O Santo Negro virou São Benedito S.A.
Pra não trombar a Casa-Grande, negros não podiam entrar na Igreja do Rosário, em Cuiabá. No período da escravidão a Santa Madre beijava a mão escravagista e, para não contrariá-la, construiu uma capela ao Santo Negro São Benedito, bem ao lado da nave daquele templo, pra que a comunidade escravizada tivesse um cantinho pra sua devoção cristã. O tempo passou e o catolicismo adotou São Benedito enquanto seu padroeiro informal – pois nem isso a Santa Sé lhe permitiu; o padroeiro é Bom Jesus de Cuiabá. Anualmente uma grande celebração idiossincrática o reverencia. Cada vez mais pagã, a festividade agora saiu da praça do Rosário, bem ao lado das duas igrejas germinadas migrando para o Centro de Eventos do Pantanal. Surge o São Benedito S.A.

Valei-nos São Benedito!
De 2 a 7 deste julho acontece a festa de São Benedito.
A parte religiosa será na Igreja do Rosário. O aspecto festivo, no Centro de Eventos do Pantanal. Porém, antes desse calendário, no sábado, 29, uma manifestação ecumênica lavou as escadarias das duas igrejas transformadas em uma só – gesto cinematográfico aos moldes da Lavagem do Bonfim na Boa Terra, que arrasta turistas dos quatro cantos do mundo.

A comunidade católica participa ativamente da festa e manifesta devoção ao Santo Negro. Porém, parte da classe política se aproveita dela para se promover. Políticos e líderes religiosos estabelecem uma estranha parceria, onde os primeiros são coroados, bajulados, destacados. Cuiabá testemunha essa antiga prática, que não se altera. A única mudança são as figuras – político destronado, é riscado e seu sucessor passa a receber os louros. A celebração acontece desde o século XIX, mas os registros do estranho casamento dos donos do poder com a igreja remontam somente a alguns anos.
As duas igrejas num só

Um dos símbolos de Cuiabá é a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. Construída por volta de 1730 numa elevação à margem esquerda do córrego da Prainha, onde Miguel Sutil descobriu o ouro que motivou a criação da cidade em 8 de abril de 1719.
Construída com a técnica da taipa de pilão, essa igreja é um dos marcos da típica arquitetura colonial brasileira e tem o interior barroco-rococó. Além de ser o mais antigo templo católico da capital, a Igreja de São Benedito (como é chamada na cidade) é ponto de atração turística e foi uma das roteiros da sede da Copa do Pantanal em 2014 em Mato Grosso.

Tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 1975, tombada pela Fundação Cultural de Mato Grosso em 1987 e incluída ao Perímetro do Centro Histórico de Cuiabá em 1993 a Igreja do Rosário e São Benedito passou por uma restauração que durou mais de dois anos e foi concluída em 2006. Essa obra custou R$ 1 milhão e foi bancada pela Monsanto, graças à intervenção do então secretário de Projetos Estratégicos de Mato Grosso, Clóves Vettorato, já falecido.
MONSANTO – Vettorato articulou junto a empresas, a Associação Mato-grossense dos Produtores de Algodão (Ampa) e o Banco do Brasil para que custeassem reformas e restaurações de igrejas e prédios públicos que abrigam museus e outros locais de visitação.
Na relação dos prédios que precisavam de recursos para reforma Vettorato incluiu a Igreja do Rosário e São Benedito e foi juntamente com representantes da Monsanto discutir o assunto com o padre Roque Pedro Follmann, que respondia pelo templo. O sacerdote demonstrou alegria ao saber que sua igreja seria reformada, mas botou os dois pés atrás. “Com dinheiro da Monsanto, a multinacional dos transgênicos?” questionou e antes que os visitantes dissessem algo, emendou, “Da Monsanto não quero nada, não!”. Vettorato reagiu com firmeza: “Da Monsanto o senhor não quer nada, mas enquanto esteve em liberdade o Comendador João Arcanjo teve banco exclusivo em sua igreja para assistir missas e doava dinheiro para sua igreja. Vamos passar essa conversa a limpo na imprensa!”, o desafiou.

O diálogo entre o padre e o secretário começou azedo, mas terminou em sorrisos, abraços e o desembolso de R$ 1 milhão pela Monsanto, o que permitiu deixar a Igreja do Rosário e São Benedito nos trinques.
BICHEIRO – Arcanjo foi bicheiro e dono de cassinos em Mato Grosso. O Comendador João Arcanjo Ribeiro foi preso no Uruguai em abril de 2003 e extraditado ao Brasil, onde foi condenado por uma série de crimes; agora cumpre pena em liberdade.
RACISMO – O tema é tabu, mas a Igreja do Rosário foi um templo racista em Cuiabá.
Eduardo Gomes – blogdoeduardogomes
FOTOS:
1 – Marcos Negrini
2 e 3 – Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Cuiabá
4 e 5 – blogdoeduardogomes
6 – Guilherme Filho
do Centro Histórico de Cuiabá.
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