O adeus do quilombola Antônio Mulato
Mato Grosso perdeu o brilho do olhar de Antônio Mulato, mas os quilombolas de seu Mata Cavalo em Nossa Senhora do Livramento e das demais áreas quilombolas Brasil afora ganham uma lendária fonte de inspiração para a luta pela terra, a manutenção cultural e dos costumes dos descendentes de escravos.
Antônio Benedito da Conceição, o Antônio Mulato nasceu em 12 de julho de 1905. Tinha 113 anos ao fechar os olhos para sempre, na tarde do sábado, 15 de setembro deste 2018, no Pronto-Socorro Municipal de Várzea Grande onde se submetia a tratamento.
Considerado o homem mais velho de Mato Grosso, Antônio Mulato nasceu e viveu no Quilombo de Mata Cavalo, município de Nossa Senhora de Livramento. Filho de escravos, foi líder do quilombo, onde teve 18 filhos e dezenas de netos, bisnetos e tataranetos.
Defensor da educação. Sua luta pela implantação de uma sala de aula em Mata Cavalo começou na década de 1940, quando seus filhos já estavam em idade escolar e não havia na região um único local onde pudessem estudar. A primeira sala era de barrote, coberta com palhas de babaçu e piso de chão batido. Os alunos apoiavam os cadernos no colo para poder escrever. Mas a professora não aceitou os filhos de Antônio Mulato e ele teve que recorrer às autoridades locais; ainda assim, a sala de aula funcionou por pouco tempo e os moradores do quilombo tiveram que se reunir para construir um outro espaço, com as aulas sendo ministradas pela professora Tereza Conceição Arruda, sua filha.
O quilombo de Mata Cavalo é o único em Mato Grosso que conta com uma escola com 400 alunos, seis salas de aula, inauguradas em 2012 e construída com recursos do governo federal. Além da educação, Antônio Mulato também foi líder na luta pelo direito à propriedade – titulação das mais de 400 famílias que moram no quilombo de Mata Cavalo, que já recebeu a certificação pela Fundação Palmares. Esse é um dos seus legados.
Antônio Mulato foi personagem de várias reportagens que produzi ao longo de décadas. Nosso último encontro foi casual. Nos encontramos no Palácio Paiaguás, em 22 de junho de 2016. Alegre e elegante num impecável paletó, fez questão de demonstrar que continuava “em forma”. ‘Plantou bananeira’, rodopiou e demonstrou muita vitalidade para a idade. Enquanto se exibia, segurei seu chapéu e seus óculos. Ao nos despedirmos insistiu pra que eu o visitasse novamente, no barraco de sempre. Não nos encontramos mais. O fotógrafo Dinalte Miranda registrou nosso encontro.
Descanse em paz, valente Antônio Mulato. A causa quilombola continua, mas seu eterno ‘momento’ merecido é de desfrute celestial.
Eduardo Gomes -blogdoeduardogomes
FOTO: José Medeiros
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