Pedro Taques tem memória privilegiada. Às vezes, ao microfone falando para multidão, em algum evento, vê alguém e se dirige a ele, “Fulano, você prometeu que traria doce de leite pra mim e não trouxe, rapaz!”. Porém, sobre o comunicado de Zaque sobre os grampos ele sofre amnésia e ainda desqualifica o fato.
A versão oficial do Palácio Paiaguás sobre o episódio é rocambolesca. Segundo ela, no protocolo a que se refere o ex-secretário de Segurança consta um pedido de vereadores por Juara, por obras rodoviárias naquele município.
Depois de muitas versões para o documento, finalmente o chefe da Casa Civil, José Arlindo passou a ser investigado por supostamente ter sido o autor da fraude no protocolo.

GRAMPOS – Em síntese, os grampos eram feitos com autorização judicial, principalmente pelo juiz Jorge Alexandre Martins Ferreira, da comarca de Cáceres.
A mecânica? O cabo Gérson pedia autorização ao magistrado para o Serviço Reservado da PM monitorar supostos telefones de policiais militares que estariam envolvidos com o narcotráfico, e também de figuras ligadas a eles.
A Polícia Militar não tem prerrogativa de polícia judiciária, mas pode internamente apurar atitudes ilícitas de seus efetivos. Só que na verdade não se tratavam de telefones de policiais militares, mas sim de adversários políticos de Pedro Taques, de jornalistas, advogados, médicos etc. É o que se chama de barriga de aluguel.

Dentre os grampeados o jornalista José Marcondes Muvuca e a deputada estadual Janaína Riva (PMDB e à época PSD). Uma fonte palaciana revelou que Muvuca era monitorado para se saber quem no Palácio vazava informação à imprensa; Janaína seria considerada uma menina bonita e deslumbrada, mas que teria contato com o grupo que durante duas décadas foi liderado por seu pai, o ex-deputado José Riva.
Estranho nesse fato a facilidade de magistrados na autorização da escuta.
Estranho também que nunca tivessem recebido relatórios sobre os grampos.
Estranho a quantidade de figuras grampeadas.
Também causa estranheza que um volume tão grande de grampos tivesse passado despercebido ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).
Muito estranho também foi a postura de Zaque, que mesmo sendo membro do Ministério Público não comunicou ao Gaeco tal prática recorrente na cúpula do governo.
SELETIVO – Pedro Taques tem que ser afastado do cargo e investigado – insistem juristas e policiais sob a condição de anonimato. Dentre as razões para tanto citam que os grampos foram feitos pela parte da cúpula do governo na área de Segurança Pública e na Casa Civil, então chefiada por seu primo Paulo Taques. Esse crime não chegava ao conhecimento dos demais integrantes do secretariado, e nem mesmo do vice-governador Carlos Fávaro (PSD), que teve o assessor Kembolle Amilkar de Oliveira grampeado e, que segundo fonte palaciana, também foi vítima de grampo.

DIVAGAÇÕES – Quase toda a imprensa divaga sobre os grampos e exclui Pedro Taques nas citações. A cada dia surgem versões envolvendo figuras que não acrescentam às investigações e pulverizam o noticiário para dificultar o entendimento do leitor. Recentemente o cabo Gérson disse que a juíza da Sétima Vara Criminal, Selma Rosane de Arruda, e o ex-chefe do Gaeco, promotor Marco Aurélio de Castro, teriam montado esquema para gravarem irregularmente Riva e Silval. Selma e Marco Aurélio rechaçaram a acusação.
CADEIA – Da cúpula da Grampolândia Pantaneira o coronel Zaqueu Barbosa está preso desde 23 de maio deste ano.
O maior nome político investigado sobre a Grampolândia é Paulo Taques, que foi preso duas vezes após deixar a Casa Civil. A primeira prisão em 4 de agosto por ordem de Perri. A soltura aconteceu em 10 daquele mês, por um habeas corpus concedido pelo ministro Reynaldo Soares da Fonseca, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Juntamente com Paulo Taques, em sua segunda prisão, foram presos os ex-secretários: delegado Rogers Jarbas (Segurança Pública) e os coronéis da PM Evandro Lesco (Casa Militar) e Airton Siqueira (Justiça e Direitos Humanos) e figuras da arraia-miúda. Todos foram contemplados com a mesma decisão que botou Paulo Taques na rua.

O AMANHÃ – O ministro Campbell deverá determinar que um juiz federal em Cuiabá assuma o trâmite da ação, que esteve sob responsabilidade de Perri no Tribunal de Justiça.
Pedro Taques segue governando como se tudo estivesse às mil maravilhas, principalmente depois que recentemente pediu ao STJ que o investigasse. Porém, alguns acreditam que tal pedido foi uma forma de antecipar os fatos, uma vez que Perri deveria fazê-lo.
O amanhã em Mato Grosso é uma incógnita. Mas, por favor, não liguem ao amigo pedindo informações sobre o que virá: seu telefone pode estar grampeado no rescaldo da Grampolândia Pantaneira.
EDUARDO GOMES/blogdoeduardogomes
Fotos:
1 – Mayke Toscano
2 – José Medeiros
3 e 7- Dinalte Miranda
4 – Vanderlei Meneguini
5 – Arquivo/blogdoeduardogomes
6 – Site muvucapopular.com.br
7 – Maurício Barbant
8 – Assessoria STJ
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