Boa Midia

O futuro das sociedades indígenas

RONDONÓPOLIS – As perspectivas para as sociedades indígenas do Brasil são ambíguas. Há uma flecha apontada para o passado e outra para o futuro – ambas para o coração indígena.

O Presidente Jair Bolsonaro ganhou apoio dos ambiciosos e vorazes inimigos da economia de sustentabilidade ambiental: latifundiários, madeireiros, mineradores, garimpeiros e um certo de tipo de colonizadores desumanizados que acreditam que “índio bom é índio morto”. O que une essa “gente” é a ambição deles pelas terras indígenas. Tal apoio se deu porque o então candidato pronunciou-se contra a demarcação de terras. Ele alegou que “a destinação de áreas para comunidades indígenas é o ‘prejuízo para o agronegócio’, além de prejudicar outros interesses comerciais” (publicado pelo g1.globo.com em 13/11/2015).

 

A flecha apontada para o passado

 

No Clube Hebraica, no Rio de Janeiro, em 02/11/2017, além de reafirmar sua proposta proferida em Cuiabá, Bolsonaro declarou claramente as suas intenções e o significado ideológico delas. Ele disse que “os índios devem ser integrados a nós” (brasileiros não indígenas). “Integrados” não foi um termo utilizado aleatoriamente. Ao contrário, ele remete a uma concepção antiga e ultrapassada dos nacionalistas do final do século XIX que criaram, no Brasil e no mundo, a ideologia denominada “integração nacional”.

Após a Segunda Guerra Mundial, durante todo o período da guerra fria e atualmente na Europa, África e Oriente Médio, as guerras étnicas continuam vitimizando milhares de pessoas, tendo como causa a negação de territórios tradicionais às minorias étnicas.

No Brasil, a política de “integração dos índios à sociedade nacional” se fortaleceu após 1850 (criação da Lei de Terras) e virou política pública após a Proclamação da República. A concepção integracionista foi concebida pelo positivismo do século XIX, mas ela contradizia o princípio humanista da própria doutrina: como eliminar as sociedades indígenas, sem exterminá-las fisicamente? Após a Guerra do Paraguai reacendeu-se a ideia de criação e demarcação de reservas indígenas em áreas tradicionalmente ocupadas pelas populações autóctones. Após 1905, várias sociedades começaram a ser confinadas nessas reservas pertencentes ao Estado, as pessoas não podiam falar a língua materna (somente a língua portuguesa) e eram obrigadas a professar a fé cristã. Em vários casos, mais de uma etnia passou a habitar a mesma área. A criação do S.P.I. (Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais) foi emblemática. Observe, leitor, que a instituição indígena carregava no próprio nome o seu objetivo integracionista de tornar os índios “trabalhadores nacionais”.

Durante seis décadas, o processo de implantação da política integracionista mostrou-se equivocado. Não deu certo! A partir da década de 1960, mesmo com muitas contradições, as ciências humanas, as religiões e o Estado brasileiro se alinharam às políticas internacionais de reconhecimento das diferenças e das diversidades étnicas como sendo riquezas da humanidade. Os próprios positivistas modernos verificaram que a força das armas, as lavagens cerebrais promovidas pelas religiões e a tutela do Estado eram ações equivocadas na construção de uma sociedade nacional justa e de pacífica coexistência social. Prova desse reconhecimento foi a promulgação, durante o regime militar, do Estatuto do Índio (Lei 6.001/1973). É neste sentido que a proposta de Bolsonaro vai na contramão da história. A ressurreição da doutrina integracionista é um retrocesso, é a flecha apontada para o passado, tendo como alvo o coração das sociedades indígenas.

 

Arapucas armadas

 

A ambição de latifundiários e parte das populações imigrantes regionais sobre as terras indígenas são desmedidas desde o século XVI. Essa súcia considera que os índios não são gente e têm muita terra.

Na conjuntura atual de continuidade do avanço das fronteiras agrícolas, essa categoria social é representada por supostos “produtores rurais”, exploradores (a maioria ilegal) de madeira e minérios e grande parcela de regionais, asseclas e admiradores dos ricos. Eles atacam os índios com palavras e obras. A bancada ruralista faz tramitar no Congresso vários projetos que visam suprimir direitos e terras indígenas. Por exemplo, os projetos de leis números 490/2007 e 6.818/2013 tramitam em conjunto com outras dez medidas, apresentados pelo ruralista Jerônimo Goergen (PP/RS). Eles visam alterar o Estatuto do Índio, criar uma nova lei para revisar e inviabilizar demarcações de terras, facilitar obras e a exploração de recursos em terras indígenas e retirar o direito de consulta prévia dos povos originários, consagrado internacionalmente. A partir do relatório de Goergen, o conteúdo do Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU) é chamado de “Parecer do Genocídio”. Ele é apontado como inconstitucional pelo Ministério Público Federal (MPF), mas, apesar disso, corre o risco de ser fixado em lei. Trata-se de mais uma iniciativa anti-indígena, por meio da qual a bancada ruralista tenta aprovar o conteúdo também presente na PEC 215 e no Parecer 001 da AGU de Temer. Mesmo sendo inconstitucional, caso seja aprovado na CCJC (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania), o substitutivo de Goergen ao Projeto de Lei nº 6.818 passa à plenária e pode ser aprovado por maioria simples.

