Esse tal VLT

Metrô de superfície ligando o Porto ao Tijucal. Esse foi o compromisso de Júlio Campos, candidato ao governo em 1982. Júlio ganhou a eleição, mas nunca moveu um dedo sequer para cumprir o prometido. Transcorridos 27 anos da fala de Júlio voltei a ouvir sobre transporte de passageiros sobre trilhos. Foi o então deputado estadual José Riva quem disse, numa entrevista a mim concedida, mas torcendo pra que a mesma não fosse publicada naquele momento. Nesta sexta-feira, 27 de setembro, esse assunto ressurgiu com o economista e ex-vereador por Cuiabá, Vicente Vuolo, no programa Amplo, Geral e Irrestrito, do jornalista Enock Cavalcanti, por ele produzido e apresentado nos estúdios do site ofactual.com.br do empresário e publicitário Cláudio Cordeiro. Convidado por Enock e Cláudio, foi um dos entrevistadores de Vuolo.
O metrô de superfície prometido por Júlio não passava de jogada política pra cativar eleitores, ainda que o mesmo sonhasse com tal obra, mas sua execução à época seria totalmente inviável tanto por falta de recursos financeiros quanto pela pequena demanda de transporte de passageiros em Cuiabá.
Riva não disse da boca pra fora. Deputado estadual repetidas vezes campeão de votos, senhor absoluto da Assembleia Legislativa e com forte influência no governo, independentemente de quem o exercesse, ele falou sobre o projeto para a criação do veículo leve sobre trilhos (VLT) ligando Cuiabá a Várzea Grande. Foi num lance de sorte jornalística que o ouvi pronunciar as três letrinhas V L T ao pé do ouvido de um ilustre convidado do Governo de Mato Grosso, que desembarcou por aqui no dia 3 de fevereiro de 2009, numa delegação da Fifa/CBF, para defender a bandeira cuiabana pela inclusão da nossa capital entre as sedes para a Copa do Mundo de 2014. Quem ouviu tal revelação foi o ex-jogador Zito, colecionador de títulos nacionais e internacionais pelo Santos de Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepé, e bicampeão mundial pela Seleção formando dupla de meio-campo com Didi

A Imprensa, sempre ao lado de Riva, naquele momento, com a chegada de Zito, esqueceu-se de seus compromissos contratuais e tietou o velho cidadão que um dia foi um dos maiores jogadores do mundo. Zito para lá, Zito pra cá, jornalista deixaram Riva, o governador Blairo Maggi e outros figurões isolados. Aproveitei-me da situação, encostei no homem forte da Assembleia e puxei assunto sobre VLT. Atencioso, o deputado deu detalhes do projeto para a criação da nova matriz de transporte no coração da América do Sul. Com sutileza, sugeriu que o assunto fosse tratado mais adiante, porque o momento era para Zito. Sorri, como se concordasse. Na edição do dia seguinte, o Diário de Cuiabá abriu manchete ao VLT de Riva.
O relógio biológico é implácavel, em 14 de junho de 2015, o paulista de Roseira, José Ely de Miranda, que nos gramados era o Zito, fechou os olhos para sempre aos 82 anos.
Antes do VLT de Riva, discutia-se a construção do sistema de transporte BRT (na sigla em inglês cuja tradução livre é transporte rápido por ônibus). Claro que a a tese defendida pelo deputado prevaleceu e Mato Grosso iniciou a obra do VLT, não sem antes uma delegação mato-grossense formada por Riva, Éder Moraes, Silval Barbosa, Guilherme Maluf, Sérgio Ricardo e Rowles Magalhães ir a Portugal para uma conversa entre quatro paredes com alguns gajos que botam a Terrinha sobre trilhos. (Leiam: Manchete em agosto de 2012).

