Desigualdades sociais dificultam acesso à educação infantil no Brasil
Alana Gandra – Agência Brasil
RIO DE JANEIRO
As desigualdades socioeconômicas repercutem também no acesso à educação infantil no Brasil. Essa é uma constatação do estudo inédito O desafio da equidade no acesso à educação infantil: uma análise do CadÚnico e do Censo Escolar, realizado pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, em parceria com o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS).
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O estudo cruza informações do CadÚnico com o Censo Escolar, a partir de microdados de 2023. A desigualdade pode ser comprovada pelo fato de apenas 30% do total de 10 milhões de crianças de baixa renda na primeira infância, inscritas no CadÚnico, estarem em creches, em dezembro daquele ano. Já na pré-escola, etapa obrigatória da educação básica, apenas 72,5% das crianças de 4 e 5 anos que vivem em famílias de baixa renda no CadÚnico estavam matriculadas.
O CadÚnico é um registro administrativo que reúne informações socioeconômicas de famílias de baixa renda no Brasil, como escolaridade, renda, condições de moradia e matrícula escolar das crianças. Constitui uma ferramenta essencial para a formulação e implementação de políticas públicas de proteção social.
O Censo Escolar é o levantamento estatístico oficial sobre a educação básica no Brasil, realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Ele contém informações sobre matrículas, infraestrutura escolar, alunos e docentes nas instituições de ensino públicas e privadas, sendo a principal fonte para análise da cobertura escolar no país.
A presidente da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Mariana Luz, defende muito a creche na vida das crianças, sobretudo na primeira etapa (até 3 anos de idade).
“Ela é muito benéfica, em especial para crianças que estão em alguma situação de vulnerabilidade, porque a gente está falando de a creche ser um espaço de aprendizagem, desenvolvimento, mas também um espaço de segurança”, avaliou.
Em entrevista à Agência Brasil, Mariana lembrou que, em uma creche integral, a criança se alimenta até cinco vezes por dia, é um espaço de combate à violência.
“A gente olha para a creche como uma grande prioridade. E o que se vê é que as crianças do Cad são as que estão menos na creche”, destacou.
“A gente está falando de um percentual de atendimento, depois desse paliamento Cad x Censo Escolar, que passou de 20% para 30%. Mas isso significa dizer que 70% ainda estão fora. E, em uma média nacional hoje de 40%. A gente está falando, portanto, de dez pontos percentuais atrás da média nacional”, completou.
Por regiões
A desigualdade de acesso à educação infantil pelas famílias de baixa renda é ainda mais acentuada na Região Norte, com taxa de matrícula na creche entre as crianças de baixa renda de 16,4%, em 2023, seguida do Centro-Oeste (25%) e Nordeste (28,7%). Apenas Sudeste (37,6%) e Sul (33,2%) apresentavam taxas um pouco superiores à média nacional de 30% para a população do CadÚnico.
De acordo com o estudo, as diferenças são notadas também na pré-escola, com a taxa de matrícula para as crianças inscritas no CadÚnico variando de 68% a 78% nas regiões do país, com Norte e Nordeste mostrando as menores taxas.
Para Mariana Luz, a questão da idade é muito importante, porque há muitas unidades escolares do país que não oferecem creche para crianças até 2 anos. Na creche, a probabilidade de matrícula aumenta conforme a idade da criança. Quanto mais velha ela for, maiores são as chances de acesso, que atingem 148,29% a mais.
Ela destaca também “a falta de informações das mães sobre a importância da creche, da escola como espaço de desenvolvimento”. Além disso, muitas vezes, “as mães não encontram vagas, não têm com quem deixar os filhos e isso influencia o papel da mulher no mercado de trabalho”.
O estudo revela que os municípios menores e com menor Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) enfrentam mais dificuldades para garantir vagas, em função de restrições financeiras, ou por falta de capacidade técnica, o que reforça a importância de políticas públicas que apoiem os territórios mais vulneráveis, com objetivo de gerar mais equilíbrio na oferta de educação infantil em todo o país. Mariana Luz afirmou que o papel do setor público é alcançar as comunidades e ofertar o direito das crianças, sejam indígenas, quilombolas, brancas, negras, e garantir que esse direito seja também de qualidade e adequado à realidade de cada grupo, lembrando sempre que a educação básica é um direito da criança.