Enquanto isso, a violência contra as sociedades e pessoas indígenas campeia Brasil adentro. O Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2017, publicado anualmente pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) revela um aumento no número de casos em 14 dos 19 tipos de violência sistematizados: 128 casos de suicídio, 110 de assassinatos, 702 casos mortalidade na infância e violações relacionadas ao direito à terra tradicional e à proteção delas. Uma situação preocupante em Mato Grosso é a dos Bororo da Reserva Indígena Tadarimana, cujas terras estão sendo ocupadas por não índios que fazem roças, constroem igrejas evangélicas em troca de “benefícios” assistencialistas e destroem a mata e locais sagrados daquela etnia. O que acontece hoje em Tadarimana é o prenúncio de um novo Jarudóri. Tudo é do conhecimento da FUNAI, do Ministério Público, da Polícia Federal, mas todos fazem vistas grossas ao problema.

Como os novos governantes do Brasil e dos estados federados vão agir diante dessa situação caótica? A correlação de forças políticas é quem irá determinar, mas o Presidente eleito aponta para a criminalização dos movimentos sociais e, nesse caso, os indígenas são o elo mais fraco da corrente.

Arco e flecha apontados para o futuro

Engana-se, todavia, quem acha que as forças ideologicamente chamadas de “produtivas e desenvolvimentistas” às custas da usurpação das riquezas naturais são as politicamente mais fortes no Brasil. Os economistas do mercado financeiro e especulativo têm outros planos para a “economia sustentável” do país e defendem o combate ao desmatamento, o cumprimento do reconhecimento de territórios quilombolas, a preservação de terras indígenas e a consolidação da matriz elétrica sustentável. O economista, futuro super ministro da fazenda, Paulo Guedes, não tem amores pelos indígenas e quilombolas, mas conhece bem o mercado de créditos de carbono. As mudanças climáticas e as catástrofes ambientais dos últimos anos têm aquecido esse mercado voltado para a criação de projetos de redução da emissão dos gases que aceleram o processo de aquecimento do planeta. Isso tem fomentado as atividades de crédito de carbono que andavam pouco atraentes. O Brasil já ocupa a terceira posição mundial entre os países que participam desse mercado, com cerca de 5% do total mundial. Agora, as empresas do setor estão de olho nas terras indígenas e quilombolas. Desde dezembro de 2010, grupos de organizações da sociedade civil brasileira, empresas e governos lançam propostas para reduzir impactos socioambientais de REDD (Redução de Emissões de Desmatamento e Degradação) com o objetivo de abocanhar as rentáveis ações de crédito de carbono. REDD é um mecanismo de compra e venda de créditos de carbono em terras da União, sobretudo indígenas. A FUNAI discute o assunto desde 2012. O projeto consiste em oferecer benefícios para os índios que contribuírem para a preservação das florestas em forma de pagamentos de serviços ambientais, mas os lucros dos créditos de carbono ficarão com as empresas especuladoras e o Estado (parcerias público-privadas).

Mato Grosso já possui uma lei (nº 8.580, de 09/11/2006), que dispõe sobre a política estadual de apoio a projetos para geração de créditos de carbono. No entanto, o Estado só decidiu ingressar oficialmente no REDD a partir de 29 junho de 2017, quando o Governo, através do seu Conselho Gestor do Programa Estadual de Parcerias Público-Privadas (CGPPP-MT), autorizou que fossem dados encaminhamentos a duas propostas de estudo para a comercialização de créditos de carbono no Estado. Esse “filé mignon” do setor financeiro internacional pode estar mais próximo dos interesses do Governo Bolsonaro-Paulo Guedes e dos estados federativos do que apoiar os agressores do meio ambiente. Esses, apesar da bancada ruralista eleita, estão inviabilizando os governos, fazendo-os perder créditos internacionais e sofrer internamente com as renúncias tributárias escorchantes, que dilapidam os cofres públicos e tendem a aprofundar os conflitos sociais internos.

Desse modo, parece ser um bom negócio transformar as terras indígenas e quilombolas em produtos do mercado de ações por meio da compra e venda de créditos de carbono, deixando os índios com as quinquilharias dos serviços ambientais. Essa é a flecha apontada para o futuro e para o coração das sociedades indígenas.

Qual será o caminho a ser percorrido pelo novo Governo?

Ninguém sabe. São muitas as possibilidade e incertezas. A maioria das sociedades indígenas quer suas terras, assistência à saúde, educação escolar e condições para viver em paz.

PAULO AUGUSTO MARIO ISAAC doutor em Antropologia, professor da UFMT, escritor e autor do livro: Irmã Maria Čibaibo Ossemer – uma missionária franciscana entre os índios Bóe-Bororo de Mato Grosso (Editora Carlini e Caniato/EdUFMT) – membro da Academia Rondonopolitana de Letras.

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