O tempo passou. Estamos em 27 de setembro de 2019. Vuolo à minha frente, fala sobre a retomada da obra do VLT. Fiquei em silêncio no começo da entrevista. Confesso, que há alguns meses, quando o nosso entrevistado lançou o movimento pelo VLT, pensei que ele pudesse estar apenas empunhando a bandeira do consórcio construtor do sistema de transporte. Hoje, mudei meu entendimento.
Não saberia dizer se Vuolo leva ou não algum tipo de vantagem. Tudo que sei é que seu movimento tem custo financeiro e de tempo – ele é servidor do Senado. Ou ele ou alguém põe a mão no bolso. Mas isso perde importância pelo que está em jogo. Vejamos: há cinco anos a classe política de Cuiabá e Várzea Grande, sem exceção, está de bico fechado. Não foi capaz de dimensionar a relevância desse sistema de transporte e o tratou da forma mais desqualificada possível, sendo que alguns desses personagens brigaram por sua judicialização, a exemplo do que fez o ex-governador Pedro Taques.
Vuolo não é salvador da pátria nem tem legitimidade eleitoral para defender o VLT, mas ele passou sobre todas as barreiras. Mato Grosso, acéfalo politicamente, tem que estar ao seu lado.
Sinceramente, não sei o que é mais grave: a roubalheira na obra do VLT, a paralisação de sua construção, ou o silêncio covarde e velhaco da classe política durante cinco anos sobre a desativação de sua execução.
Observemos com olhar de cidadania. com sentimento de amor pátrio: boa parte dos personagens da roubalheira no governo Silval Barbosa migrou para a gestão do governador Pedro Taques e, mais recentemente, para a equipe de Mauro Mendes. O que se deduz é que o VLT foi violentado não por esse ou aquele, mas pelo esquema do poder.
Que venha o VLT nas asas do sonho de Vuolo. Que venha em nome da modernidade, da redução dos acidentes de trânsito, da diminuição poluíção atmosférica e da qualidade de vida.
Que venha o VLT como divisor de era de transporte, ainda que sua chegada abra espaço a discursos paternalistas politiqueiros – todos sabemos da infertilidade da classe política para sua viabilização.
VLT, o coração da América do Sul reserva, inicialmente, 22 quilômetros para seu vaivém. Que o atraso de sua operacionalização seja em breve, página virada. Que no amanhã, a memória mato-grossense veja seu hoje como mero descarrilamento político.
Manchete em agosto de 2012
Rowles Magalhães Pereira da Silva era assessor especial do vice-governador Chico Daltro (PSD) e eminência parda do poder até cair em desgraça ao abrir a boca para denunciar que “integrantes do governo estadual” receberam R$ 80 milhões em propina para jogar no colo do Consórcio VLT Cuiabá formado pelas empresas C.R.Almeida, Santa Bárbara, CAF Brasil e Astep Engenharia a obra do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) em Cuiabá e Várzea Grande, que tem orçamento de R$ 1,477 bilhão.
A denúncia de Rowles tem contorno de mea culpa, porque ele sustenta que faz a intermediação para o pagamento da propina, mas o governador Silval Barbosa (PMDB) e seu vice trataram de exonerar o denunciante, num ato publicado na terça-feira, 21, no Diário Oficial. Mais: Silval e Daltro negam com todas as letras, inclusive o V, o L, e o T, qualquer tipo de maracutaia que se possa imaginar. Tanto negam, que o governador mandou o secretário de Segurança Pública, Diógenes Curado, apurar o caso, repetindo o que fez seu antecessor Blairo Maggi (PR), quando do rombo descoberto no final de 2009, de R$ 44 milhões na compra superfaturada de 705 equipamentos rodoviários para o programa MT 100% Equipado, investigação essa que até agora aponta com visível compaixão para o ex-secretário de Infraestrutura, Vilceu Marchetti e que poupa seus pares naquela transação. Curado designou o delegado Gianmarco Paccola Capoani para o caso.