Raça, gênero e deficiência
De acordo com o estudo da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, questões de raça, gênero e deficiência influenciam também no acesso à creche.
“Crianças não brancas têm menores possibilidades de estarem na escola”.
Entre as famílias de baixa renda cadastradas no CadÚnico, as crianças brancas têm 4% mais chance de estar na creche e quase 7% mais chances de estar na pré-escola do que crianças pretas, pardas e indígenas.
O estudo mostra que as meninas têm menor probabilidade de frequentar creche (-4,05%), enquanto as crianças com deficiência têm 13,44% menos chance de estarem matriculadas na pré-escola.
“É um problema da desigualdade estrutural, do racismo estrutural”.
De acordo com Mariana, o fato de meninas terem menos chance de irem para a creche evidencia que a desigualdade de gênero começa já na primeira etapa da educação infantil. “Você está falando de raça, gênero e deficiência: são três prioridades para a gente inserir na escola. Sobretudo sendo a escola um local para combater desigualdades”.
“E a desigualdade tem essas camadas de cor, de gênero, também o caso das pessoas com deficiência. Na verdade, eles deveriam ser colocados em primeiro lugar nessa primeira etapa, que é tão estruturante, porque são os que estão mais fora e é uma fase de maior pico de desenvolvimento”, defendeu.
Renda e moradia
Também a renda e o local de moradia determinam quem tem acesso à creche e à pré-escola no Brasil. Quando o responsável familiar tem emprego formal, a probabilidade de a criança estar na creche é 32% maior.
Já a remuneração informal dos responsáveis diminui em 9% as chances de a criança frequentar a creche e em 6% a pré-escola. A escolaridade dos pais ou responsáveis também conta para a inserção na educação infantil: quanto maior a escolaridade, maior a probabilidade de o adulto inserir o filho na creche.
O domicílio também favorece ou não a entrada das crianças na creche e na pré-escola. Crianças que moram em domicílios com mais infraestrutura, com maior grau de calçamento, mais iluminação, em bairro organizado, têm mais chance de ir para a escola. Isso se aplica sobretudo na área urbana, indicou a presidente da Fundação.
Mariana salientou, por outro lado, que se a família é beneficiada por um programa de transferência de renda, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) ou o Programa Bolsa Família ((PBF), isso aumenta a probabilidade de as crianças ingressarem na educação infantil.
O BCP, por exemplo, eleva em 12% a probabilidade de a criança estar na creche e em cerca de 8% na pré-escola. Já o Programa Bolsa Família (PBF), que exige matrícula a partir dos 4 anos, aumenta em 9% a chance de ingresso na pré-escola e em torno de 2% a entrada na creche.
PNE
O estudo foi lançado em um momento importante, quando está em discussão o novo Plano Nacional de Educação (PNE), a Política Nacional Integrada da Primeira Infância (PNIPI) e o Compromisso Nacional pela Qualidade e Equidade da Educação Infantil (Conaquei). Mariana Luz analisou que o mais importante é entender a desigualdade do acesso da educação infantil, “que é a etapa de maior estruturação do desenvolvimento da criança”.
Muitas evidências comprovam que, se a criança tem uma educação infantil de qualidade, ela vai melhorar toda a sua trajetória escolar em até três vezes mais, ao longo das etapas subsequentes da educação.
“A gente garantir essa base sólida na educação infantil, no início da vida, é muito importante. Mas o que a gente vê é que o acesso a essa educação infantil é tão desigual como o nosso país”.
Para a presidente da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, isso significa que quem acessa mais são os segmentos mais ricos da população e quem acessa menos são os quartis mais pobres.
“É preciso deixar claro que mesmo dentro da educação pública, há o reflexo da desigualdade do acesso”, destacou.
As desigualdades socioeconômicas repercutem também no acesso à educação infantil no Brasil. Essa é uma constatação do estudo inédito O desafio da equidade no acesso à educação infantil: uma análise do CadÚnico e do Censo Escolar, realizado pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, em parceria com o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS).