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1949 - Frota de Nêgo Amâncio em Guiratinga
1949 – Frota de Nêgo Amâncio em Guiratinga

Comi muita poeira dos caminhões do Nêgo Amâncio. Seus motoristas conheciam as estradas de Mato Grosso como a palma da mão e não alisavam ao volante, ou como se dizia à época: “Atola o pé, chofer, que trucão é Chevrolet”.

 

Nêgo Amâncio tinha caminhões Chevrolet C-65, trucados, com motor Perkins, que andavam e subiam mais que o famoso Mercedes Benz 1313, muito embora perdessem feio no comparativo com a marca alemã quando o quesito era bomba injetora. Além disso, nas manhãs frias a partida do Perkins invariavelmente era no tranco, feita com a mãozinha de outro caminhão, que o empurrava encostando sua carroceria à dele.

Na década de 1970 ultrapassei e cruzei muito com os Chevrolet de Nêgo Amâncio no trecho entre Uberlândia e Rondonópolis, época em que a estrada não tinha asfalto em Goiás e Mato Grosso. Também os vi na estradinha sinuosa de Rondonópolis para Poxoréu, nos areões para Paranatinga e em muitos outros trechos. Alguns anos depois seus caminhões sumiram do caminho e das portas dos armazéns onde eram presença constante descarregando mercadorias. Nunca mais os vi.

Wendell Xavier de Souza, escritor guiratinguense, me mandou uma fotografia preto e branco de uma frota do Nêgo Amâncio em Guiratinga, no final da década de 1940. Conversamos por telefone e Wendell elogiou o trabalho daquele frotista em sua região. Desde então passei a pesquisar sobre ele. Na Revista MTAqui (maio de 2013) publiquei a matéria que se segue, com o título acima.

No começo do século passado, Lageado, na calha do rio Garças, fervilhava com o diamante, mas enfrentava problema por falta de produtos básicos. Esse problema acontecia em razão da inexistência de estradas, o que mantinha aquela e as vizinhas comunidades garimpeiras no então Leste mato-grossense na dualidade da abundância de dinheiro, mas sem ter o que comprar. Essasituação mudou em 1934, quando seis caminhões brotaram na curva da estradinha carroçável, carregadoscom tudo que se possa imaginar. A proeza de organizar a frota foi de Nêgo Amâncio. Desde então o lugar nunca mais enfrentou problema de desabastecimento.

 

Nêgo Amâncio em 1949
Nêgo Amâncio 

Lageado trocou o nome para Guiratinga. Nêgo Amâncio era o apelido do mineiro de Uberlândia, Joaquim Amâncio Filho, um homem muito à frente de seu tempo.

Em 1929, Nêgo Amâncio comprou seu primeiro caminhão e se tornou um dos pioneiros do transporte rodoviário de cargas no Brasil. Com ele revirada o Triângulo Mineiro e o Sudoeste goianoCinco anos após se casar com o volante, atravessou o cerrado, abriu caminhos e conquistou a praça de Guiratinga e vizinhanças. Naquela cidade montou um armazém, de onde despachava em lombo de burros a mercadoria que abasteceria Tesouro, Cassununga, Barra do Garças, Torixoréu, Alcantilado, General Carneiro e as demais localidades da região.

No começo da década de 1940, Nêgo Amâncio tinha de oito a 10 tropeiros, cada um com seu lote de burros, para a redistribuição das mercadorias, que passaram a alcançar a recém-fundada Poxoréu, São José do Planalto (Birro) e a vila de Rondonópolis.

Nêgo Amâncio criou a integração do comércio com o transporteMontou a primeira logística de distribuição de armarinhos, medicamentos, secos e molhados com base em Minas Gerais e pontos de distribuição em Mato Grosso. Rumo a Guiratinga seus caminhões transportavam querosene, gasolina de aviação, sal, macarrão, tecidos rústicos, seda, organdi, sandálias, botinas, lanternas, perfumes, quinino para curar malária, rouge pra enfeitar madames e prostitutas, Água Velva, pilhas para rádio, trigo, facão, Enxada Tarza, Chapéu Ramenzoni, Brahma Chopp, Antarctica, filtros, louças, talheres, leques, sombrinhas, galochas e tudo mais que se possa imaginar que coubesse numa carroceria para quatro toneladas. Em sentido inverso os possantes eram carregados com arroz em casca, couro bovino curtido e charque. Além desse vaivém que demorava em torno de 20 dias por viagem nos dois sentidos, seus motoristas eram carteiros informais, pois carregavam correspondências entre os extremos da rota e seus pontos intermediários.

Caminhões pioneiros na ligação Minas-Mato Grosso
Caminhões pioneiros na ligação Minas-Mato Grosso

Rodoviário Nêgo Amâncio era o nome da empresa que o tomava emprestado ao seu dono. Seus caminhões que durante anos rasgaram caminhos pelas estradinhas arenosas no cerrado também chegaram a Guiratinga pelo asfalto na MT-270 a Rodovia José Salmen Hanze (Zé Turquinho), que foi pavimentada em 1978. Suas últimas viagens cruzavam Mato Grosso de ponta a ponta e aconteceram em 1982, quando a empresa baixou as portas e recolheu os possantes – a família Amâncio foi marcada por trágicos acidentes rodoviários que custaram as vidas de Leonardo e Eduardo, ambos filhos do fundador.

