O Caboclo e seu irmão prefeito
Uma multidão se acotovelava na tenda à margem da MT-010 para ouvir as autoridades que falariam sobre a inauguração de 75 quilômetros daquela rodovia, obra que concluía a ligação de Diamantino a São José do Rio Claro, num trajeto de 100 quilômetros pelo Chapadão do Parecis. O calendário marcava sábado, 18 de dezembro de 2004. O calor era intenso naquele começo de tarde marcado pelo céu carregado, que era sinal de chuvarada a qualquer momento.
A pavimentação da MT-010 foi realizada graças a uma Parceria Público-Privada conhecida por PPP Caipira entre o governo e empresários do agronegócio liderados por Luiz Carlos Ticianel, presidente da usina Libra, à margem da rodovia.
Jornalisticamente cobri aquele evento. Num canto da tenda vi o prefeito de Diamantino, Francisco (Chico) Mendes, conversando com o secretário de Estado Clóves Vettorato (Projetos Estratégicos) e uma figura estranha calçando chinelos franciscanos, vestindo camiseta e calça cáqui segura por um cordão de cintura. Aproximei-me deles. Cumprimentei Chico e Vettorato chamando-os pelos nomes. Ao outro dei o tratamento de Caboclo. “E aí, Caboclo, tudo bem?”, disse em tom interrogativo e cutuquei sua costela. “Tudo em cima”, respondeu a figura.
Conversei rapidamente com Chico e Vettorato; falamos sobre a importância da obra. O prefeito demonstrava entusiasmo e o secretário não economizava elogios ao chefe e governador Blairo Maggi. Pedi licença aos três e saí pra cuidar do meu trabalho.
O governador e seu secretário de Infraestrutura, Luiz Antônio Pagot, eram as figuras principais. Blairo e depois Pagot foram chamados ao palanque montado na tenda. Em seguida subiu o senador Jonas Pinheiro; secretários de Estado; Ticianel; Chico e seu colega na prefeitura de São José do Rio Claro, Nelson Hubner; e deputados.
Mal subiu, Chico falou alguma coisa ao ouvido do governador. Imediatamente Blairo pegou o microfone que estava com o Cerimonial e anunciou a presença do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Ferreira Mendes, que nasceu em Diamantino, a exemplo de seu irmão e prefeito Chico. Após o anúncio seguido por salva de palmas, o convidou ao palanque, o que foi prontamente aceito. Era o Caboclo.
Desfeito o palanque, procurei Chico. Justifiquei que não havia reconhecido o ministro, que até recentemente cultivava uma barba espessa e que sem ela ficou bem diferente e, além disso, usava traje que o deixava com jeitão de técnico que foi jogador de futebol de times secundários. O prefeito disse que seu irmão é figura simples e comentou que Gilmar, Vettorato e ele riram bastante depois que me afastei deles no canto da tenda.
No local o empresariado que contribuiu para a pavimentação da MT-010 ofereceu um almoço. O governador, o ministro e outras autoridades ganharam uma mesa nobre, enquanto os demais se serviam à vontade, mas tendo que enfrentar uma fila indiana.
Com o prato na mão, avançava lentamente na fila. Quando passava próximo à mesa das autoridades o Caboclo convidou-me para se sentar ao seu lado. Declinei, mas ele insistiu.
O Caboclo não disse abertamente, mas deu a entender que o poder isola quem o exerce e que isso não o agrada, pois prefere ser tratado enquanto gente.
Almocei rápido. Queria pegar a estrada pra Cuiabá o mais cedo possível pra viajar menos tempo à noite. Pedi licença ao meu anfitrião e me levantei. Despedimo-nos. Ele, totalmente descontraído, comentou que há muito tempo só ouvia tratamento cerimonioso, ao contrário daquele que lhe dispensei e que se encaixava perfeitamente em seu perfil. “Então, tá, Caboclo; obrigado!”, disse. Saí deixando sorridentes o ministro e seu irmão prefeito.
PS- Capítulo do livro “DOIS DEDOS DE PROSA EM SILÊNCIO – pra rir, refletir e arguir”, publicado em 2015 pelo jornalista Eduardo Gomes de Andrade com ilustração de Generino, capa de Édson Xavier e seu apoio das leis de incentivos culturais.
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