Esperteza de comentarista
Comentar jogos que estavam sendo eram realizados no Dutrinha, enquanto farreava tomando todas e se deleitando nas águas do Rio Coxipó, que passa nos fundos da lendária boate Sayonara, decididamente é proeza para poucos.
Mas foi o que o comentarista Edipson Morbeck, chefe da equipe de esportes da Rádio A Voz do Oeste, a grande rival da Difusora Bom Jesus de Cuiabá, cujo Departamento de Esportes era comandado por Roberto França, fez durante um bom tempo lá pelos idos de 1960 até ser pego em flagrante pela esposa Delice…
O plano arquitetado por Morbeck funcionava da seguinte forma: enquanto o radialista se esbaldava na gandaia, um dos donos da Sayonara, Nazir Bucair, acompanhava e anotava todos os detalhes da narração de Márcio de Arruda e que ao final do primeiro e do segundo tempo eram passadas para o comentarista.
Com todas as informações à mão – escalação dos times, juiz e bandeirinhas, minutos de gols e quem marcou, jogadas bonitas, violentas, cartões amarelos e eventuais expulsões, renda, etc., – era fácil para Morbeck comentar o jogo no intervalo ou no final.
Morbeck fazia uma análise rápida das anotações de Bucair, que puxou uma extensão do telefone do escritório da boate até o local onde o comen¬tarista estava. Aí, Morbeck ligava para o estúdio da rádio, que fazia a conexão com o estádio. E pronto: o radialista mandava brasa, comentando o jogo com uma autoridade que deixava a torcida extasiada…
– Muitas vezes torcedores me paravam na rua para me cumprimentar pelo meu comentário sobre um jogo que eu não tinha assistido nem pelo rádio… – recorda-se Morbeck…

E assim, com a corda toda, o comentarista ia levando a vida na flauta. Nos domingos de jogos, enquanto a rapaziada ralava e sofria nas cabines quentes do Dutrinha, Morbeck desfrutava de toda a mordomia às margens do Rio Coxipó, geralmente acompanhado de belas mulheres – confessa ele.
O ano Morbeck não se lembra. Mixto e Dom Bosco iam jogar no Dutrinha pelo Campeonato Mato-grossense de Futebol. Como estava acontecendo já havia um bom tempo, chegou a hora do comentarista partir para a farra, como se estivesse indo para o Dutrinha, sem despertar a menor suspeita da esposa…
Jogo em andamento – o Mixto ganhou por 1×0, gol de Rômulo – e Morbeck na maior gandaia.
De repente, Nazir chega à beira do Coxipó e avisa Morbeck que sua esposa estava lá em cima, esperando-o. Pego de surpresa – imagine, então, Morbeck – com a visita repentina, Nazir não teve tempo nem de inventar uma saída para livrar a pele do amigo…
Acontece que naquele dia uma filha de Morbeck não estava passando bem e sua mulher pegou um táxi e foi até o Dutrinha procurá-lo para resolver o problema de saúde da menina.
Quando Delice chegou na cabine de A Voz do Oeste e não viu o marido, achou estranho. Enquanto o pessoal da rádio fazia tudo para disfarçar e não revelar o paradeiro de Morbeck, alguém da rival Difusora Bom Jesus de Cuiabá, que estava em outra cabine ao lado, não alisou o companheiro de trabalho: “Vá procurá-lo no Sayonara!…” – disse com ar irônico.
Delice pegou outro táxi e foi para o Sayonara. Pego no maior flagrante, só restou a Morbeck jurar que aquela era a primeira vez que ele estava fazendo aquilo, mas que jamais ia acontecer outra safadeza daquelas.
Livrou a cara…
PS – Reproduzido do livro Casos de todos os tempos Folclore do futebol de Mato Grosso, do jornalista e professor de Educação Física Nelson Severino.
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