Em 22 de julho de 1990 Deus percorreu o céu procurando um grande motorista para transportar bênçãos no firmamento. Não o encontrando mandou seus anjos buscarem Nêgo Amâncio, que desde então transferiu ao Paraíso sua rota do rio Garças.

EM TEMPO – Nêgo Amâncio teve destacado papel na consolidação de Guiratinga, Tesouro, Alto Garças, Barra do Garças, General Carneiro, Rondonópolis, Dom Aquino, Torixoréu e Poxoréu. Mesmo assim seu nome sequer é citado pelas autoridades. Naquela região há muitas rodovias e nenhuma recebeu o nome do pioneiro da logística de transporte em Mato Grosso.

FOTOS:

1 – Acervo Wendell Xavier de Souza – Guiratinga

2 e 3 – Álbum de Família

 

Legado inspirador de padre João

 

Padre João foi o precursor do cooperativismo mato-grossense, pois fundou o presidiu a Organização das Cooperativas do Estado de Mato Grosso (Ocemat), Sicredi e a Comajul. Isso tudo, entre uma celebração religiosa e outra, e uma assistência social aqui e outra ali, ao longo dos 41 anos em que reside em Mato Grosso.

 

Nascido na cidade de Bodenrode, na Alemanha, em 7 de julho de 1934, Johannes Berthold Henning ordenou-se sacerdote em Fulda, naquele país, em 24 de abril de 1962, e chegou ao Brasil em dezembro de 1967.

A pronúncia “Johannes” não soa bem e ele a aportuguesou para João, padre João, nome com o qual é conhecido nos quatro cantos de Mato Grosso.

Seus primeiros passos em Mato Grosso foram em Pedra Preta, “por poucos dias; menos de um mês”, revela. Em seguida mudou-se para Juscimeira, onde celebrou a festa natalina de 1967.

O perfil agrário de Juscimeira é de pequenas propriedades; essa característica, em 1978,, levou padre João a criar a Comajul – cooperativa mista com sede naquele município. No início o cooperativismo fomentava o cultivo do arroz e para tanto montou um secador – que à época era raridade.

Logo após a criação da Comajul, Juscimeira estava em ebulição em razão da luta pela terra. Padre João entrou em cena: em 1982 comprou uma área no município de Diamantino (hoje pertencente à Nova Mutum) e criou o Projeto Ranchão, que assentou trabalhadores rurais em parcelas de medidas diversas, cobrando preços irrisórios pelas mesmas. Para suporte a essa comunidade rural criou-se a vila de Ranchão.

Cuiabá enfrentava sério problema com o abastecimento de leite. Padre João mandou a Comajul comprar um pequeno laticínio cuiabano e sua cooperativa mergulhou nessa área. Seus cooperados se espalham pelo Vale do São Lourenço, Poxoréu, Guiratinga, São José do Povo, Rondonópolis, Cuiabá e Várzea Grande. A produção da Comajul inicialmente destinava-se ao mercado de Cuiabá e Várzea Grande. A cooperativa produz manteiga, leite pasteurizado, requeijão, doce de leite, requeijão, iogurte e queijo.

Padre João fundou a primeira cooperativ Sicredi em Mato Grosso, na cidade de Água Boa; integrou a diretoria do Sicredi Central e presidiu o Sicredi de Juscimeira e a Comajul. Também fundou e presidiu o Sicredi em Campo Verde.

 

Uma doença silenciosa

 

Matriz Bom Jesus de Juscimeira

A igreja católica transferiu padre João de Juscimeira para Dom Aquino, onde permaneceu por 20 anos, mas sem jamais se afastar da cidade onde deu o sopro de vida à Comajul.

De Campo Verde padre João retornou para Juscimeira, onde voltou a celebrar na Matriz Bom Jesus e travou mais uma luta, dessa feita sem nenhuma relação com o cooperativismo: contra o diabetes. Durante um ano permaneceu na Alemanha em busca de tratamento.

Retornou ao Brasil, voltou à cidade que adotou. Novamente pisou o solo de sua Juscimeira, mas sem a desenvoltura do passado. Caminhava lento amparado por muletas, porque sua perna direita foi amputada.

Em 8 de julho de 2009 o entrevistei pela última vez, num torneio leiteiro da Comajul, em Juscimeira. Feliz, risonho, confiante e otimista, padre João continuava o mesmo sonhador que conheci há 50 anos. A fé em Cristo o conservava celebrante e evangelizador. A crença que o homem é capaz, o fazia líder e motivador, com a força daqueles que sabem fazer o mundo mudar.

Debilitado pela silenciosa doença padre João não resistiu. Por volta de 11 horas do dia 24 de agosto de 2010, um ataque cardíaco decorrente do diabetes o venceu. Juscimeira cobriu-se de dor com a morte de seu sacerdote.. Pranteado pela população e sepultado naquela cidade, o sacerdote e líder cooperativista deixou um legado inspirador.

