Da Boa Terra pra Água Boa
Aos sábados, domingos e feriados nacionais CURTAS será substituída por capítulos do livro “Dois dedos de prosa em silêncio – pra rir, refletir e arguir“, escrito e publicado em 2015 pelo jornalista Eduardo Gomes de Andrade, sem apoio das leis de incentivos culturais. A obra foi ilustrada por Generino. Capa: Edson Xavier.
Capítulo:
Da Boa Terra pra Água Boa
Brasília, 1977. Da janela do ônibus da Auto Viação Brandão, Maurício Cardoso Tonhá avista a Capital da Esperança idealizada por Juscelino Kubitschek. Cada vez mais a cidade mostra a leveza arquitetônica de Lúcio Costa e a poesia do cimento de Niemeyer. A viagem iniciada em Santana, na Boa Terra, termina. Com uma bolsa numa mão e o tíquete da bagagem na outra, desembarca. Da plataforma vê o tio materno José Honório Alves Cardoso.
Antes do primeiro passo o sobrinho ganha um forte abraço de José Honório. “Com sua bênção, tio Zé Rabinho” diz. “Deus te abençoe, menino”, responde o parente apertando ainda mais os braços. Zé Rabinho é o apelido de José Honório.
Em Brasília o tio e sua mulher, dona Jandira receberam o sobrinho em casa. O casal lhe dá teto e afeto. A meta de Maurício Tonhá era cursar o segundo grau, se formar engenheiro civil ou ser aprovado em concurso do Banco do Brasil e se transferir pra Santana, sua terra.
A permanência em Brasília foi curta: menos de cinco anos. Nesse período, com os braços no trabalho e a mente nos livros, se formou técnico contábil.
No dia a dia Maurício Tonhá trabalhava com o tio, que era vendedor de sacolas plásticas e outros produtos para embalagens. Zé Rabinho não era dono do negócio. Ele revendia embalagens. Certo dia, o sobrinho lhe sugere que passe a comprar os produtos e a vendê-los. “Não tenho carro!”, observa. “Então adquira uma Kombi financiada e deixa comigo que a gente vai ganhar dinheiro”, retruca.
Uma reluzente Kombi azul passou a ocupar a garagem da casa de Zé Rabinho e dona Jandira. Todos os dias, bem cedo, a perua saía pelas ruas rumo às feiras. No banco dianteiro do passageiro o lugar cativo era de Maurício Tonhá, que por ser menor não dirigia.
Com os produtos nas costas e o bloco de pedidos no bolso da calça jeans surrada, Maurício Tonhá percorria as barracas. “Tempos duros aqueles, mas de muito aprendizado com meu tio e com a vida”, avalia.
Dois caminhos se abriam à frente de Maurício Tonhá: apostar no negócio das embalagens com o tio ou se preparar ao vestibular pra engenharia civil, porque não havia indício de que haveria concurso ao BB.
Em 1982 a Caixa Econômica Federal e o BB abriram inscrição para o Norte e Centro-Oeste. Maurício Tonhá voltou ao sonho de ser bancário. Enquanto imaginava como se inscreveria, reencontrou-se em Brasília com o primo e engenheiro civil Altair Antônio Alves, o Abobrinha, diretor do agora extinto Departamento de Estradas e Rodagem de Mato Grosso (Dermat) e morador em Barra do Garças.
Abobrinha o estimulou a ir a Barra se inscrever aos concursos. Pouco tempo depois Maurício Tonhá embarcou num ônibus pra tentar a sorte e se surpreendeu com Mato Grosso, a terra, onde seu tio materno Antônio Joaquim Alves, o Antônio Abóbora, ganhou destaque enquanto presidente da Câmara e prefeito constitucional de Rondonópolis, onde também presidiu o Sindicato Rural.
Na Barra, Maurício Tonhá se inscreveu nos concursos da Caixa e do BB. Foi aprovado em ambos. A espera pelos chamados foi curta. Em julho de 1982 a Caixa o lotou na agência daquela cidade.
Mauricio Tonhá permaneceu quatro meses na Barra morando na casa de Abobrinha e seu colega José Ângelo Carloto – o Dr. Carloto. Em novembro de 1982 ele deixa a Caixa para ser lotado na agência do BB de Água Boa, inaugurada em agosto daquele ano e que tinha seu quadro formado por adidos cedidos por outras agências.
Quinta-feira, 25 de novembro de 1982. Chove forte na região do Araguaia e Maurício Tonhá chega a Água Boa. “Dizem que mudança com chuva dá sorte; tomara!”, pensa com seus botões.
No princípio, em Água Boa, Maurício Tonhá mora numa república na casa de Silvino Guerreiro do Amaral, com os colegas Olívio Pereira – agora seu compadre -, Getúlio Siqueira, Gilvan Rosa e Édson Ribeiro.
Antes de começar o primeiro dia de trabalho, percorre algumas ruas pra conhecer um pouco sua nova cidade. Numa praça ao ar livre vê feirantes com suas barracas e a população comprando. Presta atenção e imagina como seria bem mais humano se aqueles trabalhadores e seus clientes tivessem um espaço coberto, com iluminação, sanitários e bancas organizadas. O pensamento vaga por seu antigo trabalho em Brasília, ganha asas e ele imagina: “se um dia for prefeito de Água Boa, construirei uma feira”.
Em 14 de novembro de 2009 o prefeito de Água Boa, Maurício Tonhá, recebe o governador Blairo Maggi, o vice-governador Silval Barbosa e o secretário de Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar, Neldo Egon Weirich, para inaugurar a Feira Livre do Pequeno Produtor.
Os participantes notam o semblante emocionado de Maurício Tonhá, mas ninguém entende o porquê. Ele, no entanto, sabia muito bem o motivo. Naquele instante não era somente o prefeito que ali estava, mas também o jovem vendedor de embalagens nas feiras em Brasília e que um dia, recém-chegado à cidade, sonhou realizar aquela obra.
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