O agora demitido Rowles disse no dia 14 deste mês, ao portal UOL, que a propina foi paga, mas tirou o corpo fora na hora de dar nome aos bois. Sua denúncia é reforçada por um anúncio de classificados na edição de 18 de abril deste ano no jornal Diário de Cuiabá, que de modo cifrado antecipou o resultado da concorrência. Essa concorrência aconteceu sob Regime Diferenciado de Contratação (RDV), que abre brecha para trambique, porque dispensa uma série de exigências que são feitas às concorrências tradicionais. Rowles disse que os concorrentes do consórcio vencedor participaram da disputa fazendo jogo de cartas marcadas, para serem vencidos.
A opção para se fazer o VLT pelo RDC é considerada estranha, porque essa obra não será concluída antes da Copa do Pantanal em 2014 e até mesmo porque esse sistema de transporte exclui de suas rotas a Arena Pantanal, onde acontecerão os jogos, e sequer passa em suas imediações.
A investigação do caso não será restrita à Secretaria de Segurança Pública, pois o Ministério Público Federal também entrou em cena na tentativa de passar o caso a limpo com um inquérito civil púbico e o Ministério das Cidades – que banca os custos da obra – acendeu todas as luzes amarelas possíveis para saber o que Rowles e seus companheiros aprontaram em Cuiabá.
Além da denúncia do ex-assessor esse caso tem um recheio que merece se investigado. Rowles disse e o governo confirma, que a montagem do edital de licitação foi facilitada porque o Fundo de Investimento Infinity doou ao Estado um estudo sobre a obra, que teria custo no mercado de R$ 14 milhões. Esse estudo na verdade era um projeto de viabilidade técnica e financeira feito pela estatal portuguesa Ferconsult, que atua na área de construção de metrôs de superfícies. Em troca, a Ferconsult ganharia o direito de executar a obra, na clássica oração de São Francisco, mas acontece que em Cuiabá deram rasteira nos portugueses deixando-os de fora da montanha de dinheiro que será derramada para implantação dos trilhos.
A jogada na moita entre o Infinity, a Ferconsult e o governo de Mato Grosso não ficou restrita ao toma lá dá cá do estudo com a obra planejada. O custo do VLT apresentado pela Ferconsult era de R$ 700 milhões, mas estranhamento saltou para R$ 1,477 bilhão. Mais: a Secretaria da Copa (Secopa), que toca o projeto Copa do Pantanal, nunca divulgou uma linha sequer sobre a doação recebida, que em termos financeiros se compara aos R$ 14 milhões que ela se propôs a pagar por 14 jeep Land Rover montados na Rússia – o que se tornou um dos escândalos entre tantos que pipocam na esfera do governo.

O entendimento do governo de Mato Grosso com a Ferconsult e as bênçãos do Infinity mostraram a desenvoltura de Rowles. Em maio do ano passado ele liderou um trenzinho da alegria mato-grossense que visitou a cidade do Porto, em Portugal, para conhecer o VLT dos gajos ali construído pela Ferconsult. Dessa viagem participaram algumas das cabeças mais coroadas da política mato-grossense: Silval Barbosa; o presidente da Assembleia Legislativa, José Riva (PSD); o então titular da Secopa, Éder Moraes; e os deputados estaduais Guilherme Maluf (PSDB) e Sérgio Ricardo, que agora é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado. Todos voltaram da Europa vestindo a camisa do VLT, que até aquele momento era ameaçada por outro sistema de transporte o BRT – Bus Rapid Transit, sigla em inglês de ônibus em corredor expresso – cuja implantação é mais barata no comparativo com o sistema articulado por Rowles…
Eduardo Gomes de Andrade – Editor de blogdoeduardogomes
FOTOS:
1 – Governo de Mato Grosso – Divulgação
2 – Maurício Barbant
3 – ofactual.com.br
4 – Reprodução capa da revista MTAqui
5 – Rowles Magalhães – divulgação Governo de Mato Grosso
Comentários estão fechados.