Outras trilhas da cidade
Sair de casa pela manhã, abrir o portão e sair pela direita quando é hábito sair pela esquerda; sair um dia pela esquerda quando, nos outros, você cultivara o costume de tomar a vereda da direita.
Até a ciência dá conta que é preferível a gente, vez por outra, alterar nossos roteiros, bagunçar um pouco o próprio barraco, transgredir-se.
Escovar os dentes ou esfregar as costas ou os braços no banho com a mão trocada (esquerda, para a maioria), num exercício acima de tudo mental. Assim – dizem os cientistas – estaríamos prevenindo até mesmo a mais devastadora das doenças degenerativas: o Alzheimer. Pelo exercício da mente ativando zonas ‘esquecidas’ no cotidiano, pelo estímulo cruzado às atividades cognitivas, como é óbvio.
E ainda tem o aspecto estético, artístico até, do exercício de viver a cidade por outros prismas, ângulos, em perspectivas diferentes das habituais.
Tal experiência se oferece mais àqueles que gostam de andar a pé, tanto quanto eu; ou, no limite, a quem se manda de bicicleta ou charrete – desde que haja, é claro, espaço e vias disponíveis para esses veículos.
Mas, enfim, se você é capaz de descortinar outras veredas para o seu caminhar, por certo descobrirá a cada passo, ou a cada esquina, uma nova cidade.
Isso, o Júnior, de Chapada dos Guimarães, dia desses me contava também em relação à sua cidade. Diz que saiu do bairro Pôr do Sol, onde reside, e foi para o centro tomando caminhos deliberadamente outros daqueles praticados durante anos, décadas. Deixou em casa a moto, relegou a um canto a bike e foi a pé adentrando um parque, baixos matagais à beira das vias, parando às vezes à sombra de uma árvore, pensando, meditando. Relembrando amigos e amores com quem já estivera por ali e hoje não estão mais – uns se foram por aí, pelo mundo, outros sequer habitam mais este mundo.
Saudades, amores, amigos, coisas que tivemos, temos ou desejaríamos ter de volta.
Sair por aí traçando outros caminhos. Ter a disponibilidade. Permitir-se. Ousar. E criar a possibilidade, real e ilusória ao mesmo tempo, de ver, a cada dia, surgir em seu horizonte uma cidade diferente.
MARINALDO CUSTÓDIO é escritor e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
mcmarinaldo@hotmail.com
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