Futebol e arroz duro
O Mixto estava jogando pedra em santo no Campeonato Mato-grossense de 1968, perdendo um jogo atrás do outro. Com as rendas das bilheterias em queda por causa da má fase do time e os sócios pas¬sando longe da sede do clube para não pagar suas mensalidades, os salários dos jogadores estavam atrasadíssimos. Bicho, então, com a sucessão de derrotas, a boleirada não via há muito tempo. Quer dizer: quem dependia só do futebol vivia numa pendura de dar dó.
Para garantir a comida da rapaziada que morava na “república” do alvinegro, o dono do Hotel Fortaleza, Almir Francisco de Matos, fanático torcedor mixtense, fez um acordo com o clube: fornecia as refeições dos jogadores cobrando a metade do preço normal. E ainda pendurava a conta para ser paga no fim do mês…
O Fortaleza ficava na Cândido Mariano, defronte à Igreja da Boa Morte e tempos depois, com a necessidade de ampliar seu espaço físico para atender sua crescente clientela, mudou-se para a mesma rua, com os fundos do hotel chegando ao Hotel Santa Rosa, na Avenida Getúlio Vargas.
Hoje pastor da Igreja Batista da Paz em Várzea Grande, o então menino Moisés de Matos lembra que quem procurou o hotel para garantir a comi¬da dos jogadores da “república” foi Antero Paes de Barros, ainda muito jovem, mas já diretor do Mixto.
– Eu devo ter fechado o acordo com o hotel em nome do meu pai, Ranulpho Paes de Barros – afirma Antero Paes de Barros.
Acordo sacramentado, os jogadores que moravam na “república” tinham razões para comemorar. Afinal, havia acabado os dias da fome que de vez em quando fustigava impiedosamente a barriga dos boleiros. Nessa época defendiam o alvinegro Marcelo, Admir Moreira, Ésner, Uzil, Miguel Tunes, Macedo, Arnon, Washington, Ditinho Olho de Bolita, entre outros. Mas só alguns desfrutavam da mordomia no Hotel Fortaleza.
Com o passar do tempo, os jogadores começaram a perceber que a comida estava piorando. Pelo menos a que era servida nas mesas deles, porque, aparentemente, os outros fregueses do Fortaleza comiam com uma boca tão boa…
Os jogadores pensavam em reclamar da qualidade da boia, mas ficavam receosos primeiro de perder a boca livre paga pelo Mixto, e segundo de magoar seu Almir. Logo ele que tinha uma verdadeira paixão pelo clube mixtense.
Um dia, porém, o zagueiro Ésner, incentivado por outros jogadores, criou coragem e decidiu reclamar do rango. Disfarçadamente, ele chamou uma das cozinheiras num canto do restaurante, já bem vazio depois do almoço, e ponderou: “Ô tia, a comida está muito ruim. Esse arroz de hoje que chegou à mesa não dá nem pra mastigar de tão duro…”
– Olhe aqui, seu Ésner, pelo futebolzinho que vocês estão jogando, esse arroz está bom demás – respondeu secamente a cozinheira, virando-lhe as costas…
De acordo com o depoimento de outra cozinheira, dona Ana Antônia da Silva, a Chuchu, e da copeira Brígida Maria de Almeida, quem deu a resposta nada amistosa ao jogador Ésner foi dona Luiza, já falecida. “Ela era muito zangada…” – recorda dona Chuchu. Dos jogadores que faziam refeições no Fortaleza no período em que ela trabalhou no hotel, de 1960 até 1970, Brí¬gida se lembra vagamente apenas de uns poucos, entre eles, Matosinho.
Reproduzido do livro Casos de todos os tempos Folclore do futebol de Mato Grosso, do jornalista e professor de Educação Física Nelson Severino
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