Eduardo Gomes – blogdoeduardogomes

FOTOS: blogdoeduardogomes

 

 

Vanessa da Mata e de Alto Garças

 

Vanessa da Mata de Alto Garças para o mundo
Morena brejeira com os cabelos levemente revoltos, boca carnuda, dentes bonitos, olhar de sedução, andar bamboleante e provocativo. Assim é Vanessa Sigiane da Mata Ferreira, nascida em Alto Garças, de onde um dia partiu para conquistar o Brasil e o mundo com a doçura de sua voz e a poesia de suas composições.

Nas veias de Vanessa da Mata além do sangue indígena herdado de ancestrais, também corre música. Tanto corre que algumas de suas composições foram gravadas por Betânia e Daniela Mercury, dentre outros ícones da musicalidade.

Alguns de seus títulos viraram trilha musical de novelas que marcaram época na Globo.

Não foi por acaso que seu álbum Música faturou um disco de platina. Também o Grammy Latino versão 2008 de Melhor Álbum de Pop Contemporâneo Brasileiro, que lhe foi concedido não por mera coincidência.

Alto Garças, a terra de Vanessa da Mata, é uma cidade mato-grossense localizada num platô com 755 metros acima do nível do mar e à margem da Rodovia BR-364, no polo de Rondonópolis.

Quando essa musa que Mato Grosso compartilha com o Brasil e o mundo era adolescente, empresas da cidade mineira de Uberlândia, a exemplo da Alô Brasil, Armazém Martins, Transportadora Nêgo Amâncio e outras, mantinham fortes vínculos comerciais com Alto Garças. Essa afinidade já remontava há algumas décadas.

Era comum o jovem de Alto Garças estudar em Uberlândia, distante 660 quilômetros, no Triângulo Mineiro. O pai de Vanessa da Mata queria que ela fosse médica e a mandou para Uberlândia, onde inicialmente morou sozinha num pensionato.

Medicina, nem pensar. Vanessa da Mata passou a cantar na noite. Cantou e encantou Uberlândia, conquistou as cidades vizinhas, extrapolou o Triângulo e Minas, ganhou o Brasil com sua interpretação e composições. É a voz mais bonita e gostosa de se ouvir. É divulgadora e motivo de orgulho para Mato Grosso.

FOTO: Divulgação

 

O empresário que sonhou fundar Primavera do Leste

 

Beer
Mato Grosso perdeu um grande investidor. Vítima de complicaçõe do diabetes, morreu de falência múltipla dos órgãos, o líder empresarial nacional André Beer, aos 87 anos. Beer fechou os olhos para sempre, no sábado, 9 de novembro de 2019.  Foi ele quem sonhou em criar a cidade de Primavera do Leste. Seu filho, Paulo Eduardo Beer, por duas vezes presidiu o Sindicato Rural de Rondonópolis.

Beer trabalhou 48 anos na General Motors. Começou aos 15 anos, no cargo de apontador. Em 48 anos nos quadros da montadora chegou à vice-presidência e por duas vezes presidiu a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).  Além de empresário era administrador de empresas e acordeonista e teve uma banda.

Paulista de Santo André, Beer investiu em Mato Grosso. Comprou uma área e formou a fazenda Primavera, próxima a área urbana onde mais tarde surgiria Primavera do Leste. Naquela propriedade pretendia criar uma cidade.

Edgar Consentino, que trabalhava para Beer, absorveu o projeto do patrão e, em 26 de setembro de 1979, lançou o Loteamento Cidade Primavera, na margem esquerda da BR-070, no sentido Cuiabá-Barra do Garças.

Antes de Consentino lotear Primavera, aquela que seria sua área urbana era habitada. O pioneiro foi Milton Muniz de Melo – irmão dos ex-prefeitos de Poxoréu, Antônio dos Santos Muniz e Herculano Muniz –, que tinha uma fazenda no lugar e, em 1973, instalou a Pensão do Entroncamento – nome em alusão a proximidade do trevo da BR-070 com a MT-130 –, com restaurante, para atender usuários da BR-070. e os aventureiros que seguiam pela estrada estadual para Paranatinga.

Milton morreu em 26 de abril de 1974, num acidente na MT-130, perto de Primavera. Seu Jeep caiu num abismo. A família Muniz vendeu a pensão e a área rural onde a cidade foi criada.

Meses após Milton instalar a pensão, ainda em 1973, chegou ao lugar o gaúcho de Frederico Westphalen, Darnes Cerutti, que 13 anos depois seria eleito o primeiro prefeito do município. Atraído por incentivos federais do programa Proterra, ele abriu a fazenda Várzea Grande. Próximo à pensão, montou o Posto Barril.
O loteamento de Consentino começou em 1979. Quatro anos depois, Primavera seria distrito de Poxoréu e em 13 de maio de 1986 se emanciparia.
A cidade sonhada por Beer é sede de um dos maiores municípios agrícolas do Brasil e que tem 62.019 habitantes – nona maior população mato-grossense.

 

BEER – André Beer deixa viúva, cinco filhos, netos e bisnetos.

FOTO: Anfavea

 

 

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