Mortes de um rondonopolitano
Eduardo Gomes
@andradeeduardogomes
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Luiz Carlos Ferreira dos Santos, o Luizão, era figura das mais conhecidas em Rondonópolis. Apaixonado por futebol, treinava equipes amadoras e incentivava jovens atletas sonhadores.
A principal atividade de Luizão era o esporte amador, embora fosse pedreiro categorizado, com reconhecimento pelos construtores, que sempre o contratavam.
Como nenhuma dessas profissões conseguiu enriquecer alguém em Rondonópolis, não seria ele a exceção.
A receita de Luizão nunca cobria os gastos. A cada mês, por força da necessidade, ele se endividava mais e mais.
O endividamento chegou a um ponto insuportável e Luizão não teve outra saída senão a Rodovia BR-163. Pegou um ônibus e mandou-se para São Paulo.
Depois de um certo período na capital paulista, Luizão, usando outro nome, telegrafou a um amigo em Rondonópolis dando conta de seu próprio falecimento: “comunico lamentavel falecimento de luizao em sao paulo vg por atropelamento pt – joao francisco”.
A notícia consternou a cidade.
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Os credores de Luizão não tiveram alternativa: rasgaram as notas e vales que tinham do mesmo. “Os” não. Aguinaldo Rufino Leite de Lucena, presidente da Associação Bancária Rondonina (ABR) – mais tarde rebatizada de Canadá Country Club –, pelo sim, pelo não, continuou guardando os vales que o falecido devia aos cofres do clube.
Alguns dias depois da notícia da morte, Luizão reapareceu. Aguinaldo o cobrou e ele não gostou:
– Você precisa aprender a respeitar os mortos, meu amigo Aguinaldo – protestou Luizão.
Afro Stefanini, deputado e cacique político de Rondonópolis, resolveu o problema financeiro de Luizão: mandou nomeá-lo como investigador de polícia. De caloteiro a defunto, de morto a autoridade policial. Daí para a política foi apenas um passo a mais.
Em 1976, Luizão foi candidato a vereador pela Aliança Renovadora Nacional (Arena). Não se elegeu, mas recebeu boa votação, batendo inclusive alguns figurões da cidade que aventuraram-se pelas urnas naquele pleito.
Tempos depois, verdadeiramente Luizão morreu. O jornalista Odaly Ortolano, em sua sarcástica coluna Zero Zero, na Folha de Rondonópolis, registrou: Pela segunda vez Luizão morre. Infelizmente, agora, é verdade. Por via das dúvidas, recomenda-se a eventuais credores que não se desfaçam de vales, cheques ou títulos emitidos pelo finado.
Lamentavelmente sua segunda morte foi verdadeira e Luizão partiu. Levou um pedaço da Rondonópolis que não existe mais. Sua memória é perpetuada por uma rua que liga a cidade ao Conjunto Habitacional São José.
PS – Extraído do livro Dois dedos de prosa em silêncio pra rir, refletir e arguir publicado em 2015 pelo jornalista Eduardo Gomes de Andrade sem apoio das leis de incentivos culturais.
Arte: Generino
Infografia; Marco Antônio Raimundo
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